Intervenção de José Capucho, Membro do Secretariado e da Comissão Política do Comité Central , Sessão «25 de Abril uma Revolução libertadora e emancipadora. Abril é mais futuro!»

Da longa resistência à Revolução

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A longa e heróica resistência do povo português ao fascismo está intimamente ligada à história do PCP. É um percurso de luta e intervenção que se fundem num mesmo objectivo – a luta pela liberdade, pela democracia, pelo pão, pelo trabalho, pela Paz.

Implantada a República em Outubro de 1910, os sucessivos governos republicanos não dão resposta aos problemas do povo e do país, utilizam cada vez mais a repressão. As condições de vida dos trabalhadores pioram constantemente.

Criado em 1921, o PCP realizou o 1º Congresso em 1923 culminando o período da sua fundação.

A direita, encorajada pela ascensão de Mussolini em Itália e Primo Rivera em Espanha, espreita a ocasião para assaltar o poder.

Em 28 de Maio de 1926, dá-se o golpe militar da reacção. É o início da longa noite que irá durar 48 anos.

Por de trás dos militares estão conspiradores monárquicos, as forças do capital financeiro e dos grandes agrários.

O golpe coincidiu com a realização do II Congresso do PCP que apelou à resistência ao fascismo.

As liberdades são aniquiladas. O fascismo avança e irá liquidar sistematicamente todos os resíduos da democracia. O corporativismo é promovido a doutrina oficial do regime. É institucionalizado o regime fascista. Criado o partido único – União Nacional, criada a polícia política – PVDE/PIDE, Legião, Mocidade Portuguesa.

Criadas as prisões do fascismo – o Campo de Concentração do Tarrafal, as Prisões na Fortaleza de Peniche, Caxias, Aljube, nas instalações da PIDE no Porto, Angra do Heroísmo.

A ditadura fascista que perseguiu, torturou e assassinou, durante 48 anos, portugueses que lutaram pela liberdade, pelo pão e pela paz. Liquidou as liberdades e os direitos dos cidadãos. Obrigou o nosso povo a uma guerra criminosa que provocou milhares de mortos e mutilados entre a juventude portuguesa, uma guerra que serviu os interesses dos grandes monopólios nacionais e estrangeiros. Explorou e reprimiu as massas trabalhadoras. Impôs salários de miséria e o nível de vida mais baixo da Europa. Ocupou os sindicatos. Proibiu greves e manifestações. Proibiu os partidos políticos. Censurou os jornais, a Rádio e a Televisão. Empurrou 2 milhões de portugueses para a emigração.

Quem não acata a nova ordem é considerado inimigo da Pátria.

Em 1929 realiza-se uma Conferência Nacional do PCP. Elegeu Bento Gonçalves como Secretário-geral do Partido.

Começa a organizar-se verdadeiramente a actividade clandestina do PCP.

Em Fevereiro de 1931 sai o primeiro número do Avante!

O Partido tem influência crescente, está à frente das lutas operárias, forma numerosas organizações com influência de massas – A Federação das Juventudes Comunistas, a Organização Revolucionária da Armada, a Organização Revolucionária do Exército, o Socorro Vermelho Internacional.

Em finais de 1933 a ditadura procura liquidar definitivamente os sindicatos livres. Em resposta, a 18 de Janeiro de 1934, realizam-se greves e manifestações em vários pontos do país. Na Marinha Grande os operários, dirigidos por militantes comunistas, levantaram-se de armas nas mãos e chegaram a tomar a vila.

A repressão foi violenta. O PCP é duramente atingido.

Em 1934, o PCP estará presente no VII Congresso da Internacional Comunista. Pouco depois, após o regresso do Congresso, Bento Gonçalves é preso.

Em Setembro de 1936 as tripulações de navios de guerra, dirigidos pela ORA, revoltam-se contra o fascismo.

A resposta é violenta – dez mortos. Sessenta marinheiros são enviados para o Campo de Concentração do Tarrafal.

