Exposição de motivos
A situação que se verifica no nosso país em matéria de imigração, com centenas de milhares de processos de autorização de residência pendentes na Agência para a Integração, Migrações e Asilo sem obter qualquer resposta, é calamitosa a vários títulos.
É calamitosa para os cidadãos imigrantes que já vivem e trabalham, ou pretendem trabalhar, em Portugal de acordo com a lei e não conseguem sequer ser atendidos pelo serviço competente para proceder à sua regularização e à dos seus familiares, ficando assim condenados a uma situação de irregularidade com todas as consequências legais daí decorrentes. Esta situação configura uma inaceitável violação dos direitos desses cidadãos, como foi já reconhecido por diversas decisões judiciais.
É calamitosa para a sociedade portuguesa no seu conjunto. A falta de mão de obra em diversos setores de atividade que recorre ao trabalho de imigrantes, num quadro de baixos salários e de uma dramática crise no acesso à habitação, é agravada pela falta de resposta dos serviços que têm por missão garantir a possibilidade de os imigrantes trabalharem em Portugal em condições de legalidade.
Se a desregulação das condições de trabalho é um problema nacional que afeta todos os trabalhadores, é ainda mais grave quando a ela se junta a irregularidade da permanência em Portugal de muitos milhares de trabalhadores imigrantes.
O PCP alertou em devido tempo para as consequências da desastrada extinção do SEF e para a situação explosiva que se estaria a criar com o longo processo de inoperância dos serviços que se seguiu à criação da AIMA. O PCP não critica a opção positiva de separar os processos de regularização administrativa dos processos judiciais, mas sim a falta de resposta aos processos administrativos que daí resultou e que de dia para dia se agrava.
De acordo com dados transmitidos oficialmente pelo Governo, em 16 de maio estavam pendentes de resolução pela AIMA 294.445 processos de autorização de residência ao abrigo do artigo 88.º da Lei de Estrangeiros para atividade profissional subordinada, 50.174 processos de autorização de residência ao abrigo do artigo 89.º para atividade profissional independente, havendo ainda 67.000 processos em fase de análise de backoffice.
Esta acumulação de processos impõe que sejam tomadas medidas excecionais e urgentes com vista a garantir, no mais curto espaço de tempo possível, o atendimento das centenas de milhares de pessoas que precisam de regularizar a sua situação em Portugal. As medidas de emergência necessárias implicam a mobilização de recursos humanos, logísticos e de instalações adequadas.
No Plano de Ação para as Migrações anunciado em 3 de junho de 2024 o Governo reconhece a gravidade da situação resultante dos mais de 400.000 processos pendentes de regularização por parte da AIMA, contudo não avança com as medidas necessárias para a resolução desse grave problema.
As medidas anunciadas pelo Governo não só não resolvem os problemas existentes como podem ter consequências negativas no futuro.
O Plano do Governo procurou mais acompanhar as orientações do Pacto para as Migrações e Asilo da UE do que responder à urgência que está colocada a milhares de imigrantes no nosso país.
Para o PCP, a prioridade máxima devia ser a resolução dos mais de 400.000 processos de regularização pendentes na AIMA. O Governo, em vez disso, anuncia alterações legislativas no sentido de restringir a imigração legal.
Assim, o Governo, não só não resolve os processos pendentes, mantendo em situação irregular pessoas que entraram legalmente em Portugal, como, ao ignorar as necessidades de mão-de-obra imigrante e restringir o aceso em condições de legalidade, o Governo arrisca-se a promover a imigração ilegal com todas as consequências nefastas daí decorrentes, nomeadamente do favorecimento do tráfico de seres humanos e das máfias que o promovem.
Pelo contrário, o que faz é anunciar a eliminação imediata do regime legal das manifestações de interesse, que se arrisca a fazer aumentar a imigração ilegal, e anunciar a criação de uma unidade de missão para a resolução das pendências sem precisar medidas concretas e calendarizadas capazes de resolver esse grave problema.
Através do presente projeto de lei o PCP propõe a adoção de um Programa de emergência para a regularização dos processos de autorização de residência pendentes na AIMA ao abrigo do regime das manifestações de interesse previstas na lei.
Esse programa passa por uma mobilização transitória e excecional de recursos humanos, espaços físicos e meios logísticos para, num período de seis meses, entre outubro de 2024 e março de 2025 proceder à regularização dos processos pendentes.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei aprova um programa de emergência para a regularização dos processos de autorização de residência pendentes na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
O programa previsto na presente lei, adiante designado por Programa, visa a regularização dos processos de autorização de residência resultantes de manifestações de interesse requeridas ao abrigo do n.º 2 do artigo 88.º e do n.º 2 do artigo 89.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, na sua redação atual.
