Intervenção de Francisco Lopes na Assembleia de República

"Não há campanhas que possam impedir o protesto e a luta"

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Debate da interpelação sobre a grave situação económica e social do País e a política alternativa necessária para solução dos problemas nacionais
(interpelação n.º 14/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
A situação económica e social do País é de uma enorme gravidade. A política de direita, da responsabilidade do PSD e do CDS-PP mas também do PS, aprofundada nos últimos anos pelos programas de estabilidade e crescimento (PEC) e pelo pacto de agressão, provoca um rasto de retrocesso e injustiça e gera sérias preocupações quanto ao futuro.
A destruição das estruturas produtivas, uma década de crescimento praticamente nulo seguida, nos últimos três anos, da maior recessão alguma vez registada, a alienação e a liquidação de sectores estratégicos e o brutal aumento da dívida pública são a expressão de um enorme salto atrás.
A degradação do poder de compra, incluindo do salário mínimo, os cortes nos salários e nas pensões, o aumento e a desregulação dos horários de trabalho, a prepotência em muitos locais de trabalho e as centenas de milhares de trabalhadores com salários penhorados são realidades chocantes. Como chocante é o desemprego de mais de 1,4 milhões de trabalhadores, na sua maioria sem apoios sociais, tantos deles conduzidos à miséria e à fome, ou a situação dos jovens, cada vez mais empurrados para a precariedade, o desemprego e a emigração.
As insolvências familiares, os apoios sociais cortados, os subsídios que chegam ao fim, as poupanças consumidas, as rendas ou as prestações ao banco que não são pagas, o risco ou a dura realidade de deixar de ter casa são dimensões de dramas sociais que se multiplicam.
O número de estudantes que abandonam o ensino superior, as situações de crianças que vão para a escola sem qualquer refeição e os testemunhos sobre crianças que, em vez de leite, bebem um copo de água com açúcar, de pacotes que os familiares arranjam em cafés da zona onde vivem, mostram o ponto de degradação social a que o País chegou.
A carência de médicos de família, a falta de meios e de profissionais, os meses ou anos de espera por uma consulta, um exame ou uma intervenção inserem-se na negação do direito à saúde e na transformação da saúde num enorme negócio que condena muitos portugueses a uma morte antecipada.
O continuado ataque à ciência, à cultura e à escola pública e a descaracterização da segurança social são gritantes expressões de retrocesso.
O aumento brutal dos impostos para os trabalhadores e as benesses para o capital, como mostram a opção pela redução do IRC e os critérios dos benefícios fiscais, dão a dimensão de uma profunda injustiça fiscal.
É toda uma política de subversão do regime democrático, de confronto com a Constituição da República Portuguesa, que empurra o País para o desastre e compromete a sua soberania e independência.
O Governo e a troica, perante esta situação, proclamam sucesso, mas a realidade sentida pelo povo português fala por si. Enquanto o povo empobrece e as 25 famílias mais ricas veem as suas fortunas aumentar, com insultuosa arrogância, Belmiro de Azevedo proclama a degradação dos salários e Soares dos Santos declara a disposição de não pagar os impostos devidos.
Na semana passada, questionavam os profissionais das forças de segurança: onde estão os cifrões das nossas profissões? Os roubos nos seus salários, bem como nos dos restantes trabalhadores, nas pensões e no financiamento dos serviços públicos estão a ir direitinhos para os milhares de milhões de euros de lucros e dividendos do grande capital, para o saque dos 7000 milhões de euros que anualmente saem em juros de uma dívida em grande parte ilegítima, para os swaps e as parcerias público-privadas (PPP), para os escândalos do BPN, do BPP ou do BCP, cujo ex-presidente acaba de ser absolvido de uma multa por prescrição.
Os responsáveis pela situação do País querem prosseguir este caminho. O Governo aí está, a tentar que os cortes nos salários, nas pensões e nos apoios sociais que apresentou como temporários passem a definitivos; a procurar fazer mais alterações para pior ao Código do Trabalho, procurando facilitar os despedimentos sem justa causa, designadamente com o anunciado propósito de baixar o valor das indemnizações e de fragilizar ainda mais a contratação coletiva; a agravar a legislação de trabalho da Administração Pública; a atacar os reformados e os pensionistas e o direito à reforma; a promover ainda mais a precariedade; a prosseguir a destruição dos serviços públicos e das funções sociais do Estado. O Governo aí está, a estabelecer mais privatizações, a preparar o corte de milhares de milhões de euros nos salários, nas pensões, nos apoios sociais, nos serviços públicos.
Passos Coelho diz que os rendimentos dos trabalhadores não podem voltar aos valores que tinham antes. Cavaco Silva diz mais, que Portugal está sujeito, até 2035, à ingerência externa, portanto, pelo menos mais 20 anos. No fundo, quem tanto fala de pós-troica vem dizer o que todos sabíamos: com esta política, com este Governo ou outro idêntico, não há propriamente pós-troica. À irlandesa, com ou sem programa cautelar, com o garrote do tratado orçamental ou de outros instrumentos de domínio da União Europeia e do euro, a política das troicas, a política de exploração e de empobrecimento, na opinião deles, é para continuar.
Não há demagogia e encenação do Governo, de Passos Coelho e Paulo Portas, que possa esconder a realidade. Quanto mais tempo durar este Governo e esta política pior para o País. A situação a que se chegou e o propósito de insistir neste caminho de injustiça e desastre reforça ainda mais a necessidade que o PCP coloca da demissão do Governo, da realização de eleições antecipadas, da rutura com a política de direita, de uma alternativa patriótica e de esquerda.