Ai, no Tarrafal, viriam a estar presos 340 antifascistas, a maioria comunistas. Lá morreu Bento Gonçalves.

Os anos 30 e 40 do século passado são anos difíceis. 

E por todo o mundo parecia que o fascismo ia dominar. Em Portugal é institucionalizado o fascismo.

Apregoaram que o comunismo tinha morrido. 

Mas o PCP reorganizou-se, criou e consolidou uma organização nacional, realizou os seus Congressos – 3º, 4.º, 5.º, e 6.º –, publicou regularmente o «Avante!» e outra imprensa clandestina, estimulou, organizou e dirigiu a organização do movimento operário, com grandes greves e muitas outras lutas e protestos das mais diversas classes e camadas sociais – estudantes, intelectuais, pequenos agricultores, populações...

Impulsionou e participou de forma decisiva em amplos movimentos unitários antifascistas – MUNAF, MUD, MUD Juvenil. MND...

Mobilizou e agregou a organização democrática e antifascista para a batalha nas farsas eleitorais, quer para as Presidenciais, quer para a Assembleia Nacional.

Nos 48 anos de ditadura fascista, o PCP foi o partido que resistiu à repressão e que sobreviveu na clandestinidade e se tornou um influente partido nacional e reconhecido como o Partido da Unidade Antifascista. 

Tendo sempre como objectivo a tarefa central, como eixo unificador da luta antifascista, a liquidação da ditadura fascista, a conquista da liberdade política, a instauração de um regime democrático.

São disso exemplos concretos os 9 pontos para a Unidade Nacional, aprovados no 3.º Congresso em 1943 e confirmado no IV Congresso, em 1946. 

O V Congresso, em 1957, que «reclamou» o reconhecimento do direito dos povos das colónias portuguesas de África à imediata e completa independência, e apontou como objectivo político central a instauração das liberdades e direitos dos cidadãos e um regime verdadeiramente democrático.

O VI Congresso, em 1965, aprovou o Programa do PCP para a Revolução Democrática e Nacional, definindo 8 pontos ou objectivos largamente desenvolvidos, não deixou de considerar como o 1.º objectivo, como o objectivo central – «Destruir o Estado fascista e instaurar um regime democrático».

Nenhum outro lutou com mais dedicação e coragem pela liberdade e a democracia, primando sempre pela unidade dos vários sectores políticos, sociais e religiosos.

A história da resistência foi a história de milhares de presos e também de mortos que deram a própria vida. A história de greves, de manifestações, de concentrações, de campanhas políticas (algumas de grande amplitude), em que assumiram particular relevo a classe operária, os intelectuais e a juventude. Que, com determinação e persistência, constituíram uma determinante acção de massas que conduziu o regime fascista ao progressivo isolamento e à sua derrota em 25 de Abril de 1974.

A partir dos anos 60, ampliaram-se e aprofundaram-se as múltiplas contradições que atravessaram a sociedade portuguesa. Portugal era um país capitalista atrasado mas onde as relações de produção capitalista estavam altamente desenvolvidas até ao nível de capitalismo monopolista de Estado; um país detentor de um dos mais antigos e maiores impérios coloniais do mundo mas que, simultaneamente, era colonizado, dominado pelo imperialismo estrangeiro; um país com uma ditadura fascista terrorista com um forte aparelho repressivo mas que não conseguiu impedir o desenvolvimento da luta popular de massas; um país onde a feroz repressão aos comunistas não conseguiu impedir que o Partido Comunista Português, submetido à mais severa clandestinidade, existisse, solidamente organizado, desenvolvendo uma actividade regular, com os seus meios próprios de propaganda, as suas tipografias clandestinas, a sua imprensa, a sua rádio, altamente prestigiado e com real influência nas massas; um país onde foram suprimidos os direitos mais elementares, onde eram proibidas reuniões, assembleias, greves, concentrações, manifestações, mas onde os trabalhadores faziam greves, o povo saía às ruas enfrentando a repressão e não raras vezes a própria morte.

