Com esta iniciativa, intervimos num debate em torno do posicionamento relativo de Portugal na UE comparado com outros Estados-Membros. Um debate muitas vezes pouco rigoroso, cheio de mistificações e de intensa luta ideológica. Mentiras e ilusões que não resistem ao confronto com a realidade.
São agora agitados cenários negros do “Portugal na cauda da Europa” e para grandes males grandes remédios. E aí está a receita, mais reformas estruturais, tal como exigiram e conseguiram impor há décadas, com a adesão à CEE, depois ao Euro e, mais tarde, todas as reformas necessárias para alegadamente garantir a presença no dito “pelotão da frente”.
Alertámos que estas ditas reformas estruturais iriam conduzir o País para a situação em que hoje nos encontramos.
Mesmo muitos, que na altura não nos acompanharam nestes alertas, reconhecem hoje que as preocupações que identificamos, tinham e têm razão de ser.
Este é um debate que exige olhar para toda a dimensão do problema e não, sem menosprezar a sua importância, apenas para a questão do PIB.
Para que serve e a quem serve o crescimento económico?
A resposta a esta questão só é possível dar em função de uma outra pergunta, qual o caminho de desenvolvimento para o País?
Não aceitamos a teoria de que é possível o País estar melhor mesmo que a vida das pessoas esteja pior.
Se o “crescimento” diz respeito à criação de riqueza, o “desenvolvimento” só é possível se esta for distribuída na sociedade e com impacto na melhoria da vida dos trabalhadores, dos jovens, dos reformados e pensionistas, enfim, do povo em geral.
Um caminho que tem ainda de ter em conta o impacto da criação de riqueza no território e no ambiente, na desejável manutenção de imprescindíveis equilíbrios ecológicos, territoriais ou demográficos.
Estes são elementos que determinam a opção que se quer concretizar.
No entanto, é necessário ir ao osso da questão que nos traz aqui hoje e enfrentar dois problemas centrais.
A insuficiente criação de riqueza, situação que se tornou crónica desde a adesão ao Euro, e a injusta distribuição da riqueza criada, permanentemente agravada desde que o País está amarrado à moeda única.
A conversa que a ausência de crescimento no País resulta da não aplicação das ditas reformas estruturais, não resiste à evidência de que Portugal aplicou, por acção e opção de PS, PSD e CDS, todas e cada uma das receitas neoliberais definidas pela União Europeia, ao longo das últimas décadas.
Foram e são essas reformas neoliberais as causadoras e factor de atraso do País, com os resultados que estão à vista.
Foi seguindo essas receitas que se promoveram as liberalizações e privatizações, que se liquidou o sector empresarial do Estado, se conduziu à restauração do domínio do capital monopolista sobre a economia.
Hoje, enfrentamos uma situação em que sectores importantes da economia são dirigidos a partir do estrangeiro, parte da riqueza criada sai do País, milhares de MPME são esmagadas pelos grupos económicos.
Também no sentido da dita modernização, promoveram-se diversas reformas à lei laboral que liquidaram direitos, generalizaram a precariedade, atacaram a contratação colectiva e os salários e reduziram o seu peso no rendimento nacional.
Hoje, 80% dos trabalhadores ganha menos de mil euros brutos, o número de trabalhadores abrangidos pela contratação colectiva regrediu, a precariedade atinge de forma esmagadora a juventude.
Foi também em nome das exigências neoliberais que se promoveu, sem salvaguardas, a desregulação e liberalização do comércio internacional.
Aceitaram-se de braços abertos a concorrência no mercado único e as “políticas comuns” na agricultura, nas pescas, na indústria e condicionou-se a produção nacional.
O País amarrou-se ao Euro, perdeu soberania monetária e, pelo menos e até ver, ganhou 20 anos de estagnação económica.
Desde que Portugal aderiu à moeda única, reduziu o seu ritmo de crescimento a cerca de um quarto.
Podem dizer-nos que os ritmos de crescimento abrandaram geralmente em todo o lado, não apenas no nosso País.
Isso até pode ser verdade, mas também é verdade e factual é que antes da adesão ao Euro Portugal crescia mais do que a União Europeia e o mundo.
Depois da adesão, cresce anualmente, em média, bastante menos que a UE e muito menos que o mundo.
Podem dizer-nos que estas dificuldades também se expressaram em outros países da UE e da Zona Euro.
É verdade, convém todavia notar, em primeiro lugar, que sete dos actuais Estados-Membros da UE não estão no Euro e dispõem de moeda própria e na sua maioria não estão porque não querem.
Em segundo lugar, são numerosos os factores que poderão determinar, e determinam, diferentes impactos na inserção na moeda única.
A localização geográfica, a proximidade a mercados, o perfil de especialização da respectiva economia, a qualificação da força de trabalho, entre outros.
