Intervenção de Cunha Lopes, Vice-Almirante, Encontro Nacional do PCP «Do papel e política do Estado aos meios necessários. Uma outra política de Protecção Civil»

A Orla Costeira e Socorro marítimo

A Orla Costeira e Socorro marítimo

Enquadramento

A costa litoral portuguesa tem cerca de 987 KM de comprimento ao longo da qual podemos encontrar locais de extenso areal, locais onde o areal é reduzido, zonas dunares, locais maioritariamente compostos por zonas rochosas e locais com elevadas arribas.

Esta extensa área costeira apresenta condições favoráveis à prática de inúmeras atividades quer de natureza comercial quer lúdica, como a pesca e diversas outras atividades marítimo-turísticas, recreativas, balneares e desportivas. Isto confere às zonas costeiras um elevado potencial produtivo tornando-as economicamente atrativas, mas ambientalmente muito sensíveis, assumindo desta forma uma importância estratégica relevante para o país em termos ambientais, económicos, culturais e recreativos.

Portugal concentra cerca de 60% da população na faixa costeira (0-25km). Se considerarmos a faixa 0-50 Km, o valor aumenta para quase 70% da população residente.

Esta intensa concentração demográfica e de atividades económicas, recreativas e desportivas, a ocupação desordenada do território e as construções em zonas protegidas, os fluxos turísticos sazonais, o desrespeito pela capacidade de carga dos locais de risco e outras intervenções humanas incorretas, criam alterações nos ecossistemas com forte impacto nas zonas habitadas, que potenciam a ocorrência de incidentes e mesmo cenários de catástrofe.

Também não se pode ignorar que o litoral português sente cada vez mais os efeitos das alterações climáticas com destaque para o aumento do nível do mar e o agravamento da erosão costeira, com elevada suscetibilidade a eventos extremos e a recorrente degradação ambiental. As populações estão expostas a riscos naturais, muitos dos quais de grande intensidade, nomeadamente, tempestades e agitação marítima cada vez mais intensas, que potenciam inundações, galgamentos, deslizamentos de terra e outras situações extremas, sem descorar a existência de zonas propensas a atividade sísmica exposta a terramotos e potenciais “tsunamis”.

Podemos assim concluir, que o tipo de riscos que afetam as zonas costeiras configuram situações graves ou catastróficas para as pessoas, o património e o meio ambiente.

A questão central que se coloca é saber como garantir a segurança e os modos de vida das populações que habitam nas zonas costeiras onde se concentra grande parte da riqueza nacional.

A proteção civil tem como finalidade prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram. (lei 27/2006).

Independentemente da responsabilidade de algumas entidades públicas, em particular da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), é no contexto da Proteção da Civil que se poderão encontrar muitas das respostas à questão central. Aquela entidade pública é responsável pela vigilância e monotorização da faixa costeira, identificando as zonas de risco e monitorizando a sua evolução, informação fundamental para a elaboração e aplicação dos planos de ação necessários a uma adequada prevenção, proteção e socorro. Mas os agentes de proteção civil e em particular os serviços de proteção civil locais são fundamentais nas três fases de gestão de incidentes ou desastres naturais – prevenção, resposta e recuperação – atuando na defesa das populações, dos bens e património, não só, através da aplicação de medidas práticas de resposta a incidentes e de mitigação de riscos, mas também na aplicação antecipada de medidas preventivas, e medidas de precaução e socorro.

A articulação entre todos os agentes de proteção civil em presença, embora com diferentes enquadramentos estatutários e dependências técnicas e funcionais próprias, exige uma coordenação robusta, com autoridade e capacidade para pôr todos os parceiros a trabalhar para o mesmo fim – num conceito alargado de unidade de esforço, que a nível operacional se deve materializar sob a forma de comando único.

