Aproximando-nos do final desta iniciativa co-organizada pelo PCP e pelo Grupo da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica, queria reiterar o nosso agradecimento pela presença e participação de todos. Agradecimentos que gostaria de estender à Câmara Municipal de Alcochete pelo apoio, interesse no nosso debate, e hospitalidade.
Queria ainda agradecer aos nossos convidados estrangeiros, representantes de Partidos e organizações com quem o PCP mantém relações de amizade e cooperação, nomeadamente no quadro do nosso Grupo no Parlamento Europeu.
A eles expressamos a nossa solidariedade para com as lutas que estão a travar nos seus países em defesa dos direitos dos trabalhadores, dos direitos sociais e laborais, da democracia e da soberania, resistindo, em diferentes condições, à ofensiva do grande capital desencadeada por via dos respectivos governos nacionais e pela União Europeia.
Permitam-me ainda transmitir em nome do PCP uma palavra especial aos nossos camaradas cipriotas do AKEL a quem expressamos a nossa solidariedade e o nosso apoio às duras lutas que têm pela frente. Seja contra as imposições da União Europeia, do BCE e do FMI, contra a política de um governo de direita ao serviço do grande capital financeiro; seja em defesa da soberania nacional, nomeadamente sobre os seus recursos naturais; seja pela causa maior do povo cipriota: o fim da ocupação turca e a reunificação da sua pátria, causa à qual reafirmamos a nossa constante e inabalável solidariedade.
Estimados amigos e camaradas,
Por esta iniciativa passaram, ainda de que forma breve, alguns dos eixos centrais da nossa reflexão em torno da necessária e cada vez mais urgente alternativa à União Europeia. Uma União Europeia do grande capital que, a cada passo dado, se confirma como um projecto de integração capitalista, ao serviço dos interesses dos monopólios, nomeadamente do grande capital financeiro nas principais potências europeias, com destaque para a Alemanha, ao serviço dos grandes projectos de domínio mundial das principais potências imperialistas mundiais e da NATO.
Os povos da Europa estão confrontados com grandes e históricos desafios e a situação coloca aos comunistas e progressistas tarefas várias, altamente complexas e simultâneas. Resistir, ligarmo-nos mais às massas, unirmos os trabalhadores e os povos em torno dos seus interesses, apresentarmos propostas políticas combatendo o conformismo e o medo, travarmos a luta das ideias e apresentarmos, no campo político e ideológico, as alternativas de fundo à presente situação, são alguns dos desafios com que estamos confrontados.
O quadro geral é o de uma profunda crise que se expressa no nosso continente de forma violenta e em duas vertentes fundamentais.
1ª vertente - A situação que estamos a viver é a expressão concreta, na Europa, do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo: seja por via da crise de sobreprodução e sobreacumulaçao de capital que está na raiz dos problemas económicos de fundo na Europa, seja pelas consequências do aprofundamento das contradições entre o chamado centro da Europa e a chamada periferia e também entre a União Europeia enquanto pólo imperialista e outros pólos do imperialismo como os EUA. O aprofundamento destas contradições, a par com uma economia altamente financeirizada e cada vez mais parasitária, é uma das causas de fundo da especulação e da agiotagem em torno das mal chamadas dívidas soberanas. E se as causas de fundo da crise estrutural do capitalismo se expressam na Europa, do mesmo modo que se expressam em outras partes do Mundo, também se expressa o próprio desenvolvimento e reacção do sistema capitalista e das suas estruturas no contexto da crise. É por isso que a União Europeia é o espaço geográfico e o instrumento para a evolução reaccionária, exploradora e anti-democrática do sistema no contexto da crise. Esta é a razão de fundo da espiral de exploração, de destruição económica e de ataques à democracia e à soberania a que estamos a assistir. Tal como é a razão de fundo do aprofundamento do carácter neoliberal, federalista e militarista da União Europeia.
