Declaração de Paula Santos, Presidente do Grupo Parlamentar

Apresentação das conclusões das Jornadas Parlamentares do PCP «O Orçamento do Estado e as soluções de que o País precisa»

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Agora que nos aproximamos do encerramento destas Jornadas Parlamentares, salienta-se o trabalho desenvolvido no aprofundamento da reflexão sobre o que efetivamente preocupa os trabalhadores e o povo, sobre as consequências nefastas da proposta de Orçamento do Estado para 2025.

No encontro com economistas foram muitos os dados e elementos concretos que desmontam as mistificações deliberadamente difundidas pelo Governo, alimentadas por PS, IL e CH, para iludir os trabalhadores, os reformados e os jovens, sobretudo nas matérias fiscais, com o objetivo de desviar a atenção da luta pelo aumento dos salários e das pensões, pela defesa dos serviços públicos e pelo desenvolvimento do País.

O IRS jovem, para lá do que representa de injustiça fiscal, não abrange a maioria dos jovens, que aufere menos de mil euros por mês, estando muitos isentos de IRS. Não é, e o Governo sabe, com uma medida desta natureza que os jovens deixarão de emigrar. Só a efetiva valorização dos salários permite melhorar as suas condições de vida.

Portugal tem impostos a menos sobre os lucros colossais dos grupos económicos e financeiros e as multinacionais e tem impostos a mais sobre os trabalhadores, os reformados e as micro, pequenas e médias empresas. O problema é de injustiça fiscal. A argumentação dos partidos de direita de que a redução do IRC é essencial para captar investimento estrangeiro não passa de um mito. Os dados estatísticos revelam que em muitos dos países com maior índice de desenvolvimento humano, os salários são mais elevados e a tributação sobre a capital é superior. 

O investimento público em Portugal é inferior à média dos países da União Europeia. Este é um problema estrutural que compromete o desenvolvimento económico - o facto de o investimento nas infraestruturas e na modernização e inovação tecnológica ser muito aquém do que é preciso. 

Confirmámos a importância do investimento na ferrovia na visita às oficinas da CP em Campolide. O trabalho altamente qualificado que ali se realiza, com as intervenções de manutenção e reparação em material circulante ferroviário, exige reforçar a modernização de instalações e equipamentos e a contratação e continuada formação de trabalhadores, como condição indispensável para a capacidade de resposta num serviço crítico para a segurança e a qualidade do transporte público.

Essa realidade é transversal à generalidade dos serviços públicos (seja nos transportes seja em todas as áreas), onde o esforço e o profissionalismo dos trabalhadores enfrentam profundas dificuldades resultantes de décadas de desinvestimento e degradação dos serviços – inclusive no que diz respeito à falta de pessoal que se foi acentuando e que urge inverter. É cada vez mais difícil recrutar e manter trabalhadores com as condições inaceitáveis que lhes são impostas.

Sobre as questões económicas, uma nota para a perda de soberania orçamental, em que, cada vez mais o que é central nas decisões orçamentais não é decidido em Portugal, mas pelas instituições da União Europeia. Estamos a assistir à subordinação do Governo às imposições da União Europeia e do Euro, desviando recursos públicos necessários ao desenvolvimento do País para uma redução acelerada da dívida, quando se poderia e deveria reduzir esse endividamento por via do estímulo à produção nacional, ao investimento público e ao crescimento económico. O Governo quer reduzir o endividamento fragilizando o País, o PCP quer a redução da dívida produzindo mais para dever menos.  

Este é um orçamento que não serve o povo, nem serve o País. Esta é também a conclusão que podemos retirar da audição com as associações profissionais e os sindicatos dos trabalhadores da Administração Pública.

A situação em todos setores é extremamente preocupante. O desinvestimento reflete-se na falta generalizada de trabalhadores, as carreiras estão profundamente desvalorizadas, a perpetuação da precariedade que ainda atinge mais de 87 mil trabalhadores, o injusto e iníquo do sistema de avaliação - o SIADAP, a desregulação dos horários de trabalho, os baixos salários - tudo isto constitui um ataque aos direitos dos trabalhadores e  tem como consequência a degradação dos serviços públicos, a perda de qualidade e de proximidade, ao mesmo tempo que, são cada vez mais as áreas entregues a grupos económicos privados.

O País precisa de um orçamento e de uma política alternativa. Uma política que combata as injustiças e as desigualdades, que valorize quem trabalha e trabalhou uma vida inteira, que garanta serviços públicos de qualidade e justiça fiscal. É neste sentido que o PCP intervirá no debate orçamental, com a apresentação de propostas e soluções concretas.

