No quadro desta sessão pública e do documento em apreciação, é pertinente a apresentação de alguns elementos no quadro da política externa, em particular no contexto da UE incluindo da sua crescente militarização, no quadro do alinhamento com os objectivos estratégicos da NATO.
Está a fazer um ano da apresentação da chamada “Bússola Estratégica para a Segurança e Defesa da UE”. Um documento que, acompanhado de recorrentes proclamações quanto à denominada autonomia estratégica da UE, na realidade está a configurar-se como um novo passo no sentido do aprofundamento da vertente militarista da União Europeia, assume a articulação e complementaridade com a NATO, como o seu pilar europeu, instrumento ao serviço da política de hegemonia dos EUA.
Na dita “Bússola Estratégica” acentua-se uma visão mais intervencionista, desestabilizadora, alinhada com os interesses e ambições geoestratégicas das principais potências europeias, visando a criação de ditas capacidades militares da UE, dispondo de um aparelho militar apto a intervir em qualquer parte do mundo, segundo os seus interesses e associado ao desenvolvimento do seu próprio complexo militar-industrial.
A esse pretexto e com vista à dita “flexibilização” do processo de decisão, já que as matérias de assuntos externos são domínio que exige unanimidade no Conselho, buscam-se alternativas que permitam circunventar esse princípio fundamental. Enquanto não se materializa a ambição de Ursula von der Leyen de tomar as decisões de política externa por maioria qualificada, avançam-se manobras como uma «abstenção construtiva», ou soluções em que um conjunto de Estados-membros «interessados e aptos possa planear e realizar missões ou operações no quadro da UE e sob a supervisão política do Conselho».
A articulação com a chamada ‘Cooperação Estruturada Permanente’ (CEP), parte essencial desta estratégia, com os seus conceitos de especialização das forças armadas nacionais, de reforço e condicionamento do investimento, ao desígnio de uma concentração de poder de matérias que estão no cerne da soberania e independências nacionais com impacto em alguns Estados como Portugal, procura condicionar o que sejam as opções e necessidades desses Estados em relação à política de defesa nacional.
Visando o reforço do ‘investimento’ na indústria e política da guerra, insiste-se numa narrativa de gastar «mais e melhor em capacidades de defesa e em tecnologias inovadoras» reforçando dita interoperabilidade militar, procurando «assegurar que todas as iniciativas da UE em matéria de defesa e todos os instrumentos de planeamento e desenvolvimento de capacidades sejam integrados no planeamento nacional da defesa», alinhando, simultaneamente com as orientações de harmonização da NATO, que em ultima instância é quem o determina.
O espectro da guerra projecta-se expressa-se no presente e projecta-se em «futuros campos de batalha» para o que as forças dos Estados-Membros devem estar preparadas, maximizando o «potencial dos instrumentos financeiros da UE» e de ditas sinergias e usos duais entre estes. Instrumentos que consagraram para o actual Quadro Financeiro Plurianual 8 mil milhões de euros a despejar sobre o complexo militar-industrial das grandes potências europeias através do Fundo Europeu de Defesa. Outros instrumentos são chamados à liça, como o Horizonte Europa, o Programa Europa Digital, o Mecanismo Interligar a Europa com verbas para a mobilidade militar, o Programa Espacial da UE entre outros. Mobilizam-se meios que faltam a resolver os problemas estruturais, económicos e sociais com que se confrontam países como Portugal, ao mesmo tempo que canalizam recursos para o complexo industrial militar, fundamentalmente concentrado nas grandes potências da UE e em parceria com os Estados-Unidos, o Reino Unido e outros.
E o que dizer do programa cinicamente designado “Mecanismo Europeu para a Paz”, que com um orçamento de 5,6 mil milhões de euros para o período 2021-2027, viu alocar 3,6 mil milhões de euros, quase dois terços do seu orçamento, para integrar os cerca de 12 mil milhões de euros de apoio militar à Ucrânia assumidos pela UE.
A dita ‘Bússola Estratégica’, não sendo apresentada como um plano de investimento, determina o caminho e a forma para reclamar o aumento de verbas para a vigilância, a recolha de informação, o controlo de fronteiras, o militarismo e a guerra (para o que concorre também o reforço estímulo para o cumprimento do objectivo de 2% do PIB para investimento militar dos Estados da NATO) e estabelece passos importantes na materialização desse salto militarista e federalista a que se procura dar corpo. A escalada armamentista, militarista e securitária que preconiza, afirmando a sua complementaridade com a NATO, para além de mais um assalto à soberania de Estados, compromete a segurança e a paz dos povos da Europa e do Mundo.
Ao mesmo tempo Estados, como Portugal, num quadro de dificuldades económicas e sociais, faltam verbas para o combate aos défices produtivo, energético, alimentar, tecnológico, demográfico, no financiamento cabal dos serviços públicos, no combate à pobreza, às injustiças e desigualdades sociais, a que se somam os constrangimentos que decorrem da moeda única, das regras da governação económica e das condicionalidades associadas aos fundos europeus, e em que em Portugal se antecipa, pelas mãos do Governo PS, insiste na ditadura do défice imposto pelo Pacto de Estabilidade.
Pacto de Estabilidade cuja suspensão da cláusula de escape se prevê para 2024 e o regresso aos procedimentos abertos de pressão, chantagem e sancionatórios a ele associados, sem a oposição do Governo Português, que no essencial não questiona a proposta apresentada pela Comissão Europeia no quadro da revisão da Governação Macroeconómica, que prometendo maior flexibilidade, mantêm os critérios da dívida e do défice e corresponde, isso sim, ao reforço dos contrangimentos a países como Portugal na condução da sua política económica.
Ao mesmo tempo que se procura incrementar os mecanismos de vigilância, de imposição e de sanção, consagra-se a intromissão da UE ainda em mais áreas da vida soberana dos Estados, designadamente com novos condicionamentos à política orçamental e investimento. Colocando um foco na despesa primária do Estado, com imposição de tectos máximos de despesa, no âmbito dos planos de redução da dívida pública, com previsíveis consequências numa ainda maior compressão da despesa pública nomeadamente em áreas como a saúde, a educação, a segurança social, entre outras – o que não deixará de ter um impacto negativo significativo na generalidade da população e no próprio desenvolvimento do País.
Enquanto as pessoas apertam o cinto, das políticas da UE ou do Governo, não só não surgem soluções concretas e permanentes para dar combate à especulação e aproveitamentos e fazer face ao aumento do custo de vida, nomeadamente pela regulação do mercado e a fixação de preços máximos na energia e bens essenciais, além de outras medidas necessárias, como contribuem ainda para o seu agravamento, de que é exemplo expressivo os sucessivos aumentos das taxas de juro promovidas pelo Banco Central Europeu, decisão que tem um impacto brutal, embora desigual, na população, nos trabalhadores, nas famílias, nas empresas, na economia, de diversos Estados-Membros.
A realidade demonstra a necessidade de romper com as políticas e constrangimentos da UE, e a adopção de políticas e soluções que efectivamente resolvam os problemas com que os trabalhadores, o povo e o País se confrontam e que contribuam para abrir um real caminho de paz, de soberania, de desenvolvimento económico e social, de cooperação na Europa.