Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República

Do que é que está à espera o PS para fazer «qualquer coisinha de esquerda»? 

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Senhor Presidente, Senhoras e senhores deputados,

Durante séculos, o negócio da banca era o seguinte: recebiam os depósitos dos clientes, pagando um juro baixo; e depois emprestavam esse dinheiro a quem precisava a uma taxa de juro mais alta. 

Ora, o que estamos a presenciar desde que o BCE aumentou as taxas de juro, é que agora a banca descobriu que pode ganhar dos dois lados: quem deposita, não recebe juros, e ainda tem de pagar comissões bancárias altíssimas; quem tem um crédito, vê as suas prestações aumentarem brutalmente. 

Eis o novo paradigma da banca, com a complacência do Governo e do Banco de Portugal: ganham dos dois lados.

É inaceitável que o Governador do Banco de Portugal Mário Centeno continue a dizer que “acredita que os bancos virão a refletir” os aumentos dos juros nos depósitos a prazo, quando o que está a acontecer, à vista de todos, é o contrário: os bancos refletiram logo o aumento de juros nos créditos à habitação e outros; mas não refletiram esses aumentos na remuneração dos depósitos a prazo, nem na redução das comissões bancárias, que em 2023 continuam a aumentar. 

Com o Ministério das Finanças a demitir-se da sua responsabilidade na tutela do sistema financeiro; com o PS e os partidos à sua direita a recusarem na Assembleia da República todas as iniciativas para pôr mão nisto; com o Banco de Portugal a comportar-se como um mero observatório de mercado, os bancos veem a oportunidade para aumentarem os seus lucros às custas dos consumidores e das dificuldades da maioria da população.

Veja-se como Portugal é afinal um país em que há quem viva muito bem

- Novo Banco, triplica os seus lucros – 430 milhões de euros, nos primeiros nove meses

- Santander, duplica os seus lucros, maior lucro de sempre! – 606 milhões de euros

- Millenium BCP, em Portugal faz 295 milhões de euros de lucro até Setembro – 63% acima do registado em 2021

Os cinco maiores bancos têm, só até Setembro, um lucro de 1.500 milhões.

Não podemos deixar de dizer: estes aumentos astronómicos dos lucros da banca registam-se num momento em que a grande maioria das empresas – as micro, pequenas e médias empresas – continuam a enfrentar enormes dificuldades; e em que muitas famílias, por causa dos aumentos de preços, dos custos com a habitação, e dos salários que não acompanham o custo de vida, continuam a viver cada vez pior. 

Senhor presidente, Senhoras e senhores deputados,

Adianta de pouco colocar os cidadãos a renegociar créditos com a banca, se não se der mais força negocial à parte mais fraca. Os banqueiros até gozam com estas iniciativas do Governo, sem pudor de dizer que quem recorrer a este mecanismo será marcado para futuro. 

Quando o PCP propõe, hoje, a possibilidade de, em caso de incumprimento, o cliente bancário poder converter o imóvel de habitação própria e permanente em arrendamento, mais tarde podendo vir a ser recuperado o crédito, é para dar força negocial aos consumidores – porque os bancos não querem ser senhorios.

Quando o PCP propõe, hoje, a dação em cumprimento, sem possibilidade de oposição do banco, é para dar força negocial aos consumidores – porque os bancos não querem ficar com os imóveis. 

Quando o PCP propõe, hoje, a possibilidade de uma moratória sem amortização de capital de 1 a 2 anos, fá-lo para dar força negocial aos consumidores – porque os bancos não querem ter créditos em moratória com as atuais regras.

É com medidas que dão força negocial aos consumidores que podemos promover que a banca deixe de gozar com as renegociações previstas na Lei, e negoceie redução dos spreads, das comissões, das taxas, a fim de conseguir que o cliente não recorra a nenhuma destas possibilidades que este Projeto de Lei do PCP prevê. 

Queremos ainda que os aumentos da taxa de juro de referência se façam refletir primeiro numa redução do conjunto de taxas, comissões e encargos acessórios dos contratos de habitação – e só depois nas prestações. Incluindo nas comissões já pagas, e que no início de um crédito se cifram em valores de 700 a 1.300 euros. 

Estas comissões – algumas delas sem qualquer serviço real associado – precisam de ser parcialmente devolvidas aos clientes bancários, para diluir os impactos do aumento dos juros. 

A situação social atual não se compadece com meias medidas. 

O profundo contraste entre as dificuldades da maioria, e os lucros record dos maiores bancos, exigem medidas que reponham algum equilíbrio na distribuição das consequências do aumento dos juros.

Para isso, é necessária coragem política para enfrentar os grandes interesses. 

Perguntamos ao PS: este profundo contraste não justifica uma ação mais musculada do governo e da legislação? Do que é que estão à espera? Que os lucros cheguem aos 2000 milhões? Que os incumprimentos comecem a encher as ruas de sem-abrigos? Do que é que estão à espera para fazer qualquer coisinha de esquerda

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