Camaradas e amigos,
Uma grande saudação a todos os que marcam presença nesta sessão político-cultural, que assinala o início do programa do PCP de comemorações do V Centenário do nascimento de Luís de Camões, essa figura ímpar da cultura universal.
Esta é a primeira de um conjunto de iniciativas que o nosso Partido irá promover sob o lema «Camões, poeta do povo num mundo em mudança».
A evocação que fazemos de Luís de Camões, não é de agora.
Em 1980, o PCP assinalou o IV centenário da morte do poeta e volta agora a prestar homenagem a Camões e à sua obra, património comum da humanidade.
Traduzido em várias línguas, representado, estudado e apropriado em diferentes partes do mundo, o poeta é um nome maior da história da literatura portuguesa e mundial.
Como escreveu Óscar Lopes: «Só se pode ver Camões e todas as suas condignas dimensões humanas se colocarmos a sua obra na perspectiva de vários séculos de luta, quer do povo português, quer de muitos outros povos, contra a exploração feudal, capitalista e capitalista-imperialista, luta pela autodeterminação real, inclusivamente económica e cultural, do povo português e de todos os povos que com ele podem hoje livremente dar-se as mãos, num combate que continua, e agora inequivocamente em comum».
Foi num país e num mundo em mudança que Camões escreveu Os Lusíadas, aí espelhando as grandes contradições de um pensamento e de uma realidade em transformação – traduzindo a dialética do progresso humano.
Uma realidade onde se projectava um novo sistema social (com a exploração e violência que lhe é inerente), em crescente confronto com a velha ordem feudal da servidão da gleba que imperava na Europa.
Lisboa era um importante centro do comércio na Europa, e para aí convergiam conhecimentos, experiências e saberes que os descobrimentos geográficos propiciavam, fazendo progredir o conhecimento científico.
Aqui surgia o terreno propício ao desenvolvimento do espírito crítico, da experimentação e da procura do novo que levava ao questionamento do adquirido por séculos de pensamento dogmático, imposto pelas autoridades religiosas. Era a experiência do vivido noutras paragens e noutras terras que levavam à interrogação, que libertava das falsas visões do mundo, das superstições e do saber escolástico assente nas verdades absolutas.
Perante o novo que as Navegações mostravam, aguçavam-se os sentidos, as capacidades de descrição e raciocínio e a experimentação.
As navegações permitiram unir continentes, descobrir novas terras, novas ilhas, novos mares, novas rotas, novas estrelas e novos céus.
Com elas ficámos a saber que do outro lado do Equador havia gente que partilhava a mesma morfologia.
Com elas foi possível acabar com ideias falsas, e o muito que deram a conhecer não caberia nesta intervenção.
Foi um tempo em que, como reconhecia Garcia de Orta: «sabe-se mais num dia agora pelos portugueses do que se sabia em cem anos pelos romanos».
Foi sob a forma de poema épico que Camões exaltou o seu povo e a sua pátria, assim como as realizações humanas, que ascendiam, na época, a novos patamares.
Um tempo, é preciso não esquecê-lo, em que a aristocracia dominante, incluindo parte da burguesia, olhava com simpatia a hipótese de Portugal se integrar na coroa de Castela – e como sabemos Portugal viria mesmo a perder a sua independência escassos anos depois da publicação de Os Lusíadas.
Como sempre, foi o povo que lutou para defender a independência nacional, como aconteceu na revolução de 1383-1385 ou para recuperar essa mesma independência perdida, em Dezembro de 1640.
Bem sabemos que a figura e em particular a obra de Luís de Camões foram manipulados pelo fascismo, que, procurando cobertura ideológica ao seu regime opressivo, as utilizou como instrumento de propaganda ao nacionalismo fascista e ao colonialismo.
Manipulação, instrumentalização e propaganda que ainda hoje se manifesta pelos que pretendem usar Camões e o V Centenário do seu nascimento, para promover ideias e concepções retrógradas, reaccionárias, chauvinistas, racistas, xenófobas e neocolonialistas.
Cá estamos para dar combate a essas pretensões e objectivos.
Camões e a sua obra não podem ser associados ao nacionalismo fascista nem à brutal exploração de outros povos desencadeada pelas classes dominantes, durante séculos, à escravatura e ao tráfico, às guerras de submissão e de conquista, dos que submetiam também o povo português ao seu domínio e exploração.
Camões é o poeta da aventura portuguesa nos oceanos, da descoberta mútua dos povos europeus, asiáticos, africanos, americanos, das relações entre povos, até então separados, das trocas comerciais e culturais.
Camões não é o poeta do obscurantismo, da manipulação de consciências, da censura, da repressão, do terror.
Camões é um poeta do Renascimento, essa época de exaltação das realizações humanas face ao divino e ao obscurantismo. Camões é um poeta do novo pensamento filosófico e científico, e que as classes dominantes, as forças reaccionárias de então procuraram reprimir e conter, nomeadamente através da Inquisição.
