Camaradas e amigos,
Na quinta-feira ficou confirmado pela boca do ministro da Cultura o que o PCP vem dizendo há muito: não há qualquer intenção de combater a precariedade dos trabalhadores com este estatuto do profissional da cultura. Segundo o ministro a precariedade é aceitável e até desejável, ‘na medida certa’. Ora, a balança do PS, como a de PSD e CDS, é sabido que desequilibra sempre para o lado do patronato. A medida certa para eles parece ser a do trabalhador sem protecção social, sem habitação digna, com dívidas por pagar. Afinal, os trabalhadores da cultura só precisam de viver 4 meses ao ano. Durante os outros suspende-se o seu contrato e suspende-se a sua respiração.
Estas declarações são graves por muitas razões mas revelam o que já era óbvio para nós há muito tempo: para o governo a cultura é uma actividade acessória na sociedade que insistem em construir, e os seus trabalhadores devem assumir o risco de trabalharem neste sector. Quem sobreviver é concerteza o melhor artista, o melhor técnico. Esta política da lei do mais forte, ou antes, do mais rico, mata a diversidade e a emancipação que, como também sabemos, são perigosas para a construção de um sector bem comportado e submisso.
Este novo estatuto é apenas um prolongamento de anteriores peças legais que têm vindo a isolar cada sector nas suas próprias especificidades, tentando impedir a solidariedade na luta de todos os trabalhadores. Para o PCP como para as organizações sindicais que representam a cultura, este estatuto vem mascarar alterações danosas já feitas à lei do trabalho e propor novas alterações usando
este sector para testar inovadoras formas de precariedade, como a tão falada intermitência, que poderão vir a ser aplicadas transversalmente mais tarde.
Vejamos então o que propões este estatuto:
Em 2021, forçado pela intensa luta dos trabalhadores e pela centralidade que ela deu à precariedade das relações laborais no sector que, com a epidemia da Covid19, era já impossível mascarar, o Governo apresentou uma proposta de Estatuto do Profissional da Cultura. A proposta conheceu, desde logo, um amplo conjunto de críticas dos trabalhadores, dos sindicatos e das associações, que consideraram que o documento não responde aos problemas principais que estão colocados aos trabalhadores das artes e da Cultura.
Conforme o PCP foi denunciando em múltiplas ocasiões, este Estatuto comporta uma visão estrutural em que a precariedade é mantida, normalizada e, em alguns casos, até aprofundada;
1. em que continua a ser mais vantajoso para quem contrata recorrer a recibos verdes;
2. em que a presunção de existência de contrato de trabalho está longe de conhecer um verdadeiro reforço;
3. em que o equilíbrio da Segurança Social pode ser comprometido por via da constituição de um fundo autónomo só para estes trabalhadores que não tem garantias de auto-sustentabilidade em virtude dos baixos salários; 4. e em que são incluídas normas ainda mais gravosas do que as que existem no Código do Trabalho, nomeadamente da lei 4/2008.
Num sector em que a maioria dos trabalhadores aufere baixos salários e
honorários, a resposta efectiva aos trabalhadores que mais necessitam de apoio social é extremamente limitada, prevendo o subsídio por suspensão da actividade cultural, montantes muito baixos e a possibilidade de ser usado, na prática, apenas uma vez por ano.
Quando a tudo isto se adiciona o subfinanciamento crónico de uma grande parte das companhias e estruturas de criação artística que prestam serviço público e as enormes limitações da Autoridade para as Condições do Trabalho na fiscalização e intervenção junto dos locais de trabalho, facilmente se constata que estão reunidos todos os ingredientes para que a precariedade estrutural nas artes e na Cultura não seja alterada.
A aplicação do Estatuto durante os próximos dois anos prevê um aumento da contratação no sector. Para que este caminho se faça terá de existir um reforço dos valores atribuídos e não podemos continuar a aceitar as práticas habituais do ministério da Cultura de cativações de dinheiro já atribuído em concurso às estruturas de criação. Não podemos aceitar que estes trabalhadores recebam salário mês sim mês não ao sabor da ginástica estatística e orçamental de um Governo que diz aumentar o orçamento para a cultura mas guarda o financiamento na ponta de uma guita de elástico, a recolher quando dá jeito.
A estabilidade das suas vidas e da sua actividade é essencial para um sector saudável e diverso, emancipador. E para uma proposta consistente de um serviço público de cultura é preciso mobilizar estes trabalhadores para a luta em cada espaço, em cada companhia, em cada local de trabalho.
Este processo, de discussão e de luta por legislação e protecção social que originou o estatuto, mesmo tendo sido iniciada com um propósito de isolar os trabalhadores deste sector, teve no entanto como consequência, a par de outras
lutas em locais de trabalho e na rua, o desenvolvimento da sua consciência política. Sabemos que somos agora, artistas e técnicos da cultura, trabalhadores. Quebrou-se, em parte, o encantamento de nos acharmos fora da norma. A realidade da falta de trabalho durante a pandemia aliada à possibilidade de resolução e intervenção inscrita nas acções de um sindicato de classe e do nosso partido, permitiu deslindar simultaneamente um caminho e uma luta. Que sendo nossa, é também dos outros trabalhadores.
Existem, claro, questões específicas do sector. A variedade imensa das profissões e das artes onde estes trabalhadores se movem é um desafio constante às habituais e bem oleadas práticas sindicais, exigindo imaginação e perseverança por parte dos nossos dirigentes. Existem actividades individuais, colectivas e ocasionalmente colectivas. Existe um vai-vem entre locais de trabalho que dificulta o esclarecimento, e existem locais de trabalho sem geografia própria, alguns estatais, outros autárquicos, outros privados. Existem muitos que sendo trabalhadores se encontram, face ao Estado, como responsáveis pela sobrevivência de um grupo de gente. E temos de chegar a todos.
Mas o estatuto, apesar da sua aprovação, não é o fim. Às leis em que tudo se mexe para que tudo fique na mesma contrapõe-se a unidade e a organização dos trabalhadores, pela estabilidade laboral e por melhores salários. Às normas que promovem ou alimentam a precariedade a resposta terá de ser continuar e alargar a luta.
Vivam os trabalhadores da cultura!
Viva o PCP!