Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Conferência de Imprensa

Sobre o aumento de preços em 2008

1 - O novo ano que agora começou transportou consigo os velhos problemas com que milhões de portugueses terminaram 2007. Um ano que foi marcado por uma das mais violentas ofensivas sociais de que há memória no Portugal de Abril, e que é hoje evidente nos muitos sinais de retrocesso social que tem nos mais de meio milhão de desempregados, nos cerca de um milhão e meio de trabalhadores precários, nos dois milhões de pobres, números que confirmam uma realidade sofrida, uma pronunciada marca de injustiça social que passados estes dias de festa e de família não fizeram esquecer e que transformaram a mensagem de Natal do Primeiro Ministro numa mera fantasia.

2 - Para os trabalhadores e para o Povo português, não existem dúvidas quanto ao facto de ter sido um ano marcado pelo agravamento do custo de vida, aumentaram as despesas com a saúde, a educação, os transportes, a água, a electricidade, o gás, os produtos alimentares com destaque para o pão, o leite e os produtos hortícolas. Aumentaram também as despesas com a habitação, com um enorme peso dos empréstimos à habitação que atingem hoje mais de um milhão e seiscentas mil famílias e cujas taxas de juro subiram, em apenas um ano, mais de 20%. Empréstimos que são o principal factor que contribuiu para o endividamento das famílias que atinge 124% do rendimento que as mesmas têm disponível.

3 - Mas, como se não bastasse, à boleia do ano que começa, assistimos a um novo aumento generalizado dos preços de bens e serviços essenciais, em regra superiores aos valores da inflação prevista. Refira-se que em muitos destes casos não estamos a falar de actualizações anuais já de si duvidosas tendo em conta a evolução geral dos salários, reformas e pensões, mas sim, de novos aumentos depois daqueles que se registaram durante o ano e que são agora anunciados com a reserva de que, ainda durante 2008, sofrerão novas actualizações como acontece no caso dos transportes cujo o aumento é 3,9%.

A lista dos aumentos dos preços de bens e serviços essenciais que tem sido tornada pública é, por assim dizer, quase que interminável. Os aumentos no pão, com toda a carga simbólica e o significado que este produto tem na nossa dieta alimentar, poderão chegar aos 30%, os restantes produtos alimentares rondarão os 5 a 10% com destaque para o leite e seus derivados, anuncia-se também uma subida no preço da electricidade de 2,9%, os aumentos no gás andarão entre os 4,3 e os 5,2% e os novos preços nas portagens já estão em vigor com um acréscimo de 2,6% aos valores praticados em 2007. Na saúde, depois de um ano em que as despesas subiram em média 7,5% (três vezes mais do que a inflação registada) e só os serviços hospitalares cresceram 53,8%, é já conhecida a intenção do governo em aumentar as taxas moderadoras em 4%, valores que se integram na estratégia de destruição do Serviço Nacional de Saúde em benefício dos interesses privados que operam e que se querem instalar no sector.

Igualmente chocante é o sistemático aproveitamento que as grandes marcas de combustível fazem da situação internacional em que se encontram os mercados petrolíferos, como aconteceu agora no início deste ano. Se é verdade que o preço do barril do petróleo tem subido, os grandes responsáveis pelo preço que os consumidores pagam por cada litro de gasolina ou gasóleo são os fabulosos lucros das empresas que não param de subir e a enorme carga fiscal de que estes produtos são alvo. Com uma agravante, é que o aumento dos combustíveis reflecte-se inevitavelmente nos preços da maioria dos bens de consumo.

Mas se é verdade que sobe o preço, do pão, da carne, dos serviços de saúde ou de transporte, não podemos dizer que estes aumentos atingem todos por igual. Eles são sobretudo sentidos por quem vive do seu salário, da sua reforma, da sua pensão. É na classe operária e no conjunto dos trabalhadores e reformados que de uma forma mais violenta se faz sentir o brutal aumento do custo de vida.

