A consciência colectiva e as mentalidades estão indissociavelmente ligadas ao poder, à classe dominante e, claro está, à ideologia dominante. E falar de alteração de mentalidades implica falar de representações sociais.
Representações como as que promovem estereótipos de mulheres com determinados padrões de beleza, em que a cosmética e as dietas são o centro. Em que a emancipação da mulher se traduz numa como que abstracta emancipação sexual. A publicidade invariavelmente hipersexualiza e objectifica a mulher como mercadoria que vende mercadoria. O tratamento noticioso da violência sobre as mulheres é demasiadas vezes feito em tom desculpabilizador com o recurso a expressões como crime passional. No manto da aparente modernidade escondem-se conceitos retrógrados.
Falamos da representação das mulheres na comunicação social e na maioria do espaço público feita sob os padrões de valores da classe dominante: mulheres de sucesso, que o são por «mérito próprio», competentes patroas e/empreendedoras, que não rejeitam trabalhar fora de horas, aos fins de-semana, que «se comportam como os homens». As mulheres de sucesso são invariavelmente as mulheres de determinada classe social. Enquanto acordamos a ouvir os humores da especulação bolsista, as lutas e a realidade social de quem trabalha são silenciadas, desvalorizadas.
Revistas cor-de-rosa em que as mulheres ricas ou as mulheres de um homem famoso exibem roupas, festas, palacetes, e eventos de angariação de todo o tipo de assistencialismos. O jet set financeiro, especulativo, capitalista impresso em papel brilhante, onde Ricardos Salgados sempre tiveram palco. Elas vendem sonhos encantados às mulheres que acordam às 4h da manhã para limpar os escritórios onde se amassam as fortunas. O sonho da princesa que com o golpe de sorte saiu da miséria. Elas são a representação social de uma classe social.
Estas representações promovem uma realidade paralela, em que se deslaça a realidade material das mulheres para a sua necessária emancipação individual e colectiva, promovendo um atraso intencional nas consciências e mentalidades.
Diversas correntes auto-proclamadas de feministas, e que se intitulam como exclusivas defensoras dos direitos das mulheres, desenvolvem a sua intervenção por oposição aos homens, no combate ao sexismo ou exigindo estar nos conselhos de administração das empresas do PSI-20 para que a igualdade se alcance. É certo que o patriarcado resulta de sistemas políticos anteriores ao capitalismo, que criou relações de poder do homem sobre a mulher, que o próprio sistema alimenta e reproduz, o machismo e o sexismo são disso exemplo. E é certo que precisamos de libertar o homem dessa consciência, dessa prática social, porque a sociedade machista retarda a consciência de todos e enfraquece a sua luta comum. Mas transformar a exigência do fim das desigualdades numa mera disputa entre mulheres e homens, desagrega a luta que tem de ser comum. Porque as mulheres não são uma classe social. Os interesses de Margaret Tatcher, Paula Amorim, Lagarde e Merkel não são, nunca foram e não serão os mesmos que as mulheres que fazem as fábricas, os transportes, os serviços públicos funcionar.
Transformar as desigualdades numa mera disputa entre mulheres e homens, como se de grupos sociais em oposição se tratasse, significa negar as contradições de classe, esse sim o principal antagonismo, e ocultar que as mulheres da classe dominante aspiram à igualdade para exercer o poder com os homens da sua classe. Mas para as mulheres trabalhadoras exigir igualdade implica ir à raiz da exploração que atinge homens e mulheres.
Quando há desigualdade salarial, a responsabilidade não é do homem ao meu lado a picar o ponto: as mulheres têm salários mais baixos que os homens porque isso é exploração e acumulação, quando as mulheres são penalizadas nos prémios de assiduidade, ou por não fazerem trabalho fora de horas, porque são elas que maioritariamente acompanham filhos e os filhos doentes, isso é exploração, porque é mesmo preciso é elevar os salários-base para todos os trabalhadores e não chantagens de assiduidade, o que é preciso é limitar o trabalho por turnos e a desregulação de horários. Não é de creches abertas até à meia-noite que os trabalhadores precisam: elas e eles precisam é que o horário de trabalho seja reduzido para todos, é que se erradique a precariedade. E disto não nos falam as revistas.
A igualdade, como a participação e a intervenção das mulheres é indissociável das condições de vida concretas de homens e mulheres, e portanto delas depende a sua emancipação. Ela não decreta. Quotas e paridade não reduzem horários, não aumentam salários, não garantem a paz, o pão e a habitação de que as mulheres precisam para que a vida possa ser mais do que a luta diária pela sobrevivência.
Por isso dizemos que não há mudança de mentalidades sem mudança da estrutura material.
Mas também é verdade que não basta aguardar que o futuro aconteça para que haja mudança de mentalidades, porque a realidade socioeconómica transforma-se mais rapidamente que a velha consciência social. Se a discriminação das mulheres se opera essencialmente no campo objectivo, ela também se opera no plano subjectivo, nas consciências individuais. Mulheres com autonomia plena estão em melhores condições para superar parte desses obstáculos subjectivos. Não basta mudar a realidade material para alterar as relações humanas, para que surjam novos valores e referências culturais, novos comportamentos e relacionamentos. É preciso superar preconceitos e discriminações, criar as condições para que as relações sociais e familiares sejam baseadas na decisão livre, no amor e na solidariedade. A luta pela mudança de mentalidades e comportamentos quando ganha dimensão de massas transforma-se em força material poderosa, e pode mesmo acelerar o estabelecimento de novas relações sociais.
Para a igualdade na lei e na vida é preciso mudar estruturas sociais e mentalidades, esse é um dever dos progressistas e dos comunistas, homens e mulheres, sobre o qual não basta «tomar posição», mas intervir, organizar, transformar, na sociedade e também no nosso trabalho interno partidário. Porque a luta pela transformação do mundo exige um combate permanente e decidido contra atrasos na consciência do papel da mulher, contra práticas e ideias retrógradas.
A intervenção diária do nosso Partido é em si mesma promotora da mudança de mentalidades: porque assume como nenhuma outra força a importância das mulheres na participação política, cultura e social do nosso país, e desde logo nas suas fileiras; porque o PCP é detentor do único projecto de transformação social capaz de assegurar as condições objectivas e subjectivas para a igualdade entre mulheres e homens, libertos da exploração e da opressão, em que a acção colectiva e o valor do indivíduo serão componentes da felicidade humana.