Isto implica que todos os agentes de proteção civil se devem preparar, em permanência, para “organizar uma resposta bem-sucedida” a qualquer desastre ou catástrofe. E para isso é preciso que as entidades responsáveis pelo socorro e ajuda humanitária, a nível local, regional e nacional, disponham de um sistema que lhes permita “planear e coordenar melhor” o uso de todas as capacidades existentes nos diferentes agentes, o que passa por um “catálogo de capacidades”, permanentemente atualizado, com identificação das lacunas existentes.

Na prática, para otimizar o sistema de proteção civil é necessário ter uma estratégia estrutural que vise, em termos de organização, doutrina e procedimentos, a melhoria da estrutura de resposta existente. Decorrente da estratégia estrutural deve ser equacionada uma estratégia genética que vise identificar os meios necessários, em termos de pessoal e material, para superar ou mitigar os riscos identificados num processo de análise de riscos desenvolvido a nível local. Finalmente, uma estratégia operacional, que vise o emprego de todos os meios e equipamentos disponíveis ou a solicitar, sem descorar os aspetos de coordenação, preparação e treino, especialização e interoperabilidade entre todos os meios a ativar.

Um sistema destes permite detalhar as prioridades mais urgentes para as três fases do processo, identificar lacunas e avaliar o potencial das capacidades existentes.

Riscos e incidentes nas zonas costeiras

O risco está associado ao impacto ou danos esperados numa determinada zona costeira que os perigos, decorrentes da atividade humana (perigos antrópicos) ou relativos a fenómenos naturais, podem causar à sociedade.

Os principais riscos que afetam as zonas costeiras podem ser agrupados em “fenómenos naturais” e “perigos antrópicos”:

Fenómenos naturais

  • Erosão costeira – devido às fortes tempestades e intensa agitação marítima;
  • Inundações e galgamentos costeiros;
  • Cheias e inundações – no plano das bacias hidrográficas e das zonas ribeirinhas dos principais leitos fluviais;
  • Mobilidade da linha de costa
  • Instabilidade de arribas e falésias
  • Destruição de praias e sistemas dunares
  • A subida do nível do mar - devido à subida da temperatura da água do mar (alterações climáticas) com impacto na erosão e na segurança das infraestruturas costeiras
  • Forte agitação marítima
  • Ventos fortes (tempestades e ciclones)
  • Precipitação intensa
  • Fortes correntes e agueiros
  • Sismos com epicentro no mar
  • Tsunamis

Perigos Antrópicos – resultam da ação humana

  • Construção de infraestruturas – muitas vezes em zonas protegidas (dunas)
  • Ocupações desordenadas
  • Desrespeito pela capacidade de carga dos locais de risco
  • O aumento acentuado do turismo e do lazer
  • Alteração da qualidade da água – muitas vezes afetada por agentes poluentes como pesticidas / descargas de esgotos.
  • Poluição do mar por hidrocarbonetos.
  • Comportamentos de risco

Toda a costa litoral está exposta a estes riscos e perigos, embora existam, para cada região, fenómenos com maior probabilidade de ocorrência. Este aspeto é importante para o planeamento, quer da aquisição de meios e equipamentos, quer da formação, preparação e treino dos especialistas, quer das medidas de resposta incluindo as preventivas, de precaução e de socorro.

Numa breve abordagem aos riscos e perigos mais significativos, por forma a obter uma melhor perceção das suas causas e efeitos, importa referir o seguinte:

  • A erosão costeira pode causar incidentes graves, nomeadamente quedas das arribas junto às praias, constituindo sérios perigos para banhistas, veraneantes e pescadores apeados, e manifestar-se através do recuo da linha de costa, pondo em perigo de derrocada muitas das construções próximas do mar

Conforme podemos verificar a erosão costeira verifica-se praticamente ao longo de toda a costa portuguesa.

As causas da erosão costeira são múltiplas, de origem natural ou antrópica, destacando-se a força e a frequência das ondas do mar, a intensidade do vento e da corrente marítima, a diminuição do volume de sedimentos fornecidos ao litoral, o fluxo de detritos, a presença de obras de engenharia costeira pesada e a subida do nível médio do mar. O recuo da linha de costa é um tema atual, não só devido ao fenómeno da erosão, mas também à subida do nível médio das águas do mar por efeito da subida da temperatura associada às alterações climáticas (aquecimento dos oceanos e subsequente degelo dos grandes glaciares).

