Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República, Reunião Plenária

Avançar na resposta aos problemas da habitação. Assim haja coragem política!

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Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

A sessão plenária de hoje da Assembleia da República foi convocada, por iniciativa do PCP, para discutir e votar as propostas para defender todos aqueles que enfrentam as consequências do aumento das taxas de juro e das prestações do crédito à habitação.

A situação é da maior gravidade e exige uma resposta concreta que vá de facto ao encontro dos anseios das pessoas, confrontadas com a ameaça de perderem as suas casas, depois de tanto sacrifício e investimento na habitação própria.

Ao longo dos meses e dos anos, o PCP tem vindo a chamar a atenção – e a apresentar propostas e soluções no plano legislativo – para os muitos e graves problemas que o país enfrenta, no que respeita à Habitação. Desde logo no arrendamento, com o aumento brutal das rendas e com esse flagelo que se abate sobre milhares e milhares de pessoas, expulsas das suas casas e dos seus bairros, por obra e graça de uma lei “dos despejos” que é usada como arma de assalto para sacar o lucro máximo. Daí que tenhamos vindo a propor medidas para baixar as rendas e proteger os inquilinos face a esta “lei da selva” que vai prosseguindo com o aval do Governo.

Mas também com a situação de gritante carência de oferta de habitações, em condições dignas e adequadas, para tantos jovens (e tantas pessoas de todas as gerações!) que precisam de casa para viver – e são forçadas a procurar uma saída precária, sem condições, porque afinal, sem surpresa, a famosa “mão invisível do mercado” serve, não para responder a necessidades do ser humano, mas sim para acumular lucros milionários àqueles que detêm as casas como mercadoria para especular.

No tema que hoje trazemos a debate, a questão central está na proteção da habitação própria e no impacto brutal do aumento dos juros – e consequentemente das prestações que as pessoas pagam aos bancos pelo empréstimo das suas casas.

O Banco Central Europeu vai aumentando as taxas de juro, mais preocupado com a remuneração dos fundos de capitais do que com a vida das pessoas ou com a situação das MPME. De acordo com os dados do Banco de Portugal, são mais de um milhão as famílias que têm crédito à habitação – quase todas com contratos de taxa variável indexada à Euribor.

Ora, os principais bancos em Portugal lucraram 1,89 mil milhões de euros, só nos primeiros nove meses do ano passado. Isto significa um crescimento superior a 80 por cento face a igual período do ano anterior! E esses lucros milionários foram amassados com os sacrifícios e as dificuldades da imensa maioria dos portugueses – desde logo os que estão a receber as cartas desses mesmos bancos, a comunicar-lhes o aumento brutal da prestação da casa.

Um exemplo, entre muitos exemplos, que têm vindo a marcar a situação atual: 367 euros era o valor da prestação, no início de 2022, de um crédito de 150 mil euros, com a taxa Euribor a seis meses (de janeiro deste ano) com um por cento de spread, pelo prazo de 37 anos. Agora, 635 euros é o valor da prestação, para o mesmo crédito, sob as mesmas condições.

São situações verdadeiramente dramáticas para milhares e milhares de famílias, confrontadas com a ameaça de ficarem sem teto, à mercê dos bancos que tem a faca e o queijo na mão. 

As renegociações de crédito continuam profundamente marcadas por dificuldades, entraves, limitações: o regime que o Governo decretou em novembro é, na prática, uma revisão do que já existia em 2012 – e continua longe de responder à verdadeira dimensão dos problemas.

Para o PCP, o que é preciso é proteger a habitação das pessoas, e não o lucro dos bancos e dos grupos económicos e financeiros. A proposta do PCP está, assim, à consideração da Assembleia da República, e pode ser hoje mesmo aprovada, para concretizar este regime de proteção da habitação própria face ao aumento dos encargos que se tem verificado.

Propomos que a subida das taxas Euribor tenha como primeira consequência a redução das margens de lucro dos bancos que resultam de um conjunto de custos e encargos associados aos créditos à habitação (taxas e comissões bancárias, seguros, anuidades de cartões de crédito, etc.). Trata-se de assegurar que a totalidade dos encargos com o crédito (amortização de capital, juros, outros custos e encargos) não ultrapasse o valor definido no início do contrato da Taxa Anual Efetiva Global (TAEG).

Propomos que possa ser aplicada uma moratória de capital no pagamento do empréstimo (com a dispensa de amortização de capital, e a limitação do pagamento de juros a uma taxa igual àquela que é aplicada para o financiamento dos bancos) por um período máximo de dois anos.

Propomos que a entrega da casa ao banco (dação em cumprimento) seja admitida sem possibilidade de oposição do banco e para que quem entrega a casa possa ser compensado se ela for vendida posteriormente por um valor superior ao que foi considerado aquando da entrega.

Propomos ainda que, nas situações em que a casa for entregue ao banco, ou vendida a um fundo de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, haja a possibilidade de manutenção da habitação a título de arrendamento, podendo posteriormente ser retomado o crédito.

Valorizamos os contributos que várias entidades e organizações têm trazido para esta discussão sobre a iniciativa do PCP, e manifestamos a nossa total disponibilidade para trabalhar em sede de especialidade, se for esse o caso, para aperfeiçoar as soluções legislativas que a nossa proposta vem colocar.

Poderemos considerar as várias situações de contratos de créditos em que se coloca a questão da habitação própria e permanente, alargando o âmbito de aplicação destas medidas legislativas para assegurar a inclusão de todos aqueles que precisam de respostas para os seus problemas nesta matéria.

Poderemos analisar as melhores soluções no plano técnico, para aplicar a redução proporcional da redução de custos face ao valor da taxa Euribor, ou ainda a definição concreta do próprio conceito da taxa de esforço nestes contratos, para proteger da melhor forma os clientes bancários e o seu direito à Habitação.

Apresentamos propostas sérias, construtivas, viradas para a resolução dos problemas reais da vida das pessoas neste país. Não deixamos de reafirmar a necessidade de, nos juros e não só, romper com a dependência financeira e monetária do País face aos centros de decisão da União Europeia. Mas também sublinhamos que, desde já, é urgente e indispensável agir contra o agravamento do custo de vida e a degradação dos salários e pensões. 

A Habitação, já o sabemos, transformou-se num subproduto da especulação imobiliária, e desde logo numa ficha da “economia de casino”, com os sectores produtivos a sucumbir perante a financeirização e no rentismo da economia portuguesa. Há quem ganhe milhões com isto, a começar pelos bancos. O problema é que tudo isto se paga com pessoas a perderem as suas casas e a não terem para onde ir!

Importa sempre lembrar: nos termos da Constituição, o direito que deve ser garantido é a Habitação – não o lucro para os bancos. A questão que se coloca aos Senhores Deputados, no debate de hoje, é muito concreta: que interesses devem ser prioritários para as opções políticas? Querem proteger os lucros da banca, ou as casas das pessoas?

A vossa resposta a estas perguntas vai traduzir-se nesta discussão – e na votação que no final se fará. Para defender o direito à habitação, podem votar a favor das propostas do PCP. É já hoje que se pode avançar na resposta aos problemas das pessoas. Assim haja coragem política!

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