A realização deste Seminário “ A Crise na União Europeia e a ofensiva contra os direitos, a liberdade e a democracia” assume uma inquestionável actualidade face ao aprofundamento da crise do capitalismo e às suas consequências nos planos político, social, cultural e a independência e soberania dos povos.
Saúdo todos os presentes que com os seus contributos enriqueceram a análise e a reflexão colectiva, apetrechando-nos para uma acção e intervenção mais qualificada, tendo presente a realidade existente em cada país.
Uma saudação particular para os camaradas de outros partidos aqui presentes, para manifestar a nossa profunda solidariedade para com as importantes lutas que em cada um dos seus países estão a travar.
Lutas que são o outro lado do embate de classes que se agudiza no continente europeu, o rosto da esperança e da confiança na força dos trabalhadores e dos povos e na sua luta. Ao fazê-lo, queremos igualmente reiterar-lhes a determinação do PCP em continuar a agir no seio do nosso Grupo no Parlamento Europeu defendendo e reafirmando a sua natureza e bases fundamentais: o seu valioso património de luta, de resistência e de proposta e o seu carácter de cooperação efectiva virada para a acção, dando voz no Parlamento Europeu às lutas dos trabalhadores e dos povos - os únicos a quem devemos prestação de contas e que nunca abandonaremos.
A Lei do desenvolvimento desigual do capitalismo expressa-se com particular vigor no quadro do aprofundamento da crise do sistema. Uma crise que na União Europeia veio mostrar com mais clareza a natureza e insanáveis contradições do processo de integração capitalista europeu e que é, por isso também, uma crise dos fundamentos e dos pilares económicos, políticos e ideológicos da União Europeia.
A profunda crise social e económica na União Europeia, a sobreposição do poder dos monopólios e do capital financeiro às instituições, o salto ultraliberal e federalista em desenvolvimento e o aprofundamento das contradições políticas e institucionais, são expressões do processo de concentração do poder político e económico, comprimindo e destruindo direitos sociais, laborais e democráticos.
Trata-se de um processo que tendo as suas especificidades próprias, acompanha a ofensiva mais geral do imperialismo de ajuste de contas com a luta dos trabalhadores e dos povos, tentando recuperar as parcelas de poder conquistadas ao capital pela sua luta ao longo século XX, onde se incluem os determinantes impulsos dados pelos processos progressistas, revolucionários e de construção de sociedades socialistas que o marcaram.
Uma ofensiva que usando de quase tudo, utiliza particularmente o enquadramento em estruturas de poder supranacionais (OMC, a NATO, o TPI, o FMI, etc) que esbulham Estados, os estrangulam e lhes roubam o direito a que decidam do seu próprio destino; intensificam a repressão e a criminalização da luta social; das actividades políticas e sindicais; a perseguição politica aos partidos comunistas e forças revolucionárias e progressistas; a generalização da ingerência e chantagem contra os povos e Estados; a militarização das questões de segurança interna e do controlo da vida dos cidadãos. Uma ofensiva que abre caminho ao recrudescimento da xenofobia, do racismo e a forças de natureza fascista. Uma ofensiva que acentua a manipulação, controlo e esvaziamento da ONU, num processo que violando a sua Carta, visa a perversão e destruição do direito internacional.
Uma ofensiva que no quadro da ofensiva ideológica faz o discurso dos menos gastos em despesas militares e da diminuição do número de militares, quando na realidade aumentam as despesas militares com novos sistemas armas e expandem a rede de bases militares pelo mundo.
A realidade está aí para confirmar que a NATO continua a afirmar-se e a reforçar-se como o mais importante espaço de concentração e articulação das diversas vertentes da ofensiva militarista e belicista do imperialismo.
Por isso o PCP defende como aspecto central, e como consta da Constituição da República portuguesa, que a luta pela dissolução da NATO é a que melhor serve o interesse nacional e o dos povos.
Por isso afirmamos igualmente o direito inalienável do povo português decidir do seu destino, em relação à permanência da União Europeia.
Com o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo aprofundam-se as rivalidades e contradições inter-imperialistas e desenvolvem-se perigosas tendências autoritárias e militaristas e ganha renovado vigor, actualidade e necessidade não só a luta pelo reforço dos partidos comunistas e de outras forças progressistas, da sua cooperação e solidariedade, bem como a intensificação da luta massas e da acção solidária dos comunistas e das forças progressistas amantes da paz.