  • As inundações costeiras, causadas por galgamento das águas do mar ou transbordo de defesas (diques, pontões, molhes ou espigões) e barreiras naturais como as dunas, associado a fortes tempestades e chuvas intensas que provocam forte agitação marítima capaz de fazer galgar essas defesas e atingir as zonas populacionais junto ao litoral. Há ainda a registar a forte probabilidade da ocorrência de aluimentos, desabamentos e deslizamentos de terra, destruição de praias e sistemas dunares, desencadeados por precipitações intensas e prolongadas, sismos, temporais e ciclones no mar e ações antrópicas. Assim, o risco aumenta com a pressão antrópica e com a intensidade da ação energética exercida pelo mar sobre a costa terrestre adjacente.
  • Poluição das águas do mar – resulta em grande parte do transporte marítimo e fluvial, do despejo de resíduos no mar e nos rios, do uso de fertilizantes, pesticidas, herbicidas e outros agentes químicos usados na agricultura que alteram a qualidade da água do mar. As refinarias e os portos constituem riscos de poluição devido ao perigo de fugas no transporte de fluidos.
  • Inundação por tsunami – as grandes ondas oceânicas resultantes da ocorrência de sismos com epicentro no mar, invadem as áreas terrestres do litoral, destruindo rapidamente tudo o que encontram. Este fenómeno, apesar de baixa probabilidade de ocorrência na costa portuguesas (registado último tsunami em 1775), deve ser considerado para planeamento nas zonas identificadas como de risco sísmico.

Em suma, podemos afirmar que os riscos e perigos na orla costeira são amplos e estão em constante evolução e alteração devido, não só, à interação entre o mar e a zona terrestre, mas também, à interação entre o mar e a população. Isto exige, como já referido, uma vigilância constante e monotorização em tempo real, fundamental para mitigar o risco de ocorrência de incidentes graves, ou pelo menos, minimizar os danos que podem ser muito gravosos para as populações. A prevenção deve estar na primeira linha da ação das entidades responsáveis por garantir a segurança de todos os que utilizam o mar e a faixa costeira com fins recreativos ou profissionais. Neste contexto, a avaliação de riscos a nível local é fundamental, não só porque permite identificar vulnerabilidades e graus de perigosidade, mas acima de tudo, porque permite a “localização do risco”, a partir do qual se podem produzir “cartas de localização de risco” para cada um dos perigos identificados. Conforme adiante se abordará, esta avaliação do risco também é determinante para a identificação dos requisitos operacionais, a partir dos quais se devem identificar os meios materiais e humanos adequados à edificação de capacidades para emprego nas fases de intervenção e recuperação, com vista à mitigação e controlo de danos.

Mitigação e controlo de danos

A probabilidade de ocorrência de incidentes que põem em risco a segurança de pessoas e bens e o património na orla costeira portuguesa é elevada – registam-se com frequência acidentes com embarcações (encalhes / naufrágios), afogamentos, quedas de pessoas de arribas ou falésias, fortes erosões, desabamentos, inundações costeiras e galgamentos, poluição com hidrocarbonetos, descargas ilegais de poluentes químicos, cheias e aluviões, etc, cujos danos podem e devem ser mitigados e/ou controlados, como já referido, através de medidas preventivas (antecipando os risco de acidente grave ou catástrofe) e medidas de precaução (diminuindo o risco de acidente grave ou catástrofe) , das quais destaco;