2ª vertente – O desenvolvimento da crise tornou mais visível e perceptível a real natureza da União Europeia e demonstra como uma erradamente chamada integração - assente não em princípios de solidariedade, cooperação e coesão, mas antes em projectos de domínio económico e político e imposição de interesses alheios aos interesses dos povos - entra rapidamente em crise em função das contradições que um processo desta natureza encerra desde o seu início. Contradições essas que inevitavelmente se aprofundam com o avanço da destruição de forças produtivas e de ainda maior concentração e centralização de capital e de poder político que caracteriza a evolução do capitalismo no contexto da crise.
As políticas de autêntica colonização económica e política desencadeadas a partir dos principais centros de decisão da União Europeia; a afirmação violenta do directório de potências comandado pelo capital e pelo governo alemães; a imposição anti-democrática de medidas de destruição económica de países inteiros (seja por via do Tratado Orçamental, já para não falar do Tratado de Lisboa e dos seus antecessores, da Governação Económica, dos Memorandos de Entendimento, do semestre europeu, da União Bancária, do Pacto de Estabilidade e Crescimento reforçado, entre outros); o desenfreado ataque a direitos laborais e sociais e aos serviços públicos; a furiosa privatização de quase todas as esferas da economia e da vida social; as crescentes restrições a liberdades e direitos democráticos; o desrespeito de regras formais da própria democracia burguesa; a intensificação da vertente militarista, etc, etc...., são provas da violência com que as classes dominantes usam o seu instrumento supranacional – A União Europeia – para tentar resolver a “sua” crise, ou seja a crise do sistema capitalista que as duas expressões políticas e ideológicas dominantes – a direita e a social democracia – defendem, apesar de diferenças de pormenor.
Mas se tais evoluções são, na sua essência e concretização, violentas, são simultaneamente uma prova, profundamente evidente, da fraqueza do projecto e processo de integração capitalista na Europa. O que a realidade demonstra é que a União Europeia, a União Económica e Monetária não são nenhum projecto de integração e muito menos de cooperação. O que a realidade demonstra é um processo de separação, de imposição, de desagregação, de desconstrução social e cultural, que se não for travado, pode, como já alguns reconhecem, ter consequências imprevisíveis e devastadoras para os povos da Europa e para as gerações vindouras: seja no plano económico e social, como já é visível, seja no plano político – com o perigo do ressurgimento do fascismo – seja mesmo no plano da segurança e paz regionais e mesmo internacionais.
É por essa razão que o nosso Partido afirma que vivemos não apenas uma crise na União Europeia mas também uma profunda crise da União Europeia. Uma crise dos seus pilares e dogmas, que demonstra os seus limites históricos, o seu carácter irreformável e a necessidade, cada vez mais urgente, de por via da derrota da União Europeia construir uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos. Esse processo de resistência, luta e avanço é, na nossa opinião, incompatível quer com ilusões de natureza reformista, saltos federalistas ou discursos de “mais Europa para sair da crise” (que apenas concentrarão ainda mais o poder e acentuarão contradições), quer com soluções voluntaristas que, aparentemente correctas e justas, não têm em conta a actual correlação de forças, o factor subjectivo da luta – atrasado relativamente ao rápido avanço do factor objectivo - , ou mesmo as necessidades e aspirações imediatas dos trabalhadores e dos povos.
Na nossa opinião a outra Europa dos trabalhadores e dos povos, de que vos falará a camarada Margarida Botelho na sua intervenção que encerrará o nosso debate, nascerá da conjugação de quatro factores convergentes essenciais:
1) O desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos, a afirmação e exercício pela luta do direito soberano ao desenvolvimento económico e social e a crescente tomada de consciência política das massas sobre a natureza de classe da União Europeia;
Como vimos no nosso debate a luta dos trabalhadores e dos povos dos países da União Europeia conheceu novos e positivos desenvolvimentos. É certo que está ainda aquém das necessidades colocadas pela violência da ofensiva. Mas, simultaneamente, é importante sublinhar que esse desenvolvimento da luta (de que a Marcha da CGTP que hoje se desenrola aqui no distrito de Setúbal e amanhã terminará em Lisboa com uma grande manifestação é mais um exemplo) encerra um importante potencial não só de resposta à situação, mas também para abrir caminho às rupturas necessárias e a conquistas de sentido anti-monopolista e anti-imperialista - factores centrais para trilhar caminhos alternativos. Simultaneamente o desenvolvimento da luta de massas tem imposto alguns recuos no processo de aprofundamento da integração capitalista europeia e de imposição de medidas anti-sociais e anti-democráticas, como é o caso de Portugal, e isso contribui em muito para o avanço do factor subjectivo da luta.