Camões não é o poeta dos poderosos e privilegiados do seu tempo. Camões não foi protegido pelo poder.
Camões é o poeta do povo e da pátria portuguesa, que denunciava as injustiças e as desigualdades, como deixou patente na sua extraordinária obra, em particular, no seu poema épico, Os Lusíadas.
Camões é o poeta do: «Todo o mundo é composto de mudança / Tomando sempre novas qualidades» versos avançados para a época, de dimensão dialéctica, numa altura em que o desenvolvimento das forças sociais não permitia ainda pôr em causa a ordem senhorial.
Nas palavras de Álvaro Cunhal, «Camões não é a voz da reacção e do colonialismo. Camões é a voz do nosso povo, dos Lusíadas, a voz da insubmissão ante os privilégios, a voz do progresso social e científico, a voz da nação portuguesa, num elevado sentido humanista».
A mola propulsora de Os Lusíadas assenta no pressuposto de que o Homem é Homem porque é um ser dotado de iniciativa criadora, não se limitando a agir com os elementos herdados biologicamente, mas, de forma audaciosa, lutando contra o conformismo, agindo pela transformação e pelo avanço.
Recusámos, denunciámos e demos combate como nenhum outro à propaganda fascista que antes do 25 de Abril pretendia justificar e glorificar a ideologia e política colonial, mas não olhamos para as descobertas geográficas, nem as vemos como simples episódios da expansão europeia, hegemónica e colonialista.
O período das navegações, impulsionado na sua origem por uma burguesia marítima e comercial com objectivos essencialmente comerciais, não é comparável ao posterior processo de domínio colonial sobre outros povos e que, ao mesmo tempo, submetia também o povo português ao seu domínio e exploração.
Foi no quadro da reposição histórica por inteiro que Álvaro Cunhal afirmou:
«Os portugueses têm razão de estar orgulhosos da epopeia dos grandes descobridores (…) da revolução popular, de carácter burguês e camponês, do fim do século XIV que deu sérios golpes no poder feudal (...) orgulhosos da actividade científica dos seus concidadãos, que permitiu descobrir territórios desconhecidos em África assim como o caminho marítimo para a Índia e para o Brasil (…). Mas não se pode solidarizar com as rapinas, as violências, os crimes monstruosos, de que se tornaram culpadas as classes dirigentes a seguir a estas descobertas.
Não pode estar de acordo com a brutal exploração secular dos povos coloniais, com os castigos corporais “tradicionais”, com a escravatura e o tráfico de negros, com as guerras de conquista e de extermínio».
A nossa intervenção nestas comemorações é um contributo para levar a obra de Luís de Camões até ao povo.
A classe operária, os trabalhadores, o povo português e os seus artistas, têm o direito e o dever de promoverem e enriquecerem criadoramente o acesso à sua obra, ao sentido mais avançado que o seu conteúdo incorpora e à ampla avaliação do tempo e do mundo em que Camões viveu.
Assinalar os 500 anos de Camões é afirmar o pensamento avançado, descobrir e respeitar as diferentes culturas, fomentar a cooperação entre os povos, dar combate à imigração ilegal, à concentração da riqueza nas mãos de uns poucos, às injustiças e desigualdades que afectam o nosso povo.
Assinalar os 500 anos de Camões é também afirmar o caminho novo que se impõe e romper com a política prosseguida por sucessivos governos.
uma política que PS vinha pondo em prática e que o Governo do PSD/CDS mantém e aprofunda: desinvestimento e ataque ao SNS, à Escola Pública, à Cultura, à generalidade dos serviços públicos; baixos salários e pensões, manutenção e agravamento da precariedade e das condições laborais; insistência no caminho de abdicação da soberania e da produção nacional.
Se PS se recusou a resolver os problemas, PSD e CDS aprofundam e aceleram esse mesmo caminho, um caminho a que CH e IL não só se associam como são protagonistas.
Opções políticas de fundo ao serviço de grandes interesses dos grupos económicos, opções contrárias à maioria. «O fraco rei faz fraca a forte gente», já escrevia Camões.
Assinalar os 500 anos de Camões é contribuir para fazer mais forte, a nossa forte gente, é afirmar a cooperação, solidariedade, respeito e soberania dos povos e dessa forma fazer frente à guerra, ao golpe, à ingerência, é reconhecer que cada povo tem direito de definir o seu próprio caminho, é lutar pela Paz.
Aproveitemos pois as comemorações deste poeta maior da literatura portuguesa e universal, que exaltou o seu povo e a sua pátria, para afirmar e defender a nossa soberania, a nossa independência, os valores do progresso social, da paz, da cooperação e da amizade, indissociáveis da luta emancipadora dos povos contra a exploração capitalista, por uma sociedade nova, sem exploradores nem explorados