A valorização dos salários e das pensões, dos trabalhadores e reformados respetivamente, é essencial para melhorar as suas condições de vida e fazer face ao elevado custo de vida, para garantir uma perspetiva de futuro aos jovens no nosso País, para dinamizar o mercado interno, para combater a pobreza. Limitar o aumento dos salários dos trabalhadores da Administração Pública a 2% e a atualização das pensões a pouco mais do que isso, como pretende o Governo não permite recuperar nem valorizar o poder de compra. O PCP irá propor a valorização do poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública e do Setor Empresarial do Estado, incluindo o Setor Empresarial Local, por via da negociação coletiva com os representantes dos trabalhadores, que considere a reposição e valorização do poder de compra em 2025 e a fixação de mecanismos de reposição face às perdas acumuladas desde 2010. O PCP entende que a referência para o aumento dos salários deverá fixar-se nos 15%, com um mínimo de 150 euros, a par do aumento do salário mínimo nacional para 1000 euros em janeiro de 2025 e não para 2028. O PCP irá propor também o aumento extraordinário das pensões em 5%, no mínimo de 70 euros por pensionista.

Uma das maiores dificuldades com que o Serviço Nacional de Saúde está confrontado é com a falta de profissionais. Apesar de ser uma realidade há muito identificada, o Governo não avança com uma única medida para fixar profissionais de saúde no SNS, para valorizar as suas carreiras e remunerações, para garantir condições de trabalho.  Com o objetivo de dotar o SNS com os profissionais que são necessários para assegurar o funcionamento dos serviços, para a realização das consultas, cirurgias, tratamentos e exames a tempo e horas e para atribuir médico e enfermeiro de família aos utentes, o PCP proporá a criação de um regime de dedicação exclusiva no SNS, de carácter opcional, para médicos e enfermeiros, com a possibilidade de ser alargado a outros profissionais de saúde em falta no SNS, com a majoração em 50% da remuneração base e em 25% na contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão.

Um dos grandes problemas na Escola Pública é a falta de professores. No início deste ano letivo eram mais de 150 mil alunos sem pelo menos um professor a uma disciplina, número que tem vindo a aumentar ao longo dos anos e se não forem adotadas soluções estruturais nomeadamente a valorização da carreira e da profissão, a tendência é para se agravar o problema. As medidas decididas pelo Governo avulsas e limitadas, não resolveram o que se impunha resolver e introduziram discriminações entre professores. Assim, o PCP apresentará uma proposta para combater a carência de professores, que abrange todos os professores deslocados, para a atribuição de um apoio à habitação até 700 euros e de um apoio à deslocação, quando a distância entre a residência e a escola for superior a 50km.  

As propinas, as taxas e emolumentos constituem um obstáculo no acesso de milhares de estudantes ao ensino superior. Entre 2015 e 2021, foi possível fazer um percurso na redução do valor da propina na licenciatura, mas é preciso ir mais longe, é preciso eliminar as propinas em todos os ciclos, na licenciatura, no mestrado e no doutoramento. Atualmente milhares de estudantes ficam à porta destes ciclos de ensino devido aos preços exorbitantes que estão a ser cobrados. Garantir o direito à educação para todos passa pela gratuitidade do ensino e pelo adequado financiamento das instituições de ensino superior através do Orçamento do Estado. Neste sentido, o PCP irá propor a eliminação das propinas de licenciatura, mestrado integrado, mestrado, doutoramento, pós-graduações e cursos técnicos superiores profissionais, assim como a eliminação das taxas e emolumentos, prevendo a devida compensação às instituições de ensino superior.

Encontrar uma casa que se consiga pagar é cada vez mais difícil, face aos elevados custos com a habitação, devido à especulação, à liberalização no arrendamento e às elevadas taxas de juro que alimentam os milhões de euros de lucros da banca. É preciso uma intervenção firme e determinada para defender o direito à habitação, para garantir estabilidade e reduzir os valores das rendas, que quer o anterior, quer o atual Governo recusaram. Por um lado, o PCP avançará com propostas para reforçar os direitos dos inquilinos, através da garantia da estabilidade do arrendamento, definindo um período de 10 anos para a duração do contrato e da limitação do aumento do valor das rendas nos novos contratos de arrendamento face ao valor da média dos contratos nos últimos cinco anos. Por outro lado, com o objetivo de proteger a habitação própria de quem tem empréstimo à banca, o PCP proporá que sejam os lucros da banca a suportar os efeitos das altas taxas de juro.

Milhares de crianças até aos 3 anos não têm acesso a uma vaga em creche. De acordo com os dados disponíveis, estima-se que haja cerca de 120 mil vagas em creche e o número de crianças entre os 0 e os 3 anos são cerca de 250 mil. Isto significa que é preciso duplicar o número de vagas. Só é possível garantir a todas as crianças a gratuitidade da creche com a criação de uma rede pública de creches. Neste sentido, o PCP proporá a criação de uma rede pública de creches, com o objetivo de disponibilizar 100 mil vagas até 2028 e de mais 148 mil até 2030, articulado com a abertura de mais salas na rede pública de educação pré-escolar. 