Uma alternativa em rutura com a política de direita em Portugal e com os eixos fundamentais do processo de integração capitalista europeu.
Uma política que aponta a necessidade da renegociação da dívida nos seus prazos, juros e montantes e que permita um serviço da dívida que não sufoque o País, dando concretização à proposta que o PCP fez no dia 5 de abril de 2011, cujo apoio tem vindo a crescer e que o Grupo Parlamentar do PCP apresentará nesta Assembleia.
Uma política que, partindo da necessidade e urgência de garantir a renegociação da dívida, assuma as seguintes opções fundamentais: a defesa e o aumento da produção nacional; a recuperação, para o Estado, do sector financeiro e de outras empresas e sectores estratégicos; a valorização efetiva dos salários e das pensões e o explícito compromisso de reposição dos salários, dos rendimentos e dos direitos roubados, incluindo as prestações sociais; a opção por uma política orçamental de combate ao despesismo e à despesa sumptuária, baseada numa componente fiscal de aumento da tributação dos dividendos e lucros do grande capital e de alívio dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas e das micro, pequenas e médias empresas.
Uma política de defesa e de recuperação dos serviços públicos, em particular no que concerne às funções sociais do Estado na promoção da saúde, da educação e da segurança social; a assunção de uma política soberana e de afirmação do primado dos interesses nacionais.
São estes os eixos essenciais da política de que o País precisa, que se expressam em necessidades e medidas concretas.
Por isso, o PCP vai avançar com propostas sobre o Fundo de Garantia Salarial e de reforço do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego para responder a centenas de milhares de desempregados que não têm apoio social.
O PCP vai avançar com propostas para a reposição do horário de trabalho da Administração Pública e a redução progressiva do horário de trabalho para as 35 horas semanais para todos os trabalhadores, tendo em conta o desenvolvimento científico e tecnológico e como contributo para a redução do desemprego estrutural.
O PCP vai avançar com propostas de combate à precariedade para que a um posto de trabalho permanente corresponda um contrato de trabalho efetivo.
O PCP vai avançar com um conjunto de propostas de proteção da maternidade e da paternidade e de incentivo à natalidade, envolvendo, designadamente, o abono de família e o apoio no plano das creches e do pré-escolar.
O PCP vai avançar, no quadro do apoio aos reformados e pensionistas e da valorização das pensões, com propostas de reforço do complemento solidário para idosos.
O PCP vai avançar com propostas para anular os aumentos dos preços dos transportes, para controlar os preços dos combustíveis e para alargar o acesso à tarifa social da eletricidade e do gás.
O PCP irá prosseguir a intervenção contra a corrupção e as injustiças fiscais, designadamente para que se concretize a auditoria do Tribunal de Contas aos benefícios fiscais centrada nas SGPS (sociedades gestoras de participações sociais).
Srs. Deputados, o Governo desdobra-se em propaganda enganosa, procurando, com este ou aquele elemento estatístico, com esta ou aquela ação demagógica, esconder o desastre para onde conduziu, e está a conduzir, o País. Nada disso altera a realidade nacional, a situação dos trabalhadores e do povo, o profundo descontentamento existente, o desejo de penalizar os responsáveis políticos por este rumo de retrocesso e a vontade de concretizar a necessária e inapelável derrota do Governo.
Não há campanhas que possam impedir o protesto e a luta. A realidade aí está a demonstrá-lo, na histórica manifestação dos profissionais das forças de segurança da passada quinta-feira e em tantas outras ações que se realizaram, e vão realizar, por todo o País.
Uma luta de resistência, de indignação e de protesto mas, acima de tudo, uma luta para abrir caminho à resolução dos problemas nacionais, à concretização do projeto que a Constituição da República consagra, à retoma dos valores de Abril, à construção de um Portugal desenvolvido e soberano.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Mercês Borges,
Agradeço a questão que colocou.
Os problemas que aqui trouxemos e que traduzem a realidade vivida pelos trabalhadores e pelo povo português, como é natural, incomodam, exatamente no momento em que o Governo procura criar uma ideia encenada da realidade do País. Mas a verdade dos factos é sentida pelos trabalhadores e pelo povo por esse País fora. Desminta um aspeto, um só que seja, de tudo o que foi dito da tribuna relativamente à realidade económica e social.
Cada uma das questões referidas pode ser desmultiplicada em centenas e em milhares de exemplos que são dramas sociais. E chamam a isto o sucesso do Programa de Ajustamento?
Chamam a isto o grande êxito?
Sem dúvida que é um grande êxito: diziam combater a dívida e ela aumentou extraordinariamente; diziam preocupar-se com os portugueses e os grupos económicos e financeiros não têm parado de ganhar ao longo dos últimos anos. Para esses é o sucesso do sacrifício, do esforço de milhões de portugueses que veem os seus salários cortados, as suas pensões postas em causa, os serviços públicos deteriorados… É isso tudo que está em causa.
Esta realidade tem de ser dita, porque este rumo é suicidário para o País. Já não somos só nós quem o diz: ao contrário do que disse o Sr. Ministro Mota Soares, que se iria recuperar a soberania em maio, é o próprio Presidente da República que diz que a ingerência vai continuar até 2035.
Podemos aceitar um povo e um País condenados a estas amarras, ao empobrecimento e à exploração? Não! Não podemos aceitar.
Então, é em função desta realidade concreta que se constrói a alternativa, um caminho novo. Temos confiança nos trabalhadores e no povo português, temos confiança no nosso País e é por isso que aqui colocamos as questões que colocamos e apresentamos uma alternativa.

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