Portugal é a prova de que 36 anos de política de direita, orientada pelos interesses do grande capital e subordinada à integração capitalista na União Europeia, resultam num estrondoso fracasso. Se a profunda crise social em alastramento é uma prova da impossibilidade de conciliação dos pilares da União Europeia com os direitos dos trabalhadores, o mesmo pode ser dito acerca da política seguida pelos sucessivos Governos do PS e do PSD, com ou sem CDS-PP, que transformaram Portugal num país mais dependente e democraticamente mais empobrecido.
A chamada «UE2020» intensificou a agenda e prioridades para impor uma nova etapa nos processos de privatização e liberalização de sectores fundamentais, nos serviços públicos, destruindo funções sociais do Estado, impondo o desmantelamento da administração pública, a destruição dos sistemas de ensino, saúde e segurança social. É esta agenda, sob a capa do programa da Troika estrangeira, que está em curso, atacando a segurança social, desmantelando o serviço nacional de saúde, enfraquecendo o sistema público de ensino, atirando milhares de professores para o desemprego e afastando do acesso ao ensino superior milhares de jovens, aniquilando apoios sociais e serviços públicos. No quadro da ofensiva ideológica, falam do «peso do Estado» mas nada dizem do peso dos monopólios e oligopólios na economia e das rendas que obtêm do Estado e, não só não falam como obscenamente os favorecem.
A “governação económica”, reforçada e complementada pelo rebaptizado “Pacto para o Euro”, são dois dos elementos centrais de uma dupla tenaz que visa esmagar os povos e as nações.
É hoje claro que a dita “governação económica” tem um objectivo central: uma mais estreita coordenação, e mesmo fusão, do poder económico com o poder político supra nacional que o serve. Mas não só na governação económica. Também assim é no caso da mal chamada flexibilização do “mecanismo de ajuda UE/FMI” aos Estados, que a pretexto da crise, visa confiscar, por um determinado preço, o que resta da capacidade de decisão nacional sobre os principais instrumentos de política económica e social.
Estamos em presença de uma poderosa ofensiva exploradora que é em si mesma uma poderosa ofensiva contra a democracia.
A evolução da política comum da justiça e assuntos internos acelera o rumo da comunitarização da justiça, a par das medidas de política que no plano nacional têm conduzido a uma justiça mais desigual, mais vulnerável ao poder politico, com uma mais forte visibilidade quanto à sua natureza de classe. Uma justiça que serve cada vez mais os poderosos e se vai afastando dos valores e projecto de Abril e daquilo que a Constituição da República consagra.
A Politica Comum de Segurança e Defesa acentua a centralização da chamada «politica de segurança» no directório das grandes potências, tendente à comunitarização da segurança e à criação de forças supranacionais, como seja o Eurosur e a agência Frontex, e que caminha a par, no plano nacional, com uma política de segurança que afasta cada vez as forças e serviços de segurança das populações, incrementa a segurança privada, a que se associam os escândalos que invadem os serviços de informações, bem como uma escandalosa partidarização deste importante sector.
A aplicação do Tratado de Lisboa em articulação com o Conceito Estratégico da NATO aprovado em 2010, traduz, não isento de contradições, o objectivo de um novo passo na militarização da União Europeia como pilar europeu da NATO e tem, no plano de Portugal, expressão no desenvolvimento crescente de esforços para a concretização do conceito de Segurança Nacional, não como um sistema em que diversos vectores concorrem para o bem-estar, desenvolvimento, paz, segurança e tranquilidade, mas antes para um sistema em que o objectivo é abrir para a participação das forças armadas em missões internas de policia em confronto com o consignado na Constituição da República Portuguesa, bem como para a crescente prevalência às missões externas ao serviço da NATO e dos desígnios do imperialismo norte- americano.
Tudo isto a par da comunitarização do espaço aéreo e marítimo, e com um ruinoso e criminoso programa de privatizações de empresas como sejam, entre outras, a TAP, a RTP, as Águas de Portugal, retirando ao Estado mecanismos fundamentais de afirmação de soberania, de ligação identitária com as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e de gestão dos seus recursos naturais.
Uma política que anda de mãos dadas com crescentes casos de corrupção, resultado do crescente domínio do poder político pelo poder económico.
Hoje está mais claro que a acção ideológica em torno da «coesão económica e social» que serviu de propaganda ao processo de integração na União Europeia é, na realidade, retrocesso social, mais dependência e mais desigualdade económica e social. Uma integração que tendo graves consequências para a vida nacional, não iliba, antes pelo contrário, os sucessivos governos pela sua política de submissão e capitulação nacional.