Não é só na infância que há falta de equipamentos, também faltam equipamentos e serviços de apoio às pessoas idosas. O PCP irá propor a criação de uma rede pública de estruturas residenciais para idosos, assegurada diretamente pela Segurança Social, com o objetivo de criar 80 mil vagas até 2026. Esta é a solução para enfrentar as longas listas de espera para uma vaga em lar, mas também para combater a proliferação de lares ilegais. 

O PCP irá propor que sejam adotadas medidas de emergência para garantir a aquisição de material circulante para reforçar a oferta nos serviços urbanos, regional e inter-regional da CP, invocando se necessário o interesse público para que o processo de adjudicação não seja interrompido perante as impugnações que estão a bloquear o concurso público. Irá ainda propor que seja desbloqueada a contratação de trabalhadores nas empresas do Estado, seja nos transportes seja noutros serviços públicos, para responder às suas necessidades operacionais.

No plano fiscal, é preciso avançar para uma justa política fiscal, aliviar a tributação sobre os rendimentos do trabalho e as micro, pequenas e médias empresas e tributar efetivamente os lucros dos grupos económicos. Assim, o PCP irá propor a redução do IVA para 6% para a eletricidade, gás natural e de botija e para as telecomunicações. São serviços essenciais, pelo que a redução IVA beneficia em particular as famílias, mas também as micro, pequenas e médias empresas. 

Por outro lado, o PCP irá propor em sede de IRC a eliminação dos benefícios fiscais, que para 2025 se estima que atinjam 1800 milhões de euros, assim como a tributação efetiva dos lucros gerados em Portugal. É inaceitável que os grupos económicos utilizem diversos subterfúgios para não pagarem o que é devido pelos lucros obtidos, recorrendo a múltiplos mecanismos e até colocando as suas sedes fiscais noutros países Para além de maior justiça fiscal, estas medidas permitem também obter mais receitas públicas, para investir, por exemplo nos serviços públicos e nas funções sociais do Estado

Avançamos, desde já, estas 14 propostas com soluções concretas que apresentaremos no âmbito do Orçamento do Estado. São propostas justas, possíveis e necessárias. Não ficaremos por aqui. Estamos desde já a preparar uma intervenção em diversas áreas que a seu tempo daremos conhecimento, porque a realidade exige respostas e soluções efetivas no Orçamento do Estado e para lá dele.

Uma última referência a propósito do julgamento sobre o BES. Mais de 10 anos depois do colapso do BES, inicia-se hoje o julgamento de alguns dos protagonistas do maior assalto de que há memória em Portugal - o assalto ao BES por parte daqueles a quem era confiada a sua propriedade e gestão sob o suposto olhar atento das autoridades de regulação e supervisão. Não obstante a morosidade de todo o processo, importa assegurar que os tribunais estejam munidos de todos os meios para um julgamento justo e a aplicação e execução de uma sentença que permita, por um lado, apurar a verdade, por outro, resgatar para o Estado tudo quanto possa ainda ser resgatado. Neste momento, importa ainda dizer que, independentemente do desenvolvimento do processo e do julgamento, afirma-se com cada vez maior relevância a posição que o PCP assumiu em 2015: em vez de uma nova privatização do BES, todo o Grupo Espírito Santo deveria ter sido integrado na propriedade do Estado para pagar os milhares de milhões de euros resultantes do rombo que os seus acionistas maiores cometeram junto do Banco. 

Privatizações, poder e domínio do grande capital sobre a vida nacional, promiscuidade com o poder político, corrupção, assalto aos recursos do Estado, supervisão a fingir e submissa aos grandes interesses – o BES representou e representa tudo isto na sociedade portuguesa. 

Gostaríamos de estar a dizer que tudo quanto levou a esta situação escandalosa está hoje ultrapassado. Infelizmente não é assim. Estamos perante um Governo que quer ainda mais privatizações, que está a trabalhar para dar ainda mais privilégios ao grande capital. Fica este alerta, mas também a firme determinação do PCP para dar combate a esta estratégia.

Terminadas as Jornadas Parlamentares do PCP, podemos afirmar que durante estes dois dias, muitos foram as reflexões sobre a situação do País, dos trabalhadores e do povo. Foi um contributo do PCP para centrar a discussão nos aspetos cruciais do Orçamento do Estado e que importam para a vida das pessoas. Saímos destas Jornadas, com o compromisso de uma intervenção séria e determinada no debate orçamental, não deixando de confrontar o Governo com as consequências negativas das suas opções políticas, afirmando o caminho alternativo que é necessário trilhar para melhorar as condições de vida dos trabalhadores, dos reformados e dos jovens, pelo desenvolvimento e por um País com futuro.

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