  • Os avisos antecipados das condições meteorológicas adversas - constituem um elemento fundamental para a mitigação de danos.
  • Divulgação/consciencialização dos riscos e perigos por parte das populações afetadas – necessárias campanhas de sensibilização
  • Identificação/prevenção dos riscos mais elevados a nível local
  • Registo e monotorização do histórico das ocorrências a nível local
  • Análise permanente das vulnerabilidades perante situações de risco
  • Inventariação dos recursos humanos e materiais disponíveis - a nível local, regional e nacional
  • Elaboração de um plano de respostas (plano de contingência/emergência) - a nível local, que vise a busca e salvamento, a prestação de socorro e assistência, a evacuação, o alojamento e abastecimento das populações afetadas.
  • Estabelecer zonas de interdição em torno dos perigos iminentes
  • Sinalizar os perigos com sinais de aviso e alertas de perigo
  • Intensificar a segurança balnear promovendo as praias vigiadas
  • Alargar o período da época balnear em função das condições climatéricas
  • Intensificar a vigilância balnear nas praias não vigiadas com meios auxiliares
  • Ações de estabilização das arribas e falésias
  • Ações de proteção física das zonas mais vulneráveis à ação energética do mar
  • Estabelecer um plano de comunicações entre todos os agentes envolvidos

Uma resposta eficaz a um incidente na orla costeira exige mecanismos de deteção e meios operacionais rápidos e eficazes que mitiguem os danos e evitem que o mesmo se alastre ou que gere outros incidentes, criando uma situação grave que obrigue ao emprego de um grande número de meios humanos e materiais.

Os meios operacionais a empregar podem ser terrestres, marítimos e aéreos, dependendo a sua utilização do tipo de incidente e do espaço onde ocorreu. Os meios aéreos, embora com tempos de ação limitados, deslocam-se mais rapidamente para o local do incidente e são os mais versáteis pois podem operar tanto no mar como em terra, e no caso dos helicópteros, têm capacidade de resgate de feridos ou acidentados nos dois ambientes. As aeronaves apresentando capacidade para prestar auxílio, fazer busca e salvamento, procurar sinistrados ou vítimas, tanto no mar como em terra, dotadas de câmaras e sensores que ajudam na deteção e na busca, são os meios operacionais que devem estar na primeira linha de ação, em caso de incidente/desastre costeiro. Em simultâneo, os meios marítimos e terrestres adequados devem entrar em ação, garantindo um empenho operacional permanente na resolução e/ou controlo de danos.

Atualmente, os veículos aéreos não tripulados (vulgares drones) também podem desempenhar um papel importante na vigilância da costa e mesmo na assistência a banhistas ou a vítimas de naufrágios, pois podem ter capacidade de busca e deteção e de transporte de materiais salva-vidas (boias de salvação). Equipados com câmaras de alta resolução integradas podem mapear um determinado local.

Em termos conceptuais, os especialistas em planeamento operacional sabem que existe um princípio básico a respeitar: “os meios humanos e materiais que devem existir para emprego operacional são aqueles que permitem edificar as capacidades necessárias para mitigar ou superar os riscos identificados”.

Esses meios materiais devem passar por um processo de avaliação da sua adequabilidade aos requisitos operacionais, estabelecidos a partir dum processo de análise de riscos. Este elemento de análise da adequabilidade dos meios é crítico para a eficácia na prossecução dos objetivos a alcançar.

Por exemplo, a aquisição do helicóptero “Koala” pela FAP, na minha opinião, atentas as suas especificidades e características técnicas e o tipo e natureza dos incidentes mais frequentes, obedeceu a esse princípio básico da adequabilidade na edificação de uma capacidade aérea de busca e salvamento marítimo, superando alguns aspetos críticos identificados nos “EH 101 Merlin”. Estes novos meios aéreos são mais ligeiros, tem custos de aquisição, manutenção e operação muito inferiores, são extremamente versáteis, capazes de operar em ambiente noturno com a utilização de óculos de visão noturna, e estão equipados com um trem de aterragem do tipo "patins", com capacidade de instalação de flutuadores para a missão de busca e salvamento sobre ambiente marítimo. Para esta missão em particular, estão ainda equipados com guincho e farol de busca.

Este princípio básico da adequabilidade deve aplicar-se a todos os meios operacionais, quer sejam terrestres, aéreos ou marítimos.

