Intervenção de Filipe Malva, 2.º Encontro Nacional do PCP sobre Cultura

O Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura: falsas soluções não resolvem problemas

Camaradas e amigos,  

Na quinta-feira ficou confirmado pela boca do ministro da Cultura o que o PCP  vem dizendo há muito: não há qualquer intenção de combater a precariedade  dos trabalhadores com este estatuto do profissional da cultura. Segundo o  ministro a precariedade é aceitável e até desejável, ‘na medida certa’. Ora, a  balança do PS, como a de PSD e CDS, é sabido que desequilibra sempre para o  lado do patronato. A medida certa para eles parece ser a do trabalhador sem  protecção social, sem habitação digna, com dívidas por pagar. Afinal, os  trabalhadores da cultura só precisam de viver 4 meses ao ano. Durante os outros  suspende-se o seu contrato e suspende-se a sua respiração.  

Estas declarações são graves por muitas razões mas revelam o que já era óbvio  para nós há muito tempo: para o governo a cultura é uma actividade acessória  na sociedade que insistem em construir, e os seus trabalhadores devem assumir  o risco de trabalharem neste sector. Quem sobreviver é concerteza o melhor  artista, o melhor técnico. Esta política da lei do mais forte, ou antes, do mais rico,  mata a diversidade e a emancipação que, como também sabemos, são perigosas  para a construção de um sector bem comportado e submisso.  

Este novo estatuto é apenas um prolongamento de anteriores peças legais que  têm vindo a isolar cada sector nas suas próprias especificidades, tentando  impedir a solidariedade na luta de todos os trabalhadores. Para o PCP como para  as organizações sindicais que representam a cultura, este estatuto vem mascarar  alterações danosas já feitas à lei do trabalho e propor novas alterações usando 

este sector para testar inovadoras formas de precariedade, como a tão falada  intermitência, que poderão vir a ser aplicadas transversalmente mais tarde.  

Vejamos então o que propões este estatuto:  

Em 2021, forçado pela intensa luta dos trabalhadores e pela centralidade que ela  deu à precariedade das relações laborais no sector que, com a epidemia da  Covid19, era já impossível mascarar, o Governo apresentou uma proposta de  Estatuto do Profissional da Cultura. A proposta conheceu, desde logo, um amplo  conjunto de críticas dos trabalhadores, dos sindicatos e das associações, que  consideraram que o documento não responde aos problemas principais que  estão colocados aos trabalhadores das artes e da Cultura.  

Conforme o PCP foi denunciando em múltiplas ocasiões, este Estatuto comporta  uma visão estrutural em que a precariedade é mantida, normalizada e, em alguns  casos, até aprofundada;  

 1. em que continua a ser mais vantajoso para quem contrata recorrer a  recibos verdes;  

 2. em que a presunção de existência de contrato de trabalho está longe de  conhecer um verdadeiro reforço;  

 3. em que o equilíbrio da Segurança Social pode ser comprometido por  via da constituição de um fundo autónomo só para estes trabalhadores que não  tem garantias de auto-sustentabilidade em virtude dos baixos salários;   4. e em que são incluídas normas ainda mais gravosas do que as que  existem no Código do Trabalho, nomeadamente da lei 4/2008.  

Num sector em que a maioria dos trabalhadores aufere baixos salários e 

honorários, a resposta efectiva aos trabalhadores que mais necessitam de apoio  social é extremamente limitada, prevendo o subsídio por suspensão da  actividade cultural, montantes muito baixos e a possibilidade de ser usado, na  prática, apenas uma vez por ano.  

Quando a tudo isto se adiciona o subfinanciamento crónico de uma grande  parte das companhias e estruturas de criação artística que prestam serviço  público e as enormes limitações da Autoridade para as Condições do Trabalho  na fiscalização e intervenção junto dos locais de trabalho, facilmente se constata  que estão reunidos todos os ingredientes para que a precariedade estrutural nas  artes e na Cultura não seja alterada.  

A aplicação do Estatuto durante os próximos dois anos prevê um aumento da  contratação no sector. Para que este caminho se faça terá de existir um reforço  dos valores atribuídos e não podemos continuar a aceitar as práticas habituais do  ministério da Cultura de cativações de dinheiro já atribuído em concurso às  estruturas de criação. Não podemos aceitar que estes trabalhadores recebam  salário mês sim mês não ao sabor da ginástica estatística e orçamental de um  Governo que diz aumentar o orçamento para a cultura mas guarda o  financiamento na ponta de uma guita de elástico, a recolher quando dá jeito.  

A estabilidade das suas vidas e da sua actividade é essencial para um sector  saudável e diverso, emancipador. E para uma proposta consistente de um  serviço público de cultura é preciso mobilizar estes trabalhadores para a luta em  cada espaço, em cada companhia, em cada local de trabalho.  

Este processo, de discussão e de luta por legislação e protecção social que  originou o estatuto, mesmo tendo sido iniciada com um propósito de isolar os  trabalhadores deste sector, teve no entanto como consequência, a par de outras 

lutas em locais de trabalho e na rua, o desenvolvimento da sua consciência  política. Sabemos que somos agora, artistas e técnicos da cultura, trabalhadores.  Quebrou-se, em parte, o encantamento de nos acharmos fora da norma. A  realidade da falta de trabalho durante a pandemia aliada à possibilidade de  resolução e intervenção inscrita nas acções de um sindicato de classe e do nosso  partido, permitiu deslindar simultaneamente um caminho e uma luta. Que sendo  nossa, é também dos outros trabalhadores.  

Existem, claro, questões específicas do sector. A variedade imensa das profissões  e das artes onde estes trabalhadores se movem é um desafio constante às  habituais e bem oleadas práticas sindicais, exigindo imaginação e perseverança  por parte dos nossos dirigentes. Existem actividades individuais, colectivas e  ocasionalmente colectivas. Existe um vai-vem entre locais de trabalho que  dificulta o esclarecimento, e existem locais de trabalho sem geografia própria,  alguns estatais, outros autárquicos, outros privados. Existem muitos que sendo  trabalhadores se encontram, face ao Estado, como responsáveis pela  sobrevivência de um grupo de gente. E temos de chegar a todos.  

Mas o estatuto, apesar da sua aprovação, não é o fim. Às leis em que tudo se  mexe para que tudo fique na mesma contrapõe-se a unidade e a organização  dos trabalhadores, pela estabilidade laboral e por melhores salários. Às normas  que promovem ou alimentam a precariedade a resposta terá de ser continuar e  alargar a luta.  

Vivam os trabalhadores da cultura!  

Viva o PCP!

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