Nos anos 60 e 70 do século passado a crise do regime atingiu um ponto crítico, a luta do povo português entrou numa nova fase e nem a política de «demagogia liberalizante» de Marcelo Caetano, após a morte de Salazar, conseguiu deter este processo. «O marcelismo – demonstrava então o PCP – é o salazarismo sem Salazar». Ao mesmo tempo crescia o isolamento internacional do regime.

Em 1960, o PCP obteve uma grande vitória contra a repressão fascista. 10 militantes do PCP, entre os quais Álvaro Cunhal, evadem-se da Fortaleza de Peniche na noite de 3 de Janeiro.

Em 1961, nova vitória do Partido, outro grupo de militantes consegue evadir-se de Caxias.

Evasões que criam novo ânimo e reforçam os quadros de Direcção do Partido.

Em Março de 1961, em reunião do Comité Central, Álvaro Cunhal é eleito Secretário-geral do PCP. Nessa reunião é reposta a via para o derrubamento do fascismo.

Ainda em 1961, o MPLA inicia a luta armada de libertação em Angola. Depois será o PAIGC na Guiné e a FRELIMO em Moçambique.

É a guerra colonial, que comporta pesadíssimas despesas, aumento do tempo de serviço militar com milhares de jovens a serem obrigados a ir para a guerra e com a consequência de milhares de feridos e mortos.

Uma guerra criminosa, contrária aos interesses do povo português, uma guerra ao serviço dos interesses dos grupos monopolistas e do imperialismo.

Os países da NATO fornecem as armas… e levam os diamantes, o ferro, o petróleo.

O PCP é a única força com posições anticolonialistas claras e consequentes.

Em 1961-1962. assiste-se a um incremento das lutas operárias e populares e do movimento estudantil.

Iniciam-se as emissões da Rádio Portugal Livre.

No 1º de Maio de 1962, em Lisboa, participam mais de 100.000 pessoas. Os trabalhadores rurais alentejanos conquistam com grandes greves a jornada de trabalho das 8 horas.

O VI Congresso realizado em 1965 aprova o Programa para a Revolução Democrática e Nacional.

É num clima de ascensão e luta e do reforço do PCP que Marcelo Caetano sucede a Salazar em 1968.

Marcelo Caetano usa a demagogia. Alguns democratas hesitam e fala-se em “primavera” política.

Mas os objectivos do fascismo mantêm-se todos.

O PCP denuncia que não serão os fascistas a destruir o seu próprio regime.

E afirma que só a luta de massas, só o levantamento nacional e com a participação na luta de vastos sectores militares poderão abater a ditadura.

A crise aprofunda-se. Pioram as condições de vida. Em 10 anos emigram mais de 1 milhão de portugueses.

O regime sofre pesadas derrotas no terreno da guerra e no plano diplomático. O Papa recebe em Roma os líderes dos movimentos de libertação.

Aumentam os protestos, as acções contra a guerra em Portugal, as deserções no terreno da batalha.

A juventude manifesta-se, luta nas escolas, pela liberdade, contra a guerra. Em 1969, novas e grandes lutas dos estudantes com particular incidência na Universidade de Coimbra.

Em 1969, o movimento democrático desenvolve-se e com a CDE, faz-se um amplo aproveitamento e grande batalha política pela liberdade em torno da farsa eleitoral para a Assembleia Nacional.

Processam-se grandes avanços na força organizada dos trabalhadores com a conquista de numerosas direcções sindicais.

Em Abril de 1972 no Porto, mais de 40 000 pessoas manifestam-se contra a carestia de vida e pelo fim da guerra colonial.

Os anos de 1973 e 1974 são anos de impetuoso ascenso da luta dos trabalhadores, do povo e da juventude.  

Desenvolvem-se grandes lutas nas empresas e nos sindicatos. Nelas participam mais de 100 000 trabalhadores. 

O movimento democrático, com a criação da CDE alargou e reforçou a sua actividade.

