Declaração de Ângelo Alves, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Conferência de Imprensa

Sobre as conclusões do Conselho Europeu de 13 e 14 de Dezembro

As conclusões do Conselho Europeu traduzem a insistência num rumo de desastre que, a não ser travado, terá enormes consequências para os direitos e aspirações dos trabalhadores e dos povos, e para as soberanias nacionais da generalidade dos Estados membros da União Europeia.

O caminho do aprofundamento da União Económica e Monetária (UEM) configura uma perigosa fuga em frente face ao desenvolvimento da crise económica e social na União Europeia que as decisões agora tomadas não conseguem iludir. É um caminho que visa aprofundar os pilares do neoliberalismo e do federalismo - as causas que, no quadro do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, estão na origem da actual situação de autêntico desastre económico e social no nosso país e, de forma geral, na União Europeia.

Tal caminho só poderá conduzir ao agravamento dos défices estruturais de países como Portugal - pondo em causa o seu direito ao desenvolvimento económico - e a um ainda maior retrocesso social. Tal como o demonstram os resultados das ditas “reformas estruturais” que o aprofundamento da União Económica e Monetária pretende institucionalizar, levar mais longe e contratualizar, o resultado deste caminho será maior divergência económica e social e uma ainda mais acentuada relação de dependência dos Estados como Portugal face ao grande capital e às grandes potências, nomeadamente a Alemanha.

Contrariamente à propaganda oficial que acompanhou esta reunião do Conselho Europeu, as decisões agora tomadas não representam qualquer novo caminho e muito menos uma solução para a “desunião”, agora reconhecida pelo Conselho. Bem pelo contrário, tais decisões aprofundam o problema, uma vez que são exactamente a União Económica e Monetária e o Euro que estão na origem de alguns dos mais graves problemas que o nosso país e outros países da Europa enfrentam. O seu reforço só poderá gerar maior destruição do nosso aparelho produtivo, o acentuar dos défices produtivos e do défice orçamental, e o crescimento da dívida pública.

Os novos mecanismos de domínio económico apontados no âmbito do aprofundamento da União Económica e Monetária somam-se agora ao Pacto de Estabilidade, à Governação Económica reforçada e ao Pacto Orçamental para, numa lógica federalista e neocolonial, impor o neoliberalismo como lei, assegurar como regra a transferência directa de riqueza e recursos públicos para o grande capital, e impor como linha orientadora a destruição de direitos sociais e laborais, o empobrecimento e a restrição de direitos democráticos.

O chamado "mecanismo único de supervisão", cujos primeiros passos acabam de ser dados, constitui um reforço do poder e do papel do Banco Central Europeu, conferindo-lhe, no quadro da manutenção da sua falsa independência e da sua iniludível ligação ao grande capital financeiro, designadamente alemão, o papel de supervisão do grosso do sistema bancário. Tal decisão constitui mais um inaceitável golpe na soberania nacional sobre um sector fundamental para a condução da política económica, sector esse que ao invés de ser comandando por interesses privados, alheios e mesmo contrários aos interesses dos trabalhadores e do povo português, deveria estar sob o controlo político e democrático de cada país.

A criação deste "mecanismo único de supervisão" mais não é do que uma forma política de agilizar o processo de centralização e concentração de capital no plano da União Europeia, uma nova forma de gestão da concorrência entre os monopólios do sector financeiro, preparando, de acordo com os interesses dos mega bancos europeus, a fusão e/ou o desaparecimento de alguns bancos e empresas deste sector. O BCE não apenas terá acesso aos balanços dos bancos, como lhes continuará a fornecer crédito a taxas de juro irrisórias para que estes continuem a emprestar aos Estados a taxas de juro várias vezes mais elevadas, mantendo o roubo dos recursos nacionais, pelo que o argumento da quebra do “ciclo vicioso” entre os Estados e os Bancos não passa de uma falácia. O acordo entre a direita e a social-democracia em torno destas medidas vem mais uma vez revelar que ambas estão unidas na defesa do reforço da concentração de monopólios e na manutenção do papel do BCE, indissociável da espiral de especulação e de espoliação dos recursos públicos dos Estados membro da União Europeia.

