O património teórico, histórico e de acção política do PCP em defesa da independência nacional, como parte integrante de um projecto democrático, progressista e que defenda os interesses populares, é um património extenso e longo, já de várias décadas ao longo dos nossos 92 anos de existência. Desde a nossa fundação nos assumimos como partido patriótico e internacionalista, concebendo a luta em defesa dos interesses nacionais e contra o imperialismo como parte integrante da luta pela emancipação nacional e social de todos os povos.
Sobre esta matéria, é particularmente determinante o estudo teórico e o pensamento de Álvaro Cunhal – cujo centenário do nascimento comemoramos este ano – que analisou, em diversos momentos da história portuguesa, as posições de traição nacional que sempre couberam às classes dominantes e caracterizou a luta pela independência nacional como tendo, nos diversos períodos históricos, uma matriz classista. Desde a revolução burguesa de 1383-85 – na qual a burguesia e as classes populares se rebelaram contra a traição nacional da nobreza cúmplice da intervenção reacionária castelhana – até ao governo fascista de Salazar que caracterizámos como um governo de traição nacional – por granjear o apoio das potências imperialistas como a Inglaterra que mantiveram Portugal como uma semicolónia durante todo o fascismo, dominada pelos monopólios internacionais – são diversos os momentos históricos que comprovam que a luta pela independência nacional foi uma luta que interessou sempre às classes dominadas.
Durante o fascismo, o PCP sempre considerou que a luta pela liberdade e a democracia e a defesa da independência nacional eram objectivos inseparáveis. E combatemos sempre as posições que vinham de algumas fileiras do movimento anti-fascista que defendiam a penetração do capital estrangeiro como factor de progresso para Portugal.
Em 1980, antes da entrada de Portugal na então CEE, e a propósito da discussão da entrada no Mercado Comum, fomos certeiros ao afirmar numa Conferência então realizada que “o mercado comum procuraria fazer estagnar, submeter, absorver ou liquidar sectores da economia portuguesa concorrentes com os sectores em crise no Mercado Comum e que procuraria dificultar o desenvolvimento económico de Portugal tendente ao aproveitamento dos recursos naturais para o bem do nosso país e procuraria apropriar-se dos recursos portugueses”. Falámos do desastre para a economia portuguesa que tal opção constituiria. Hoje – a evolução da UE e dos seus pilares neoliberal, federalista e militarista e a situação em que Portugal se encontra (refém, ocupado, chantageado pelas grandes economias e seus monopólios económicos e financeiros) – comprovam mais uma vez o acerto das posições que tomámos.
O mercado único, significou, efectivamente o aumento da dependência externa e a privatização das várias esferas da vida económica e social, nomeadamente dos serviços públicos - basta lembrar, hoje, que Portugal conheceu um agravamento do défice da balança comercial que passou de 2,4% do PIB, em 1985, para 9,2% em 2005. A nossa soberania e independência económicas foram ficando cada vez mais diminuídas no campo económico e tal agravou-se com a entrada na Zona Euro que, ao mesmo tempo que nos colocou sob os condicionalismos do PEC, configurou a destruição nossa soberania em matéria de política monetária, com a impossibilidade de emitir moeda nacional e hoje sujeitos à chantagem da “bancarrota” que o BCE e o nosso governo – defendendo, portanto, as ligações do capital financeiro português com os grandes monopólios internacionais – fazem ao povo e aos trabalhadores portugueses. Dessa chantagem fazem também parte a troika – constituída pela União Europeia e o FMI – e agora cada vez mais, a institucionalização dos mecanismos europeus de extorsão – como as políticas da “Governação Económica”, do “Semestre Europeu”, do “Pacto para o Euro Mais”, do “Tratado Orçamental”.
Mas se o roteiro da retirada de soberania económica é mais visível, hoje aprofunda-se uma outra dimensão importante do federalismo – a retirada de soberania política e o ataque às instituições democráticas nacionais e aos órgãos de soberania. É certo que a troika e os mecanismos europeus de “vigilância orçamental” já condicionam fortemente as opções políticas dos Estados ao condicionarem a política orçamental destes. Mas, em tempos de crise, e de crise de identidade das populações em relação à credibilidade da UE – se é que alguma vez existiu uma “identidade europeia” e ela não foi simplesmente fabricada por engenhosas máquinas de propaganda – o sonho federalista da União Política é cada vez mais um objectivo das classes dominantes. Na Comunicação de 12 de Setembro de 2012, Durão Barroso foi bastante elucidativo – «Apelo hoje à criação de uma Federação de Estados-Nação. Não à criação de um super-Estado. Uma federação democrática de Estados-Nação que possa dar resposta aos nossos problemas comuns”. Uma das maiores ofensivas a que hoje assistimos é, precisamente, à tentativa de desmantelamento dos regimes políticos nacionais e das suas especificidades, porque tal é considerado como um obstáculo à concentração do poder económico e político. No mês de Março, a Comissão Europeia adoptou uma recomendação para que os partidos políticos nacionais designem um candidato ao cargo de Presidente da Comissão Europeia e também que indiquem a sua filiação num partido político europeu.
Está, também, neste momento, em discussão, uma proposta de Regulamento da Comissão Europeia sobre o Estatuto dos partidos políticos europeus e das fundações políticas europeias, que visa o seu fortalecimento, considerando a CE que estes são fundamentais para a “articulação das vozes dos cidadãos ao nível europeu”, devendo contrariar o fosso que existe entre as políticas nacionais e europeias. Partidos e fundações políticas essas que, para serem reconhecidas por este estatuto, devem, segundo o regulamento, respeitar os princípios fundadores da União Europeia e seguir critérios de uniformização organizativa estabelecidos. É evidente o objectivo. Esvaziar a importância dos partidos políticos nacionais, das suas especificidades e identidades próprias, e criar aglomerados políticos que se distanciem cada vez menos uns dos outros, pois a sua existência está previamente condicionada a objectivos ideológicos e de identificação com o projecto da UE. Ou seja, limitar as possibilidades de intervenção dos partidos que afirmam uma posição contra o domínio imperialista da UE que é, sem dúvida, a tomada de uma posição de classe.
Hoje, em Portugal, nos últimos dias, temos assistido, precisamente ao ataque a um dos fundamentais essenciais da democracia política portuguesa – a Constituição Portuguesa. A direita e os analistas cães-de-fila não poupam nos comentários de ataque à nossa Constituição, que ainda conserva uma importante matriz saída da Revolução de Abril, considerando-a como um empecilho à consecução dos seus objectivos, dos objectivos da troika, ou seja, dos objectivos de classe. No relatório de 1964, “Rumo à Vitória”, escrevia Álvaro Cunhal – “Podem alguns perguntar: mas que interessa à classe operária que sejam uns – o capital nacional – ou outros – o capital internacional – a exlorá-la?”, respondendo- “O domínio imperialista estrangeiro cria uma dificuldade suplementar para a libertação do povo português: é a força económica, diplomática e militar que está por detrás dos monopólios estrangeiros, ou seja a força das grandes potências imperialistas”. Por isso, nos dias de hoje, dizemos, apelamos e lutamos por uma política e um governo patrióticos e de esquerda que, servindo os interesses nacionais, sirvam simultaneamente os interesses dos trabalhadores e das camadas anti-monopolistas, abrindo caminho à construção da sociedade que queremos, o socialismo.