A realização do 3º Congresso da Oposição Democrática, revelou-se de extraordinária importância para a unidade dos mais variados sectores democráticos e antifascistas. As teses aí discutidas e aprovadas traçaram linhas claras para o que deveria ser uma política democrática.

Decorrente do Congresso e com forte empenho do PCP, as “eleições” para a Assembleia Nacional nesse ano são transformadas numa grande campanha política de massas.

Cresce o descontentamento e a luta reivindicativa nas Forças Armadas. Reivindicações de Oficiais transformam-se rapidamente em movimento político, conhecido pelo movimento dos capitães.

A repressão, o terror não conseguiram porém, impedir o desenvolvimento progressivo da crise interna do regime, travar a luta dos trabalhadores e do povo, pôr fim a uma heróica resistência antifascista.

Nos últimos anos do fascismo desenvolveu-se também um poderoso movimento nacional de massas contra a guerra colonial que mobilizou todos os sectores da vida nacional.

No movimento operário formaram-se centenas de Comissões de Unidade, Comissões de Trabalhadores que se estendiam a centenas de empresas. Multiplicavam-se as paralisações, concentrações, greves, manifestações. De Outubro de 1973 ao 25 de Abril de 1974 teve lugar uma vaga de greves em numerosas empresas que envolveu mais de 100 mil trabalhadores do sector industrial e assalariados rurais do Alentejo e Ribatejo.

Esta foi a resposta pronta dos trabalhadores ao apelo do Comité Central do Partido Comunista Português de Julho de 1973 «Para uma grande Campanha Política de Massas Pela Liberdade, Pelo Fim da Guerra Colonial, Por uma Vida Melhor», campanha que mobilizou todos os sectores antifascistas.

Enfrentando a repressão fascista e do patronato, em muitos sindicatos formaram-se Comissões Sindicais, Comissões Pró-Sindicato, Comissões de Trabalho com a participação de dezenas de milhares de trabalhadores, foram conquistadas dezenas de direcções de Sindicatos e em 1970 foi criada a Intersindical com a adesão de mais de 40 sindicatos.

Centenas de milhar de pessoas condenam o fascismo, exigem o fim da guerra colonial.

O fascismo tem os dias contados.

A luta contra a repressão, pela libertação dos presos conheceu novo impulso com a constituição da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos.

No seio da juventude o MJT, e a UEC elevaram a novos níveis, a organização e luta da Juventude Trabalhadora e dos estudantes.

O MDM, Movimento Democrático das Mulheres, teve um importantíssimo papel no desenvolvimento, organização e luta das mulheres.

Os pequenos e médios agricultores em diversas regiões do país, orientados pelo jornal clandestino «A Terra», lançaram-se em lutas organizadas contra o roubo dos baldios e a política agrícola fascista, pelos direitos dos rendeiros e dos pequenos agricultores.

Os intelectuais desempenharam um importante papel em todos os sectores do movimento democrático, criaram a Associação Portuguesa de Escritores, desenvolveram a luta contra a censura, em defesa da cultura, contra o obscurantismo. Importantes sectores de católicos progressistas enfrentaram a repressão e engrossaram contra a guerra colonial, pela paz e pela liberdade.

O movimento de partidários da paz, com longos anos de existência, intensificou a sua luta, particularmente contra a guerra colonial e tornou-se um dinâmico movimento do protesto popular.

No seio das Forças Armadas desenvolveram-se lutas de praças, sargentos e jovens oficiais. A sua luta, traduzida em deserções individuais e colectivas, recusas a embarque, recusas a prestar juramento, pequenos motins, levantamentos de rancho. Recusas a cumprir ordens, eram expressão clara do crescente descontentamento e revolta que alastravam entre os militares e que conduziram em 1973, à criação do MFA – Movimento das Forças Armadas, que na alvorada do 25 de Abril, reflectindo as exigências e aspirações do povo português, pôs fim a 48 anos de ditadura fascista, operando o levantamento militar. Logo seguido pelo levantamento popular, iniciando a Revolução de Abril, processo heróico e exaltante, um dos momento mais importantes da nossa história do século XX.

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