O PCP chama a atenção para a gravidade destas decisões e de outras que lhes estão associadas, nomeadamente a perda de poder de decisão das instituições de soberania nacional, particularmente a Assembleia da República, na definição dos objectivos, prioridades e meios associados aos Orçamentos do Estado, o que constituirá mais um rude golpe na Constituição da República Portuguesa.

Tal como o PCP denunciou e as conclusões do Conselho tornam mais claro, todas estas decisões estão associadas à tentativa de tornar permanentes as medidas do Pacto de Agressão das troikas nacional e estrangeira que está a infernizar a vida dos portugueses: mais desemprego, mais impostos, cortes nos salários, cortes nos direitos sociais, na educação, saúde, transportes, etc.

Um tal processo configura uma perda acelerada de poder democrático e de soberania nacional pelo povo português, que nenhum reforço dito democrático de instituições supranacionais, nomeadamente do Parlamento Europeu, poderá substituir.

O PCP chama a atenção para a gravidade das conclusões do Conselho no que respeita à chamada Política Comum de Segurança e Defesa. Confirmando a interdependência dos três pilares do processo de integração capitalista europeu – o neoliberalismo, o federalismo e o militarismo - tais conclusões apontam claramente para um reforço do militarismo e dos processos de ingerência externa por parte da União Europeia. Uma orientação bem patente nas decisões de intensificar o desenvolvimento da chamada “capacidade de defesa” da União Europeia, de acentuar ainda mais, por via das cooperações reforçadas, a submissão das Forças Armadas de cada Estado aos interesses estratégicos das principais potências e da NATO, e de reforçar o poderio e desenvolvimento do complexo industrial militar da União Europeia, o que conduzirá a um aumento das despesas militares do conjunto dos Estados membros da UE, ainda mais inaceitável no actual quadro de profunda crise económica e social.

Num quadro de crescentes tensões e focos de conflito, e de uma cada vez mais clara estratégia intervencionista da União Europeia, tais orientações constituem motivo de grande preocupação e inquietação, revelam a natureza imperialista e agressiva da União Europeia – pilar europeu da NATO – e colocam na ordem do dia a necessidade do reforço da luta pela paz e contra o militarismo no continente europeu.

O PCP reafirma que há uma alternativa política a este rumo e a estas políticas, indissociável do objectivo da dissolução da UEM.

É necessária uma profunda alteração dos estatutos, das orientações e da falsa autonomia do Banco Central Europeu, garantindo a presença em igualdade dos Estados na sua direcção, de forma a assegurar o efectivo controlo político pelos seus Estados-membros, o controlo político pelos Estados dos bancos centrais nacionais, visando uma política económica a favor do crescimento económico e do emprego.

É necessário o reforço do papel do sector público financeiro, nomeadamente por via da nacionalização, promovendo o desenvolvimento económico do nosso país, apoiando o investimento produtivo e criador de emprego, apoiando as micro, pequenas e médias empresas, a agricultura e as pescas, o sector cooperativo e social, e as famílias.

É necessária uma ruptura com um rumo que agora é aprofundado nas suas mais diversas vertentes, não apenas no plano económico, mas também no da afirmação da União Europeia como bloco económico, político e militar de natureza imperialista, como confirmado aliás pelas decisões de aprofundamento do militarismo e intervencionismo da União Europeia tomadas neste Conselho Europeu.

As conclusões do Conselho Europeu insistem num rumo que está condenado ao fracasso. Esta é a realidade. Um rumo que é cada vez mais contestado pelos trabalhadores e os povos em poderosas jornadas de luta nos mais diversos países europeus. Um rumo cujas consequências evidenciam cada vez mais a necessidade urgente de derrotar a União Europeia do grande capital, militarista, federalista e neoliberal, e construir uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos, de cooperação, paz e justiça social, uma Europa de Estados soberanos iguais em direitos, promotora da verdadeira solidariedade e coesão social.

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