Permitam-me que recorde aqui as primeiras frases do texto da Declaração do PCP, proferida aquando da aprovação destes mesmos decretos (e dos vários decretos) resultantes da Proposta de Lei do Governo sobre esta matéria: «O processo que hoje se conclui [à data, 13-10-2023], à revisão dos Estatutos das Ordens Profissionais, proposto pelo Governo é a maior trapalhada legislativa do Século XXI. Este processo legislativo iniciou-se ao contrário do que devia ter ocorrido.»
E, Srs. Deputados, este debate que realizamos hoje, 3 de janeiro de 2024, na reapreciação de alguns dos diplomas que saíram desse processo (agora o Decreto 103 sobre o Estatuto da Ordem dos Engenheiros e o 104 sobre o da Ordem dos Arquitetos, outros se seguirão na agenda de hoje), este debate, dizia eu, é mais uma etapa onde fica claramente demonstrado (outra vez!) a lamentável trapalhada que o Governo e a maioria absoluta PS insistem em impor a esta Assembleia, ao País – e desde logo aos profissionais destas áreas e às suas ordens.
Se, desde o início, este processo político e legislativo configurou um desrespeito verdadeiramente insultuoso para com as ordens profissionais, pelo desprezo que evidenciou pela autonomia das ordens – nas próprias opções subjacentes às normas do diploma –, já neste caso em que tratamos da Ordem dos Engenheiros e da Ordem dos Arquitetos fica particularmente evidente essa hostilidade à regulação das profissões. E se assim foi de um modo transversal, então nestes casos é especialmente flagrante.
E não falamos de estados de alma ou de feitios. Falamos de opções políticas, que são construídas sobre a ideia da regulação das profissões como um estorvo ou um empecilho!
Opções políticas no sentido da precarização do exercício da profissão, da sobreposição dos interesses das multinacionais, da sacralização das doutrinas neoliberais da troika, dos estudos da OCDE e das imposições de Bruxelas no PRR.
Opções políticas que se traduziram em sociedades multidisciplinares – com todos os riscos e problemas, seja na deontologia, seja na avaliação, seja no sigilo profissional à mercê do poder económico – ou ainda na indefinição inaceitável em matéria de atos de engenharia e sua graduação [paradoxalmente desconsiderando aqui a capacidade da Ordem].
Ou ainda no domínio dos atos próprios da profissão de Arquiteto e dos atos partilhados com outras profissões – desvalorizando o direito à Arquitetura enquanto direito à Cidade e à qualidade de vida.
É claro que dos porta-vozes dos grupos económicos, dos prosélitos do neoliberalismo, já se sabe: dirão sempre que não basta, que o que era preciso era pegar na motosserra e acabar com as ordens e com a regulação das profissões.
Mas fica bem claro, com este debate e com este processo, que as opções políticas seguidas por este Governo PS são tudo menos o que faz falta numa política de esquerda.