Artigo 3.º
Âmbito temporal
O programa tem a duração de seis meses e decorre entre o dia 1 de outubro de 2024 e 31 de março de 2025.
Artigo 4.º
Estrutura orgânica
Com vista à regularização, no mais curto prazo possível, dos processos referidos no artigo 1.º, o Governo define, no âmbito da AIMA, a estrutura orgânica especificamente encarregada de mobilizar os recursos humanos, os espaços físicos e os meios logísticos necessários à execução do Programa, bem como de dirigir a sua execução.
Artigo 5.º
Mobilização de recursos humanos
- Para a realização do programa previsto na presente lei a AIMA promove um processo de admissão de até dez mil trabalhadores titulares de um curso de licenciatura que estejam disponíveis, mediante retribuição, a prestar, sob a sua direção, entre setembro de 2024 e março de 2025, os serviços necessários à regularização dos processos de autorização de residência pendentes na AIMA.
- Deve ser plenamente aproveitada a disponibilidade dos cidadãos que participaram em concursos para acesso à Administração Pública e que no âmbito dos processos de seleção não foram colocados, que integram assim bolsas de contratação.
- Aos candidatos a participar no Programa é ministrado um módulo de formação específica, a ministrar pela AIMA com a duração mínima adequada a garantir a sua habilitação para desempenhar as tarefas que lhes sejam exigidas.
- Os candidatos participantes com avaliação positiva nas ações de formação são admitidos no Programa.
- São celebrados, com os trabalhadores admitidos no âmbito do Programa, contratos de trabalho a termo com a duração de seis meses com a remuneração e demais direitos correspondentes ao ingresso na carreira de técnico superior da Administração Pública, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- Os trabalhadores da Administração Pública que se disponibilizem a participar no Programa podem requerer a dispensa correspondente ao serviço a que se encontram adstritos, mantendo nesse caso a remuneração e demais direitos correspondentes ao lugar de origem.
- A dispensa referida no número anterior carece de autorização do serviço de origem tendo em conta as respetivas disponibilidades em matéria de recursos humanos, salvo nos casos em que a participação no Programa seja feita em regime de acumulação de funções, sendo o período de trabalho prestado no âmbito do Programa considerado para todos os efeitos legais.
- O tempo de trabalho a prestar no Programa não pode exceder as 35 horas semanais.
- Os horários de trabalho dos participantes no Programa são definidos no âmbito da legislação em vigor, podendo ser ajustados por mútuo acordo de modo a garantir o atendimento em horário alargado e aos fins de semana, bem como a conciliação com outras atividades profissionais, sendo o respetivo pagamento efetuado de acordo com a legislação em vigor.
- Os trabalhadores integrados no Programa gozam de preferência no ingresso na função pública no âmbito de processos concursais compatíveis com as suas habilitações.
Artigo 6.º
Mobilização de espaços físicos
A AIMA estabelece os protocolos de colaboração necessários com serviços da Administração Pública, autarquias locais e pessoas coletivas que disponham de instalações adequadas e acessíveis ao público para garantir a realização das ações de formação e a abertura de postos de atendimento no âmbito do Programa em todos os municípios em que tal se justifique.
Artigo 7.º
Disponibilização de meios logísticos
A AIMA providencia os meios logísticos necessários para que os locais de atendimento referidos no artigo anterior disponham dos meios e recursos técnicos necessários para a recolha dos dados biométricos e demais elementos necessários à instrução dos processos de regularização.
Artigo 8.º
Calendarização
Para a concretização do disposto na presente lei:
- o Governo procede à nomeação da estrutura orgânica referida no artigo 4.º até 15 de julho de 2024;
- a AIMA procede ao anúncio do concurso de admissão referido no artigo 5.º até ao final de julho de 2024;
- as ações de formação previstas no artigo 5.º decorrem durante o mês de setembro de 2024;
- os postos de atendimento do Programa funcionam entre 1 de outubro de 2024 e 31 de março de 2025.
Artigo 9.º
Funcionamento da AIMA
O disposto na presente lei não prejudica o funcionamento da AIMA no âmbito das suas atribuições legais, sem prejuízo da articulação com a estrutura orgânica prevista na presente lei com vista à prossecução do Programa.
Artigo 10.º
Procedimentos concursais
Após a conclusão do Programa previsto na presente lei é aberto procedimento concursal para a carreira de técnico superior, ao qual são automaticamente opositores os trabalhadores que nele estiveram integrados.
Artigo 11.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
- A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
- As disposições da presente lei que impliquem aumento das despesas do Estado entram em vigor com a publicação do Orçamento do Estado para 2025, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- A produção de efeitos financeiros da presente lei no ano económico de 2024 é determinada pelo Governo tendo em conta as disponibilidades financeiras constantes do Orçamento do Estado em vigor.