Intervenção de António Filipe na Assembleia de República, Sessão Solene dos 51 anos do 25 de Abril

A esperança que não fica à espera

Ver vídeo

''

Neste dia, em que a festa nacional pela democracia coincide com o luto nacional pelo falecimento do Papa Francisco, queremos expressar, em nome do PCP, o nosso pesar e as nossas condolências a todos os católicos e à sua Igreja, e assinalar o nosso apreço e profundo respeito pela ação do Papa Francisco a favor do diálogo e contra a intolerância e de grande proximidade às causas da Paz e de defesa dos direitos económicos e sociais dos excluídos desta sociedade submetida a interesses financeiros.

Há 51 anos, os militares de Abril, culminando a longa resistência do povo português, libertaram Portugal de uma ditadura terrorista de 48 anos que, baseada na corrupção, na supressão das liberdades e num odioso aparelho repressivo ao serviço de uma oligarquia monopolista, condenou o país à miséria e ao obscurantismo, e sacrificou toda uma geração de jovens portugueses numa guerra sem fim à vista.

E há precisamente 50 anos, no cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas, 91,6 % dos portugueses maiores de 18 anos votaram pela primeira vez em liberdade. Homens e mulheres, sem discriminações, acorreram em massa para eleger a Assembleia Constituinte, cujos membros souberam desempenhar com sabedoria e em consonância com os sentimentos profundos do povo que os elegeu, a honrosa tarefa de elaborar a primeira Constituição verdadeiramente democrática da nossa História e que temos o dever irrenunciável de defender e de fazer cumprir.

A maioria dos que então votaram já não estão entre nós, mas deixaram para a História um testemunho de empenhamento cívico, de alegria com o exercício das liberdades, de esperança na construção de uma vida melhor que, 50 anos passados, temos o dever de transportar no presente e para o futuro e de lutar para que essa esperança não seja traída.

Neste dia em que celebramos a liberdade e a democracia, é dia de homenagear os militares de Abril e os Deputados constituintes, sem nunca esquecer os resistentes antifascistas que, enfrentando a repressão, a prisão e a tortura e sacrificando até a própria vida, se dispuseram a sofrer tudo para que, todos nós, conquistada a liberdade por que lutaram, pudéssemos lutar pelas nossas convicções sem ter de passar pelas provações que eles passaram.
 
Para muitos portugueses, o momento que vivemos pode ser de desencanto, de deceção e de descrença. Desencanto com o incumprimento de promessas feitas e com o defraudar de expectativas criadas; deceção com uma ação governativa distante das promessas feitas e insensível às reais preocupações das pessoas; descrença em relação a uma prática política que não contribui para a resolução dos problemas do povo e do País.

A democracia está hoje sob a ameaça dos que tentam denegrir e destruir as suas conquistas, mas a luta de muitas décadas do povo português pela liberdade e a democracia, as transformações progressistas conquistadas na Revolução de Abril, a capacidade de luta já demonstrada em numerosas situações pelos trabalhadores e pelas populações em defesa dos seus direitos, e a vitalidade com que a afirmação dos valores de Abril se encontra presente nas novas gerações, são razões de confiança em que a democracia portuguesa tem força suficiente para derrotar os seus inimigos. Razões de confiança que hoje como ontem, evidenciam que está nas mãos do povo e na sua acção a realização dessa vida melhor que Abril iniciou.

Nos antípodas de uma direita retrógrada, obscurantista e profundamente reacionária, existem capacidades e a coragem necessária para afirmar os valores da democracia e para que o justo descontentamento social se assuma como uma força de luta por transformações sociais de sentido progressista.

A alternativa terá de ser construída por aqueles que, com coragem e coerência, lutam por uma política que valorize o trabalho e os trabalhadores, que respeite os direitos económicos, sociais e culturais do nosso povo, que lute pela paz e pela independência nacional.     

A democracia defende-se e afirma-se nas lutas dos trabalhadores que nas empresas e locais de trabalho lutam por melhores salários e por condições de trabalho mais dignas; nas lutas das populações por melhores condições de acesso ao Serviço Nacional de Saúde; nas lutas dos reformados por melhores condições de vida; nas manifestações pelo direito à habitação; nas lutas dos estudantes contra as propinas e pelo acesso à educação e ao ensino; nas lutas pelo direito à criação e à fruição cultural; nas lutas das mulheres pela igualdade; nas lutas contra o racismo e a xenofobia, e contra todas as discriminações e formas de violência; na resistência a uma extrema-direita arrogante e obscurantista que, dizendo-se contra o sistema, representa o pior do sistema; nas grandiosas comemorações populares do 25 de Abril e do 1.º de Maio; na resistência a uma eurocracia oligárquica e cada vez mais afastada dos povos; nas manifestações pela paz, contra todas as guerras e contra a normalização do extermínio do povo palestiniano às mãos do sionismo; nas eleições, transformando as lutas em votos e dando mais força aos que nesta Assembleia da República, nos versos do poeta comunista e Deputado Constituinte Manuel Gusmão, representam “a esperança que não fica à espera” e têm a coragem de nunca desistir de transformar em certezas as melhores esperanças de abril.

Viva o 25 de Abril.
Viva Portugal. 

  • 25 de Abril