A vida mostra que o capital monopolista é fonte de bloqueio do desenvolvimento nacional nas suas diferentes vertentes – económica, política, social e cultural.
No recente discurso proferido pelo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, no Parlamento Europeu, foi defendida a criação de uma Federação de Estados. Entre as mudanças anunciadas, contam-se novos passos na integração económica e política, a alteração do estatuto dos partidos políticos europeus, com a alteração do método de eleição do Parlamento Europeu e do presidente da Comissão Europeia, estas, segundo Barroso, dispensando qualquer alteração ao Tratado. Trata-se de uma fuga para a frente que é, simultaneamente, mais um golpe institucional, dando reforçada expressão ao confronto crescente desta UE com os mais elementares princípios e valores democráticos, com a soberania dos povos.
A democracia portuguesa enfrenta hoje novos e mais inquietantes desafios. Portugal está hoje sujeito, na sequência de mais de três décadas de políticas de direita, a uma ofensiva contra os seus elementos mais avançados e progressistas, sustentada numa linha de continuado confronto e violação da Constituição da República. Uma ofensiva que atinge os interesses de todas as classes e camadas antimonopolistas.
O regime democrático saído da revolução de Abril, tinha como características fundamentais: amplas liberdades e direitos dos cidadãos; consagração das transformações revolucionárias das estruturas económicas e sociais.
Trinta e seis anos passados, num contexto marcado por aspectos contraditórios quanto à sua evolução, assiste-se a um permanente e crescente conflito entre a natureza e características do regime democrático consagrado constitucionalmente e a sua violação a partir dos principais órgãos de soberania; entre as características progressistas do regime democrático e as profundas alterações no sistema socioeconómico com o crescente domínio do capital monopolista. E, por outro lado, a uma democracia cada vez mais formal e à crescente expressão de traços autoritários e de limitação de direitos, liberdades e garantias ditados pelo grande capital.
Tendo presente isto, é contudo necessário ter presente que esta realidade é uma realidade em movimento, sujeita a um processo inacabado, que embora evoluindo num sentido negativo, não está definitivamente concluído.
Importa tornar claro que é a direita e os partidos da política de direita que violam sistematicamente a Constituição, e é o movimento operário e popular que actuam no quadro do regime e dos princípios constitucionais.
A Constituição da República existe, e embora pervertida e subvertida, contém não só elementos de contenção da ofensiva, como continua a consagrar princípios que pela mão de um governo patriótico e de esquerda podem retomar soluções de dimensão democrática e de progresso social. Um governo que efectue uma política assente nos interesses nacionais e não de submissão a interesses externos; que coloque como orientação política a afirmação de um desenvolvimento económico soberano, articulada com a necessária cooperação no plano europeu e internacional; que valorize o trabalho e os trabalhadores, retome o comando de sectores estratégicos, valorize e potencie a produção nacional, inverta o rumo destruidor no que respeita às funções sociais do Estado.
Como expressa o lema do XIX Congresso do PCP, que vai ter lugar, Democracia e Socialismo – Os valores de Abril no futuro de Portugal é a síntese da proposta que colocamos ao povo português como objectivo para o futuro de Portugal.
Valores que por mais tropelias que a ofensiva ideológica do capital desenvolva, têm raízes fundas nos trabalhadores e no povo português.
O mês de Agosto foi de inúmeras lutas promovidas pela CGTP-IN em empresas e sectores contra a interpretação e aplicação abusiva por parte do patronato de novas normas constantes do código do trabalho. Amanhã terá lugar uma grande manifestação nacional e preparam-se lutas dos professores, uma marcha contra o desemprego para o mês de Outubro, entre outras lutas contra esta desastrosa política. A política em curso e a maioria que a suporta estão cada vez mais isolados.
Os comunistas portugueses estiveram e estarão lá onde têm de estar, a par da preparação do nosso XIX Congresso e da já anunciada comemoração, que percorrerá o próximo ano, do centésimo aniversário do nascimento de Álvaro Cunhal.
E permitam que termine citando Álvaro Cunhal
“A luta libertadora dos trabalhadores e dos povos do mundo continua (…) ela constitui o sentido fundamental da época que vivemos. Somos um Partido que confia no ser humano e na capacidade do homem não apenas para transformar a natureza mas para transformar a vida social. (…) Mantendo essa ligação constante, firme, inabalável com a classe operária e as massas populares, poderá haver tempestades que nos abalem, mas não haverá tempestades que nos destruam”.