4 - O aumento dos preços torna ainda mais evidente a injusta repartição do rendimento nacional que tem sido impiedosamente agravada pelas políticas de direita do Governo do PS. O Sr. Presidente da República chamou agora a atenção para os ordenados chocantes com que os administradores das grandes empresas se presenteiam a si mesmos. É justo o reparo, mas a verdade é que igualmente obscena é a política de efectivo favorecimento dos lucros e da acumulação capitalista que este governo impõe, em detrimento de uma justa valorização dos salários e pensões. Aliás, o que esta situação torna claro, é que a não existir um aumento dos salários, reformas e pensões, o ano que agora começa traduzir-se-á em novas perdas de poder de comprar, em novas dificuldades, em novas amarguras para quem trabalha.

Que o digam os trabalhadores da administração pública, que depois de 7 anos a perder poder de compra, estão hoje confrontados com um aumento igual ao da inflação prevista, isto é, de 2,1%.

Que o digam centenas de milhar de trabalhadores do sector privado, cujo patronato se sente animado pelo exemplo que o Governo dá no sector público, e tudo faz para bloquear a contratação colectiva e impor aumentos salariais de miséria.

Que o digam os reformados e pensionistas, que neste ano de 2008 começam a sentir na pele os efeitos da chamada reforma da segurança social. Que se traduziu num aumento diário de 21 cêntimos para os que têm carreiras contribuitivas inferiores a 15 anos; 23 cêntimos para carreiras entre os 15 e os 20 anos; 26 cêntimos entre os 21 e os 30 anos e 32 cêntimos para quem tenha carreiras de 31 anos e mais. Estes valores que chocam pela insensibilidade social praticada pelo governo são ainda mais gritantes no caso da pensão social cujo o aumento é de 16 cêntimos por dia e dos agrícolas com 19 cêntimos, valores que ficam aquém da necessária reposição do poder de compra e que seguramente agravarão os problemas de pobreza entre os idosos.

Tal como afirmámos antes, o aumento do salário mínimo nacional alcançado pela persistente luta dos trabalhadores, sendo insuficiente, deve constituir uma importante referência para a elevação geral do valor dos salários e um estímulo para as lutas que se seguirão no futuro. Corresponde também a uma necessidade de desenvolvimento do país, de elevação das condições de vida de quem trabalha, de animação do consumo interno e de crescimento da nossa economia.

5 - Para o PCP, este conjunto de aumentos torna absolutamente incompreensível o valor da inflação prevista e coloca sérias dúvidas quanto ao rigor que está a ser utilizado para estimar o valor da inflação. Como é sabido, a inflação é calculada com base num cabaz de compras (despesas) das famílias, que tem ainda como referência o Inquérito aos Orçamentos Familiares realizado em 2000 (ainda antes da entrada de Portugal na Zona Euro) e do qual não faz parte, a título de exemplo, o valor dos chamados empréstimos à habitação. É verdade que um novo inquérito às Despesas Familiares foi realizado em 2005, mas os seus resultados ainda não são conhecidos tendo a sua divulgação vindo a ser adiada mês após mês. É pois da maior urgência que o Governo não só dê uma explicação sobre este assunto - o PCP continua à espera de uma resposta a um requerimento apresentado em Janeiro de 2006 -, como também, que se proceda a uma revisão dos critérios que levam a determinar a inflação, sob pena, de se tornar ainda mais evidente o facto deste indicador ser sobretudo um importante instrumento e um garrote para fazer conter a evolução salarial no nosso país.

6 - Ano novo com velha e requentada política, com velhos e requentados discursos que piamente e para sossego das consciências se vão preocupando com os efeitos sociais dolorosos, escondendo e matizando as causas, as políticas, as medidas económicas e sociais que levam a este estado de coisas. Mais exigente se torna assim o prosseguimento da luta por uma nova política, por uma vida melhor num país com mais justiça.

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