Busca e salvamento marítimo

No que se refere às ações de busca e salvamento relativas a acidentes ocorridos com navios ou embarcações, a entidade responsável é o Serviço de Busca e Salvamento Marítimo, integrado na Marinha, para o qual dispõe de centros de coordenação (MRCC), de unidades navais e meios aéreos de busca e salvamento e dos meios de salvamento das estações salva-vidas, para além de outros meios, designadamente, meios náuticos da Polícia Marítima (PM) e da GNR – UCC, bem como de outros navios e embarcações que as circunstâncias recomendem, nacionais ou estrangeiros. Neste âmbito, os capitães dos portos estão na primeira linha de atuação, na medida em que, na sua área de responsabilidade, imediatamente após um alerta de acidente ou perigo, devem assumir a coordenação das ações de busca e salvamento no local, empregando os meios de salvamento que estiverem à sua disposição, designadamente as embarcações salva-vidas do ISN e os meios da PM, mantendo esta responsabilidade até que seja assumida pelo MRCC, que, face às circunstâncias, determinará o emprego de outros meios, nomeadamente navais e aéreos. Além disso, os capitães dos portos são o elemento-chave para estabelecer a ligação entre todos os agentes de proteção civil no local com relevância na prestação de assistência, designadamente, os serviços de proteção civil municipais, o INEM, as corporações de bombeiros e as polícias. Isto requer a existência de um plano de coordenação bem estruturado, a nível local, com um bom sistema de comunicações e alerta, por forma a que a resposta seja rápida e eficaz.

Uma das maiores vulnerabilidades deste modelo prende-se com a escassez de meios atribuídos às estações salva-vidas, em particular de recursos humanos. Numa reflexão mais aprofundada, julgo que uma maior interação entre os vários agentes a nível local poderia abrir portas a soluções mais flexíveis que colmatassem as lacunas identificadas, nomeadamente com recurso ao voluntariado através ou em ligação com as corporações de bombeiros. Mas para isso é necessário que se procurem soluções abertas e abrangentes, que se alterem mentalidades, difíceis de concretizar nas organizações do ministério da defesa que se mostram quase sempre muito fechadas e herméticas, mesmo quando está em causa o interesse público, como é manifestamente o caso.

Segurança balnear

A importância do turismo para a economia nacional é hoje uma evidência inquestionável, representando em 2022, segundo o INE, 9,8% do PIB a que correspondem mais de 22 000 milhões de euros. Uma percentagem significativa desta receita (mais de 70%) advém das atividades relacionadas com o que vulgarmente se designa por “turismo de sol e mar”, ou seja, atividades ligadas à prática balnear (praias) e outras atividades de natureza recreativa (marítimo-turísticas) e desportivas náuticas como o surf. Daí a relevância da segurança balnear pois não há desenvolvimento económico sem segurança, isto é, não basta haver boas condições de tempo e alojamento para que a atratividade dos milhões de turistas que nos visitam se mantenha. É preciso garantir que todos os banhistas e veraneantes, nacionais ou estrangeiros, possam usufruir, em segurança, das nossas praias.

Uma nova legislação (lei 50/2018 complementada pelo decreto-lei 97/2018) veio revolucionar o quadro de competências no que concerne à gestão das praias marítimas, fluviais e lacustres, atribuindo aos municípios a exploração económica dos espaços balneares e a sua fiscalização, competências antes atribuídas a diversas entidades, nomeadamente, às capitanias e à Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Neste âmbito, os municípios, territorialmente competentes, são responsáveis pela limpeza dos espaços balneares e pela manutenção, conservação e reparação das infraestruturas e equipamentos aí existentes, bem como, pelos licenciamentos, autorizações e concessões de infraestruturas, equipamentos, apoios de praia e apoios balneares, fornecimento e bens serviços, e autorizações para a prática de atividades desportivas e recreativas. Além disso, compete ainda às autarquias assegurar a atividade de assistência a banhistas nos espaços balneares e instaurar e decidir os procedimentos contra-ordenacionais, bem como aplicar as coimas devidas.