2) O inevitável aprofundamento das contradições inter-imperialistas no espaço da União Europeia. Realidade sobre a qual os comunistas e progressistas devem intervir partindo de um posicionamento independente do ponto de vista de classe e rejeitando visões nacionalistas, xenófobas e racistas, profundamente contrárias a uma postura patriótica e internacionalista que sempre marcou historicamente a acção e luta dos comunistas.
3) A alteração da correlação de forças política e institucional em cada um dos estados membros da União Europeia, ou pelo menos na sua maioria, seja no campo da influência social – determinante – seja política, de massas e eleitoral. Como processos de integração noutros continentes demonstram, existe uma relação dialéctica entre a correlação de forças no plano nacional e a natureza e a evolução dos processos de cooperação e integração. A derrota do processo de integração capitalista europeu é por isso inseparável de uma evolução positiva da correlação de forças em cada um dos países e da capacidade dos povos de resgatarem a soberania nacional.
4) A articulação e cooperação das forças progressistas e de esquerda, com destaque para os comunistas.
Aproximando-me do final da minha intervenção gostaria de me centrar neste 4º e último factor. A situação exige-nos, a par e em relação dialéctica com as tarefas nacionais e o reforço de cada um dos Partidos no plano nacional, que demos mais atenção à necessidade do fortalecimento da cooperação e solidariedade dos partidos comunistas, progressistas e de esquerda no continente europeu. Uma cooperação forte, eficaz e consequente que, respeitando a identidade, autonomia, independência e história de cada partido, se deve centrar no objectivo da unidade na acção, deve valorizar o que une o conjunto das forças que se opõem à ofensiva do imperialismo e à União Europeia do grande capital e do directório de potências e que deve tornar mais visível a alternativa de uma outra Europa dos Trabalhadores e dos Povos por via de uma corajosa postura de ruptura com a União Europeia do grande capital, do directório de potências, dos memorandos, neoliberal, militarista e federalista.
O PCP não preconiza qualquer estruturação no desenvolvimento da cooperação na Europa, e distancia-se de experiências que quer do ponto de vista ideológico, quer de estruturação, pensamos não só não resolverem problemas e desafios como conduzem ao surgimento de divisões e à descaracterização e assimilação pelo sistema de movimentos e processos de luta ou noutro sentido ao afunilamento e expressão de sectarismo.
Entendemos contudo ser necessário caminhar para formas mais estáveis de cooperação que potenciem a unidade na acção e é perseguindo esse objectivo que, no plano político e de intervenção institucional continuamos profundamente empenhados no desenvolvimento da nossa cooperação no seio do Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica. Apesar das contradições decorrentes da sua composição heterogénea e de problemas ainda não ultrapassados no plano da cooperação na Europa pensamos que o GUE/NGL é a mais avançada e historicamente consequente experiência de cooperação entre forças comunistas e progressistas na Europa.
Continuaremos por isso a dedicar os nossos esforços para a manutenção e defesa do seu carácter confederal, para a manutenção do seu carácter autónomo face a outros espaços de cooperação, e para o reforço do seu carácter progressista e de luta por uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos. Reforço esse que na nossa opinião passa por uma resposta política que combata claramente as visões, propostas e objectivos quer da direita, quer da social-democracia, correntes que como a realidade demonstra estão ambas enfeudadas e amarradas a um projecto integração capitalista cada vez mais derrotado pela realidade e pela história. Será esse um dos grandes desafios que temos pela frente – nomeadamente no plano das próximas eleições para o parlamento europeu -: associar ao desenvolvimento da luta uma mensagem clara de ruptura com esta situação. Mas também uma mensagem que aponte um caminho claro, que imprima confiança na capacidade dos povos de, pelas suas mãos, trilharem caminhos de real cooperação e solidariedade entre povos e estados soberanos iguais em direitos.