Vivemos o mito que os critérios de Maastricht e sucedâneos, a disciplina orçamental, as “contas certas”, a asfixia do investimento público, o ataque aos serviços públicos e ao Estado em geral, seriam tudo sacrifícios a fazer mas largamente compensados com um generoso afluxo de investimentos privados que modernizariam a economia.
O que aconteceu e acontece nada tem que ver com este mito.
A realidade impõe-se e aí está. Debilitação da produção nacional, desincentivo à modernização da economia, substituição de produções nacionais por importações, reduzida qualificação da força de trabalho e promoção do seu baixo preço como critério de atracção de investimentos.
Perigosa dependência externa, nomeadamente na soberania alimentar e energética e na produção de bens e equipamentos.
Quando ouvimos vozes clamar por mais reformas, já sabemos que estamos mais uma vez perante a vontade do grande capital de pôr as mãos no que falta de empresas e sectores estratégicos, com novas privatizações, concessões e parcerias público-privadas que estão na calha.
Há quem diga que a recusa deste rumo é uma visão ideológica da sociedade. É, mas é tão ideológica quanto aquela que defendem PS e os partidos à sua direita, com uma diferença, é que esta visão não parte dos interesses do grande capital mas sim dos interesses dos trabalhadores e de outras camadas da população.
Uma visão, opção e práticas ideologicamente diferentes das neoliberais em vigor, independentemente de quem está no turno da governação.
O País precisa de romper com este rumo, precisa de uma alternativa e não de alternância, precisa de soluções.
Precisa de um forte investimento público, nunca abaixo dos 5% do PIB, um investimento orientado para a modernização e diversificação do aparelho produtivo, para a construção de equipamentos e infra-estruturas, para a promoção do desenvolvimento nacional e com efeitos na dinamização do investimento privado.
Um investimento público como resposta às necessidades de transportes, com prioridade à ferrovia, equipamentos públicos como creches e lares, mas também habitação pública, sistema científico nacional, estruturas de apoio à produção nacional.
Necessidades de presente e de futuro que reduzam o endividamento externo, não pela compressão da despesa pública e empobrecimento do País, como se tem verificado, mas pela via do crescimento económico que a política de direita não permite.
Dentro dos condicionamentos do Mercado Único e do Euro, aspectos que contestamos, é possível explorar margens de manobra existentes e que são desaproveitadas pelo Governo PS.
É preciso aproveitar essas margens, mesmo que limitadas, para intervir na revisão da dita “governação económica da UE”, na defesa firme da produção nacional, na agricultura, na indústria e nas pescas.
É preciso aproveitar os recursos endógenos e reclamar e adoptar cláusulas necessárias de salvaguarda e excepções que com frequência vemos serem reivindicadas, aceites e concretizadas por outros países.
A valorização dos salários não é só um objectivo socialmente justo, como é condição de desenvolvimento do País.
É este o caminho que se impõe, melhorar as condições de vida de quem trabalha e promover uma mais justa distribuição da riqueza.
Mas também é uma condição para fixar e atrair profissionais e dinamizar o mercado interno do qual dependem milhares de micro, pequenas e médias empresas.
A valorização geral dos salários é hoje uma emergência nacional. Uma emergência que tem de ter resposta, desde logo pela elevação imediata do Salário Mínimo Nacional para 850 euros, o aumento do salário médio, a recuperação do poder de compra perdido na Administração Pública e a dinamização da contratação colectiva, o que implica a revogação de normas gravosas da legislação laboral.
Não confundimos interesse nacional com a remuneração dos accionistas ou dos conselhos de administração.
Precisamos não só de interromper o caminho em curso de privatizações e liberalizações, como avançar com a recuperação do controlo público de empresas e sectores estratégicos.
A actual situação revela a falta que faz ter nas mãos do Estado estes meios e recursos.
É também por isso que é imperativo dar combate à privatização da TAP, liquidando aquela que é a principal empresa exportadora do País.
É imperativo combater a lei da selva que domina o funcionamento dos chamados mercados do qual só beneficiam os grupos económicos.
Vejam-se os resultados da liberalização dos sectores da energia, telecomunicações e outros sectores, como é o caso da habitação.
Este caminho não teve nenhuma tradução, bem pelo contrário, nem na descida dos preços nem na melhoria da qualidade ou acesso a bens e serviços.
Se há razões em geral para defender a regulação dos mercados, por via da regulação de preços e da intervenção de empresas públicas, no momento actual com o brutal aumento dos preços, esse objectivo é indispensável.
Uma batalha e um objectivo que há muito o PCP trava.
Na acção politica, na sua intervenção mas também com propostas concretas, como são as medidas de fixação de preços.
Medidas e propostas que PS, PSD, Chega e IL, todos e em unidade recusaram.
O brutal aumento do custo de vida, quer nos custos com habitação quer nos aumentos dos bens essenciais, as dificuldades que criam a cada um de nós e à larga maioria da população, obrigam a medidas e opções políticas que travem a especulação em curso e ataquem de frente a raiz do problema.
