Intervenção de Catarina Morais, Economista, Sessão Pública «Do pelotão da frente à cauda da Europa: Mitos e realidades - Soluções para um Portugal com futuro»

Rendimento, emprego e salários

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Contrariamente às ideias que nos venderam nos anos 80 e 90 do século passado sobre o “pelotão da frente” da Comunidade Europeia, a convergência dos salários e a coesão económica e social, Portugal está cada vez mais longe dessa realidade, tendo havido antes um agravamento progressivo e contínuo da situação, quer em termos absolutos quer relativos, posicionando-se o país agora atrás de outros que anteriormente apresentavam indicadores mais baixos em várias dimensões.

Entre 2000 e 2022 o PIB per capita desceu de 85% da média dos países que integram a actual União Europeia a 27 para 78%, descendo do 15º para o 19º lugar e sendo já ultrapassado por 4 dos países do leste da Europa que hoje estão na União Europeia, os quais viram a distância face à média diminuir.

No mesmo período o peso ajustado dos salários no PIB caiu 7 pontos percentuais, descendo da 5ª para a 13ª posição, num quadro em que a maioria dos países da União Europeia também viu o capital reforçar o seu peso na repartição da riqueza produzida anualmente.

Estamos no pelotão da Europa sim, mas no que diz respeito à pobreza, ocupando o 10º lugar para o conjunto da população e o 6º quanto à pobreza laboral, com um cada dez trabalhadores pobres, à frente de quase todos os países do leste da Europa e da Irlanda.

A pobreza aumentou entre 2019 e 2021 entre o conjunto da população. Cresceu também entre os trabalhadores empregados (de 9,6% para 10,3%) e entre os desempregados (de 41% para 43%). Os 10% mais ricos passaram a ganhar 8,5 vezes o que ganham os 10% mais pobres.

São vários as políticas e os factores que conduziram a esta situação, desde logo a adesão à moeda única, o modelo produtivo assente na precariedade laboral e nos baixos salários, o insuficiente investimento público e privado, a insuficiente aposta na educação e no aumento das qualificações, o aumento da exploração do trabalhadores, o ataque aos direitos laborais e sociais.

No que diz respeito ao trabalho, os salários reais são hoje pouco superiores face ao início do milénio, consequência das políticas de empobrecimento do Governo PSD/CDS na altura da Troica e do enorme aumento de custo de vida em 2022, aumento esse que motivou uma perda real dos salários de 4,5% face a 2021. Também aqui fomos ultrapassados pela maioria dos países do leste da Europa, que cresceram significativamente ao longo deste período.

Os trabalhadores portugueses estão no pelotão da frente dos baixos salários da União Europeia. Nos ganhos medianos por hora trabalhada na indústria, construção e serviços apenas a Bulgária nos ultrapassa, tendo havido uma degradação face a 2006, quando tínhamos os 10ºs salários mais baixos. Os ganhos por hora cresceram apenas 4% em termos nominais entre 2006 e 2018 - menos que a esmagadora maioria dos outros países -, e desceram para 46% da média da UE em 2018, último ano para o qual temos dados. 

A mesma conclusão se retira quanto ao salário mínimo nacional, onde Portugal ocupa a 13ª posição entre os 22 países onde há salário mínimo, tendo descido de posição relativa face a 2000 (era o 10º em 19 países) e sendo ultrapassado por alguns países do leste da Europa. Dados do Eurostat mostram que Portugal é um dos países que menos aumentou o salário mínimo tanto em 2023, como nos últimos anos. 

Em 2023 o aumento nominal foi de 7,8% no nosso país face a 12,7% na média dos países da UE com salário mínimo, sendo Portugal o sétimo país com o mais baixo aumento do salário mínimo face ao ano anterior. 

O mesmo acontece quando se compara com 2015. O nosso país foi o nono país da UE com mais baixo aumento desde 2015 (40%), sendo de 58% na média do conjunto dos países e entre 45% na Eslováquia e 179% na Roménia.

Cresce o número de trabalhadores a receber o salário mínimo em Portugal, abrangendo já um quarto do total, e o seu valor está cada vez mais próximo mediana dos ganhos mensais (74% em 2023 face a 53% em 2009), uma vez que o salário médio não tem acompanhado os aumentos - ainda que insuficientes – do salário mínimo nacional. 

Não surpreende assim que 52% dos trabalhadores em Portugal recebam no máximo até 800 euros brutos e 69% até 1000 euros brutos.

O agravamento do modelo dos baixos salários em Portugal fez-se através do enfraquecimento da legislação laboral e mais especificamente com o Código de Trabalho de 2003 que, com as suas normas gravosas, teve consequências muito negativas nos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, reflectindo-se os ataques à contratação colectiva também na redução do número de trabalhadores com aumentos ou actualizações salariais: em 2022 somente 675,5 mil trabalhadores foram abrangidos por alterações salariais (23% do total), o que compara com 1 milhão e 700 mil em 2008 (59% do total). 

Também na precariedade o nosso pelotão é o da frente: somos o 3º país com mais precariedade (17% no 4º trimestre de 2022), apenas atrás da Holanda e da Espanha. Mais de ¾ do emprego criado em 2022 era precário.

O mesmo se diga relativamente ao tempo de trabalho: Portugal é um dos países da União Europeia onde se trabalha habitualmente mais horas por semana a tempo completo, apenas atrás da Grécia, Áustria e Suécia: são 41 horas semanais, em média, para os trabalhadores por conta de outrem do conjunto dos sectores. Mas na Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca o tempo de trabalho habitual chega às 43 horas. 

Portugal é também um dos países da UE onde uma maior percentagem de assalariados trabalha habitualmente 49 horas ou mais por semana no seu emprego principal (7,3%, o que corresponde a mais de 350 mil trabalhadores), acima da média da UE de 3,9% e apenas atrás do Chipre (8,9%).

Perto de 1 milhão e 800 mil trabalhadores por conta de outrem trabalham por turnos, à noite, sábados, domingos ou numa combinação destes tipos de horários, correspondendo a 44% dos trabalhadores, dificultando o direito à organização da vida privada e a conciliação entre a vida profissional e familiar, uma realidade que cresceu significativamente, nomeadamente entre as mulheres trabalhadoras. 

Portugal está confrontado há décadas com opções políticas de sucessivos governos da política de direita que têm como consequência o definhamento económico, laboral, social e demográfico e com ataques cada vez mais profundos aos direitos laborais e sociais, que mais não visam do que o reforço do grande capital e o aumento dos lucros, mesmo à custa da miséria da maioria da população e de remeter o país para a cauda da Europa.

Só a luta organizada dos trabalhadores e das camadas populares poderá forçar à adopção de uma outra política que desenvolva o país, uma política soberana para um Portugal com futuro.

 

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