Isto consubstancia, no que concerne à responsabilidade pela assistência a banhistas, uma rutura substancial no modelo até então em vigor, em que nas designadas “Zonas de Apoio Balnear” (ZAB), a prestação de serviços de apoio, vigilância e segurança aos utentes, era imposta por lei aos concessionários da praia, que garantiam assim o dispositivo de assistência a banhistas. Esta responsabilidade foi transferida para as autarquias, embora, a prestação destes serviços possam integrar o conjunto de obrigações a impor aos concessionários através do respetivo título de concessão. Ou seja, estas obrigações podem ser impostas nos respetivos contratos de utilização, mas a responsabilidade continua a residir na autarquia, responsabilizando, assim, os concessionários perante a autarquia, e esta perante os utentes da respetiva zona balnear.

Assim, esta questão da assistência a banhistas requer das autarquias uma atenção particular, na medida em que eventuais consequências negativas ou positivas, em termos de segurança balnear, têm reflexos na economia local e no turismo a nível nacional. Em particular, a responsabilidade de garantir a presença de nadadores-salvadores requer uma programação e planeamento atempado, por parte dos órgãos municipais que lideram o processo, envolvendo as Associações Locais de Nadadores-Salvadores e as Associações Humanitárias de Bombeiros enquanto organizações provedoras de nadadores-salvadores, e com as quais poderão ser efetuados os respetivos contratos.

Outros atores importantes são as Escolas de Formação de Nadadores-Salvadores Profissionais (EFNSP) certificadas pelo ISN, que são as entidades responsáveis por, anualmente, alimentar uma bolsa de nadadores-salvadores que garanta a disponibilidade de meios humanos para assegurar o “dispositivo” nas praias.

A nível de estratégia local de segurança balnear justifica-se a criação duma bolsa alargada de nadadores-salvadores, com recurso a um aumento da formação anual do número de nadadores-salvadores, contribuindo desta forma para uma maior cultura de segurança balnear. É preciso ter em conta que a atividade de nadador-salvador profissional é uma atividade sazonal, praticada em grande escala por jovens estudantes, muitos em fim de curso, e cuja disponibilidade para o seu exercício dependerá da sua situação a nível ocupacional. No entanto, estes jovens também são potenciais banhistas e nesse sentido, em eventuais situações de incidentes a que poderão assistir como banhistas, poderão contribuir para o socorro e salvamento de banhistas em perigo.

Outra forma das autarquias dinamizarem a formação dessa bolsa alargada seria fomentar, junto das Associações Humanitárias de Bombeiros existentes na sua área de jurisdição, a criação de escolas de formação de nadadores-salvadores (EFNSP), certificadas pelo ISN, garantindo nessas corporações um núcleo de nadadores-salvadores para reforçar a bolsa existente.

As necessidades, quer em termos de Nadadores-Salvadores (NS) quer em termos de materiais, equipamentos e sinaléticas que garantam o dispositivo, devem estar previstos nos Planos Integrados de Salvamento (PIS) e nos Planos Integrados de Assistência a Banhistas (PIAB) a implementar nas Unidades Balneares (UB) na área de jurisdição da autarquia. Estes planos deverão constituir o referencial mínimo para a bolsa local de nadadores-salvadores.

Para melhor se percecionar esta estratégia, importa refletir sobre os seguintes dados: o ano de 2022 foi aquele que mais mortes registou por afogamento em Portugal, nos últimos 18 anos, com 157 casos, segundo o relatório nacional do Observatório do Afogamento e em Outubro de 2023 as mortes por afogamento duplicaram em relação ao resto do ano: nove pessoas perderam a vida em apenas onze dias. Segundo a Autoridade Marítima Nacional, entre 1 de maio e 30 de setembro, perderam a vida nove pessoas por afogamento em praias portuguesas – apenas uma em praia vigiada. Foram realizados 730 salvamentos e 1.839 ações de primeiros socorros. Daqui se pode inferir a importância das praias vigiadas. Em 2022, no seguimento da pandemia verificou-se uma escassez de nadadores-salvadores e em 2023, fruto das excelentes condições climatéricas, a prática balnear alargou-se para além da tradicional época balnear, sem que a segurança estivesse garantida.