É preciso travar a especulação, é preciso acabar com a profunda injustiça em que vivemos, em que a maioria é empurrada para o empobrecimento e um punhado se vai enchendo de lucros como há muito não se via.
O PCP agendou já para a próxima quinta-feira um debate de urgência na Assembleia da República sobre estas matérias.
Um debate onde confrontaremos o Governo com as soluções necessárias para travar a especulação dos preços de bens essenciais, como os bens alimentares.
Não desistimos desta justa e necessária medida que fará a diferença para a larga maioria da população.
Precisamos de defender, valorizar e, em alguns casos, como é o da saúde, salvar os serviços públicos.
A saúde, educação e segurança social não podem estar reféns das imposições do Euro e de Bruxelas, nem à mercê dos interesses dos grandes negócios que estão a crescer na saúde ou na educação por conta do desinvestimento que tem existido e da transferência de recursos públicos para os grupos económicos.
É necessário contratar dezenas de milhar de trabalhadores, valorizar as suas carreiras e profissões, trabalhadores que fazem falta em praticamente todos os sectores, respondendo às necessidades da população.
Para responder às necessidades que se colocam são precisos meios. Parte desses meios decorrem de receitas fiscais, indispensáveis à resposta das necessidades colectivas e para uma mais justa distribuição da riqueza.
Há quem se empenhe na campanha geral contra os impostos. É de facto necessária uma outra política fiscal, mas não a que alguns pretendem, estes o que querem é aprofundar as injustiças fiscais, colocando o capital a pagar ainda menos impostos do que paga hoje.
O que temos assistido, nos últimos anos, é ao aumento do peso na receita fiscal da tributação dos rendimentos do trabalho e do consumo, ao mesmo tempo que a receita de IRC tem vindo a reduzir o seu peso relativo.
O grande capital utiliza, por um lado, expedientes que apenas estão ao seu dispor, para não pagar impostos, como é o caso do reporte de prejuízos fiscais, ou mesmo as contas off-shore; e por outro procura todas as possibilidades directas e indirectas para sacar o máximo possível de recursos públicos. É este o caminho em curso com o PRR e outros fundos comunitários, mas também através das subvenções públicas, com números vindos recentemente a público.
O BCE decreta aumentos e os bancos fazem mais um belo negócio. Mais um de entre muitos, como aquele que faz com que o Estado, desde 2008, tenha transferido para a banca privada mais de 16 mil milhões de euros.
Se quisermos pôr as coisas noutros termos, o Estado transferiu para a banca privada o mesmo que um PRR inteiro, ou seja, transferiu uma bazuca inteira para a banca.
Assim a banca privada lá vai aumentando astronomicamente os seus lucros, à custa das necessidades e dos sacrifícios do povo.
Assim se faz com que os quatro maiores bancos privados tivessem tido de lucros, em 2022, em conjunto, 4,6 milhões por dia.
O País precisa de uma política de desenvolvimento que preserve e tenha como ponto de partida a sua soberania.
Um caminho que exige também a recuperação cuidada mas necessária de instrumentos como a soberania monetária e orçamental.
Este rumo, esta necessidade não significa um País mais fechado, antes pelo contrário.
Fechado é um País que afunila as relações externas com as principais potências da UE e delas se torna dependente.
Fechado é um País que opta por não ampliar e diversificar essas mesmas relações e não promove uma política de cooperação mutuamente vantajosa em diferentes latitudes.
O caminho que propomos para o País colide e colide de frente com a deriva cada vez mais neoliberal que nos estão a querer impor.
As sucessivas mistificações que vão sendo fabricadas – como algumas que aqui ouvimos hoje – e que nos entram pela casa todos os dias, visam facilitar a aceitação da política de direita.
O discurso contra o Estado e contra tudo quanto é público, a demagogia contra os impostos em abstracto, a promoção das supostas virtudes do mercado e da gestão privada para conduzir a mais privatizações, eis o rolo compressor do pensamento único que nos quer convencer que não há alternativa.
Mas a alternativa existe, mas é que existe mesmo, e está a ser construída em torno das soluções e caminhos que melhor servem os interesses dos trabalhadores e do Povo.
Uma alternativa que tem uma dimensão patriótica de defesa dos interesses nacionais e um compromisso de esquerda, com os direitos, os salários, os serviços públicos, a justiça social, a paz e a democracia.
Valores caros aos comunistas, mas também a muitos outros democratas e patriotas.
O País não é pobre, o País tem sido, isso sim, empobrecido.
O País tem recursos, meios e potencialidades, tem acima de tudo forças, tem vontades e disponibilidades, tem gente determinada e capaz de construir essa alternativa cada vez mais necessária e pôr o País e a vida de quem cá vive e trabalha, a andar para a frente.