10 observações
1. A crise do capitalismo que estamos a viver é também o resultado de uma nova contradição que se tem aprofundado no último decénio – a contradição que decorre das deslocalizações, da livre circulação de capitais e do que se chama globalização. Esta contradição não se revela só em termos das consequências ecológicas ou da concorrência que se estabelece entre trabalhadores dos países capitalistas desenvolvidos e os trabalhadores asiáticos e da periferia, com sistemas sociais e níveis remuneratórios diferentes, mas também sobre a repartição do Rendimento Nacional interno e entre as empresas deslocalizadas e as que se mantêm nos mercados nacionais.
2. A «globalização» e as deslocalizações que nos são apresentadas como «doce comércio» têm na verdade por detrás de si não só uma multiplicidade de conflitos locais e intervenções militares neo-coloniais como uma brutal reorganização e dominação das economias onde se instalam e uma desindustrialização crescente dos países de capitalismo desenvolvido, tendo conduzido a profundas regressões sociais nestes países
A China tem beneficiado dum mercado interno muito protegido, vetando a compra de empresas e exigindo a preferência nacional nos sectores das industrias de alta tecnologia. e a uma evasão fiscal impressionante, intensificada pelos offshores e paraísos fiscais.
3. A “globalização” mercantil e financeira, ou seja a generalização do livre-cambismo e a abertura ao comércio mundial foi teorizada como o grande factor de desenvolvimento harmonioso mundial, mas na realidade agudizou tremendas contradições e desigualdades sociais.
Na União Europeia estas contradições têm-se tornado evidentes com o euro e a introdução nos Tratados, como dogma fundador o princípio da «concorrência, livre e não falseada».
Os defensores do livre cambismo sabem que a concorrência mata as empresas menos competitivas. E como é evidente a livre concorrência não existe. Como se pode comparar, por exemplo, em termos de igualdade uma empresa do centro da Europa, apoiada pela banca, com factores de produção mais baratos, com uma empresa portuguesa da mesma dimensão, não pertencente a nenhum grupo financeiro?
4. A «globalização financeira e as deslocalizações» tiveram a sua grande vaga quando o FMI se tornou o mais fiel interprete e concretizador do desmantelamento do controlo de capitais tendo-se baseado nos trabalhos de economistas muito publicitados pelo grande capital – Rudign Dornbush – que defendiam uma liberalização total dos movimentos de capitais, afirmando que esses controles eram uma ideia do passado.
R. Dornbush «capital controlo» Andrea Whontime in post – Princeton University -1998
Assim o FMI que sempre que pôde impôs o desmantelamento do controlo de capitais, com a crise do «sub prime» veio em 2010, recomendar como necessário o controle aos movimentos de capitais de curto prazo – o chamado “hot money”. Este zig zague, este volte face ideológico é significativo da profundidade da crise.
Toda a defesa teórica da desregulação e das deslocalizações apoiada pelo capital financeiro teve os seus lobis e defensores académicos como Milton Fredman e a escola de Chicago – que construíram um modelo teórico afastado da realidade e ainda mais do processo histórico usando e abusando de construções matemáticas procurando assim garantir-lhe uma autoridade e credibilidade como outrora se utilizou o latim. Como notou Alfred Eicher – as matemáticas conferem muitas vezes uma fachada a um sistema teórico que não corresponde a qualquer teste empírico não permitindo distinguir ciência da superstição ou da ideologia grosseira. E tudo isto embrulhado também numa linguagem mistificadora, pois como George Orwell nos mostrou: a perversão do pensamento começa com a linguagem. A novi língua da finança e do mercado!
A liberdade de circulação de capitais, uma das maiores conquistas das classes dominantes, teve lugar de maneira praticamente simultânea em todas as economias ocidentais e ampliou a chamada primeira crise financeira de grande dimensão, o crash de Outubro de 1987, que foi seguido da crise das caixas de poupança dos EUA – os «sharings and loon», consequência directa da desregulamentação que se verificou.
A desregulamentação, permitiu uma financeirização sem precedentes da economia mundial, uma submissão cada vez maior dos governos à banca, um desenvolvimento incontrolado da chamada «inovação financeira» com novos produtos com nomes sofisticados e atraentes e uma circulação de capitais a curto prazo sem limites. E o sector financeiro que foi totalmente «globalizado é capaz de fazer chegar num instante de um ponto do globo a outro os capitais, os dividendos, o dinheiro». Fantástica conquista!