Por isso, a vigilância e assistência a banhistas nas praias não concessionadas ou em períodos em que se prevejam grandes afluências, fora da época balnear, em que não estão implementados os respetivos PIS ou PIAB, deve fazer parte da estratégia local de segurança balnear. Nesse sentido, importa equacionar e identificar os locais e períodos dentro do espaço de jurisdição da autarquia onde se preveja uma significativa afluência de banhistas versus perigosidade, por forma a permitir a elaboração de planos de assistência balnear de contingência que cubram esses períodos fora da época balnear e nas praias não vigiadas durante a época balnear.

AS autarquias devem ainda garantir junto dos órgãos locais da autoridade marítima a continuidade de projetos como o SEA WATCH que envolve a utilização de pick-ups Volkswagen Amarok na vigilância e patrulhamento dos espaços balneares.

Poluição Marítima

A poluição marítima é um fenómeno antrópico que resulta da introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias poluentes (hidrocarbonetos e outras substâncias químicas) no meio marinho, incluindo os rios, e em particular as zonas estuarinas, que provocam efeitos nocivos ao ambiente, tais como, danos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos para a saúde pública, alterações à qualidade da água, que afetam a utilização das zonas balneares e prejudicam as atividades económicas relacionadas com o mar.

Para intervenção em incidente de poluição por hidrocarbonetos são necessários dispositivos e equipamentos específicos que exigem pessoal especializado para a sua operação. Estes meios existem na Direção de Combate à Poluição da autoridade marítima e nos principais portos que detêm alguma capacidade de combate, em meios e pessoal especializado. Desses dispositivos as barreiras de proteção / contenção são fundamentais para conter as manchas de poluentes, impedindo que se espalhem e permitir a sua recolha.

No caso de incidente com matérias nocivas e perigosa (HNS – Hazard and Noxious Substances) lidar com este tipo de substâncias torna-se bastante complexo e requer a presença de peritos.

Portugal tem um plano aprovado desde 1993, designado “Mar Limpo” que estabelece as medidas de resposta no caso de incidente de poluição marítima.

Notas finais

A orla costeira está sujeita à ocorrência de incidentes graves ou desastres naturais que exigem medidas de resposta imediata. Para isso é necessário que exista, a nível local, um plano de contingência/emergência que estabeleça de forma clara as medidas de resposta a adotar (catálogo de medidas), onde devem constar todos os meios e capacidades disponíveis para a emergência e socorro, bem como, os mecanismos de ativação e as linhas de comando e controlo. Isto preconiza um sistema padronizado de interação e colaboração estreita entre todos os agentes de proteção civil com responsabilidades na área de operações, apoiado por um sistema de comunicações fiável e uma plataforma de partilha de informações.

O plano de contingência, para além, de um inventário exaustivo dos meios e equipamentos disponíveis (escavadoras, gruas, veículos, equipamentos de comunicações, bombas de água, geradores, embarcações, motas de água, etc), deve prever locais de abrigo de emergência, fontes alternativas de fornecimento de água, alimentos, medicamentos, assistência médica e locais para triagem de feridos e acidentados, meios para evacuação de emergência, e um hospital de campanha.

O aviso antecipado às populações, a formação, preparação e treino das equipas de intervenção, o conhecimento perfeito da área de operações, a evacuação de populações em risco, a execução de trabalhos de proteção temporária e a distribuição de materiais críticos, como sacos de areia, para mitigar os efeitos das fortes tempestades e inundações, são elementos críticos para uma resposta eficaz a incidentes graves ou desastres naturais na orla costeira. É evidente que a intervenção não se esgota com o fim da ocorrência, ela terá de continuar com ações de recuperação e reabilitação das áreas afetadas. No final deverá ser feita uma análise criteriosa dos acontecimentos por forma a extrair as lições aprendidas que servirão de base à elaboração de recomendações que visem melhorar o plano de contingência de forma a aumentar a eficácia da resposta.

  • Segurança das Populações
  • protecção cívil