Camaradas e amigos,
No V Centenário do nascimento de Luís de Camões, urge recordar o seu contributo e a sua obra enquanto elementos de resistência à cultura dominante mas também enquanto elementos de construção de identidade cultural, nomeadamente logo na juventude através da Escola Pública.
Resistência à cultura dominante por uma obra com um grande marco progressista e humanista, que canta não apenas um grande herói individual mas um conjunto muito mais largo, essa entidade colectiva que foi a personagem principal que tentam esconder de toda a nossa História, que é o povo. Lembremo-nos de um dos seus sonetos:
«Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo, caridade,
Amam somente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade.”
Não nos esqueçamos, também, de como Camões, sem a protecção do poder, elevou as capacidades da Língua Portuguesa, exaltou os feitos do povo português e reflectiu sobre os acontecimentos históricos da época de forma progressista.
Tão errado seria olhar para Camões e exigir-lhe concepções, formas de estar, ideias e valores a que só muitos séculos depois a humanidade chegou, como ignorar as condições em que a sua obra foi manipulada pelas classes dominantes para justificar e promover um regime fascista e colonial, responsável pelo sofrimento dos povos, através da guerra e da opressão.
Camões é, também, elemento de construção da identidade cultural, com os cantos de Camões a integrarem o imaginário nacional da juventude portuguesa em tenra idade, dando a conhecer um importante momento da História do nosso País, os descobrimentos geográficos que permitiram um grande salto no desenvolvimento científico, tecnológico e até no pensamento filosófico.
Entretanto, é legítimo que tantos jovens coloquem a questão: porque é que estudamos Camões?
Defender o estudo de Camões e outros cânones da Língua Portuguesa é defender a democratização cultural, vector estratégico para a formação integral do indivíduo e do desenvolvimento do País, mas é também combater as tentativas de hegemonização cultural globalizante.
Assim como Camões quis ser a voz do povo e da resistência perante a opressão, também nós, os jovens devemos tomar proveito das suas palavras numa óptica do humanismo e do progresso social e científico, para seguirmos na luta contra as injustiças e por um país mais justo, onde o progresso e a riqueza chega a todos, não apenas a alguns.
As obras de Camões oferecem uma fonte rica de conhecimentos e a sua reflexão é essencial para a formação de jovens críticos, conscientes e comprometidos com os valores democráticos e humanistas. É esta a visão que se deve ter no estudo das obras de Camões.
Mas tal objectivo é inseparável da valorização da Escola Pública, Democrática, Inclusiva e de Qualidade, por que lutamos.,
Uma escola onde a educação valorize a democracia, a justiça social e o progresso. Precisamos de conhecer, estudar, aprofundar a Lírica de Camões, os recursos estilísticos e os tipos de composição, mas também o seu amor pelo próximo, a crítica ao “desconcerto do Mundo” onde
“Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos”.
Queremos ouvir dele, como ensinamento para os dias de hoje, a invocação do que é diferente mas belo, do que é distante mas igual, como fez nas “Endechas a Barbara Escrava”.
“Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.”
Tomemos, pois, as palavras de Camões. Se “Todo o mundo é composto de mudança / Tomando sempre novas qualidades”, façamos nós que a escola pública carregue esta mudança nas gerações futuras.