5. As deslocalizações, tal como a desregulação financeira teve uma grande expansão com Bill Clinton – as reformas de 1999-2000, que abriram a via à criação dos chamados produtos tóxicos, e mais tarde ao afundamento financeiro. No campo das deslocalizações as construções teóricas dos lobistas defendiam o grande impulso destas para o crescimento económico nos países desenvolvidos e a melhoria do nível de vida dos trabalhadores pelos gastos dos ricos (teoria do derrame) e a sua tradução na via fiscal que atingiu o auge na administração Bush: «se queres ajudar os pobres dá dinheiro aos ricos!».
6.Esta desregulamentação que se estendeu praticamente a todo o mundo, só rejeitado em boa parte pela China, tem também facilitado a especulação sobre as moedas, vejam-se os recentes processos de revalorização do yen japonês e do wen coreano, bem como o franco suíço contra o dólar, o que levou as autoridades coreanas, por exemplo, a introduzir um sistema de controlo de movimento de capitais e os governos japonês e suíço a tomarem medidas para a defesa das suas moedas.
7. Mas não é só a guerra especulativa das moedas é também toda a luta estratégica que se desenvolve no quadro do Sistema Monetário Internacional com o dólar e noutro plano a libra a querer manter os seus privilégios e o euro e outras moedas a procurarem a sua credibilização monetária como meios de pagamento internacionais e de reserva. E esta disputa estratégica estende-se à situação da banca internacional, à sua oposição a qualquer regulamentação séria e à necessidade, mais uma vez, da sua recapitalização, com as facturas a serem passadas de forma directa ou indirecta aos contribuintes. As medidas tendentes a resolverem os problemas da dívida privada (banca) à custa da dívida pública, continua, embora com cada vez mais dificuldades dada a situação dos défices orçamentais e da dívida pública dos Estados.
Também em Portugal assistimos a uma feroz resistência da Banca a qualquer controle ou averiguação séria da solidez dos seus activos e a sua recente proposta para a criação de um bad bank, com as dívidas das empresas públicas é mais uma tentativa para passar para o Estado os custos do seu financiamento.
Repetem e repetem que está tudo bem e que estão sólidos, mas se fosse assim porque razão não se conseguem financiar no exterior? Argumenta-se também neste particular com os stress testes. Mas a credibilidade destes testes viu-se mais uma vez com o recente caso do Déxia.
8. Neste quadro de disputa internacional revela-se também o afundamento do dogma do euro como moeda que iria proteger os países membros e da moeda que seria fonte impulsionadora do crescimento quando como se vê é hoje uma das principais fontes de problemas de vários países.
9. A crise do Sistema Monetário Internacional com a sua expressão na «guerra cambial» ou «guerra das moedas», a crise do sistema financeiro, a crise, melhor dizendo, do sistema capitalista está longe de ser superada.
Procura-se ganhar tempo e difundir a ideia de que não há outro caminho. Como já alguém disse nos EUA, na França, na Irlanda, na Espanha, em Portugal, os Bancos especularam com a valorização até ao infinito do imobiliário - perderam!
Confrontados com as dívidas incomensuráveis incobráveis e com títulos tóxicos, numa pirâmide gigantesca do tipo Dona Branca, transferiram com a docilidade dos governos e de diversas formas os seus prejuízos para os Estados, os quais por sua vez passaram a factura aos cidadãos sob a forma de planos de austeridade, que por sua vez vão mergulhando, sobretudo as economias mais débeis na espiral da recessão!
10. E neste quadro há contradições que se vão agudizando e minando toda a estrutura social e direitos duramente conquistados.
Os que ganham com as deslocalizações e com a desregulamentação
Os defensores das deslocalizações continuam a afirmar que as deslocalizações se limitam a fazer desaparecer empregos pouco qualificados. Mas esta afirmação é falsa. O cortejo de desempregados nunca teve uma extensão como agora. têm os seus poderosos aparelhos ideológicos a defender cada vez mais liberalização, que o mesmo é dizer mais exploração e mais apropriação de taxas de mais valia e lucros e os governos correias de transmissão da oligarquia, por um lado a tentarem servir quem lhes manda – o capital financeiro – e por outro, a serem confrontados com o empobrecimento dos respectivos países e a contestação crescente dos trabalhadores e dos povos que vêem o seu futuro cada vez mais comprometido - trabalho, segurança social, salários-direitos. É também neste sentido que se deve interpretar os apelos de Barak Obama, Sarkozy e outros, à necessidade de reindustrializar os respectivos países! Bem como as intervenções de muitos analistas defendendo a desglobalização ou o proteccionismo parcial.
Mas os nós destas contradições só podem ser desatados numa síntese de progresso pela luta dos povos. Luta ideológica, luta reivindicativa, luta de massas.
Luta sem quartel em todos os campos e em todas as frentes.