Intervenção de Alma Rivera na Assembleia de República

Sobre a disseminação não consensual de conteúdos íntimos na internet

Ver vídeo

''

Por diversos fatores, os casos de disseminação não consensual de conteúdos íntimos têm vindo a aumentar e, apesar destes casos assumirem diversos contornos, o que se tem verificado é que este crime visa atingir maioritariamente mulheres, muito por conta de conceitos e preconceitos retrógrados, assim como se verifica que na maioria das vezes estas imagens ou conteúdos vários são primeiramente divulgadas para humilhar um ou uma ex-parceira, mas também podem ser usadas para ameaçar, assediar e controlar a parceira atual (ou antiga), sendo que estes comportamentos de ameaça já constituem por si mesmo, uma forma de violência sobre o outro, trazendo por si só impactos negativos.

Mas também se sabe que as vítimas acabam silenciadas, porque para além de toda a vergonha associada, medo e sofrimento, está ainda o temor da revitimização e culpabilização da vítima e a sua humilhação pela ação que deu origem à partilha não consentida.

Não é preciso enumerar casos infelizmente conhecidos pelas piores razões, porque levaram a desfechos de desespero.

Estão em causa a violação de direitos fundamentais, como o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e o direito à integridade pessoal, que incluem a liberdade e autodeterminação sexual, e a reserva da vida privada.

Põem em causa também outras dimensões da vida, como o direito ao trabalho, muitas vezes de forma duradoura.

De facto há um consenso de que são necessárias melhores soluções jurídicas.

Soluções que apontem no sentido de traduzir a censura social que este crime merece no código penal, fazendo corresponder uma realidade social à lei.

Soluções que visem fazer cessar o dano o quanto antes, que responsabilizem a disseminação mas também que tutelem o direito a impedir essa disseminação a cessação da disseminação não consensual dos conteúdos íntimos é de facto condição essencial para a reparação dos danos causados.

Soluções que devem ainda ser melhoradas em matéria de especialidade, nomeadamente a questão de se autonomizar ou não o crime, esta questão é suscitada também nos pareceres que chegaram a AR e merece reflexão.

O projeto de lei do PS parece-nos uma boa base para partirmos para um trabalho de especialidade com vista a uma maior proteção da vítima.

Por outro lado, não entendemos que devam ser adotadas Soluções que apontem no sentido de tornar crime público.  A justiça tem de ser feita, mas não apesar da vontade da vítima, mas com a vítima. A autonomia da vítima é para ser respeitada. A vontade da vítima não pode ser apenas instrumental à ideia de justiça.

É preciso sim criar as condições para que cada um jamais deixe de demandar justiça por medo, vergonha ou descrença na justiça.

Mas também não somos favoráveis a soluções que involuntariamente perpetuem a responsabilização da vítima, nomeadamente com a denominação adotada para o crime de pornografia não consentida.

Tendo isto em mente, trabalharemos na especialidade, para encontrar uma alteração legislativa que vá ao encontro dos objetivos que são partilhados. Trabalhar para uma sensibilização real sobre estas questões e uma consciência diferente em matéria de sexualidade.

Mas sobretudo criar melhores condições para a realização da justiça e a proteção da vítima.

 

  • Assuntos e Sectores Sociais