Mais uma vez agradeço a vossa presença na apresentação do programa das comemorações do Centenário do nascimento de Carlos Paredes, que o PCP decidiu realizar ao longo dos próximos meses, a começar já na Festa do Avante!, como aqui já foi referido.
Quero igualmente agradecer à Luísa Amaro pela disponibilidade de participação nesta Sessão Pública de promoção das iniciativas do Centenário de Carlos Paredes com quem partilhou a vida e o palco durante muitos anos.
Comemorar o Centenário de Carlos Paredes, é sobretudo relembrar e valorizar a vida e a obra de um homem que foi e é, um símbolo ímpar da Cultura portuguesa e um dos principais responsáveis pela divulgação e popularidade da guitarra portuguesa.
Carlos Paredes nasceu a 16 de Fevereiro de 1925, em Coimbra, no seio de uma família de outros grandes guitarristas, nomeadamente o seu pai Artur Paredes, com quem deu os primeiros acordes e que acompanhou durante algum tempo.
A humildade, a grandeza na simplicidade e o apelo ao anonimato, determinaram o seu percurso e da sua obra, o que contagiou todos aqueles que tiveram o privilégio de o ouvir e estar lado a lado no nosso quotidiano.
Destacando a humildade natural de Carlos Paredes, João de Freitas Branco escreveu que o artista continuava e passo a citar “a pedir desculpa por ser apenas o melhor guitarrista do mundo”.
Fausto Neves, escreveu que Carlos Paredes transfigurava-se em palco em pleno na volúpia do gesto, no sentir da dor dos gemidos ou da opulência sonora da guitarra. Mas que tinha pelo trabalho, fosse ele qual fosse, um respeito apenas ao alcance do pensamento marxista. E esta talvez seja a chave para percebermos o regresso feliz de Paredes, após o 25 de Abril ao seu posto na radiologia do Hospital de São José.
Artista de fortíssima e única personalidade, cidadão fraterno do dia-a-dia das nossas vidas, Carlos Paredes foi também um artista generoso, uma inteligência e uma sensibilidade aberta. Tudo o que construiu foi aberto a tudo e a todos, dialogando com jovens e aprendendo com os mais velhos, tocou com praticantes e deslumbrou virtuosos, aceitou diálogos com linguagens diversas, ligou sonoridades de cordas metálicas com versos e narrativas.
Amigo era a palavra mais usada quando encontrava alguém. Utilizava-a quer quando concordasse, quer quando discordasse. No fundo era sobretudo, e essencialmente, apenas e só isso.
Carlos Paredes é portador de uma obra reconhecida no País e internacionalmente. Após a Revolução de Abril, Carlos Paredes começou a frequentar alguns dos grandes palcos por essa Europa fora.
Entrou no circuito internacional tendo actuado em vários concertos em países socialistas, no Bobino de Paris e na Alte Opar de Frankfurt, entre outros grandes palcos.
Uma carreira reconhecida finalmente em 1990 quando lhe foi atribuída uma bolsa cultural pela secretaria de Estado da Cultura e em 1992 quando foi agraciado com a Comenda da Ordem de Santiago de Espada.
Carlos Paredes pertenceu ao núcleo dos grandes intérpretes da música portuguesa que se destacaram de maneira tão sublime ao ponto de se tornarem no seu símbolo.
Desde muito novo começou a participar na luta antifascista, percurso que o trouxe ao PCP em 1958, no qual se manteve até ao final da vida.
Na guitarra e nas suas composições teve o instrumento de intervenção na luta que travou pela liberdade e pela libertação da cultura das garras do fascismo. Uma luta que intensificou durante o processo revolucionário na defesa e consolidação das conquistas de Abril, e que prosseguiu até aos limites que a sua saúde permitiram, na defesa do regime democrático e pela democratização da cultura.
Foi o empenho na luta do PCP que antes do 25 de Abril o levou a enfrentar as prisões fascistas no Aljube e em Caxias e a tortura fascista. Um empenho político que jamais abandonou.
Como Ruben de Carvalho escreveu, Carlos Paredes foi um revolucionário não apenas na música. A militância no Partido foi testemunho da sua grande dimensão humana, do seu imenso talento artístico e da ardente vivência que marcou toda a sua existência.
Foi uma presença constante na Festa do Avante! e em centenas de outras iniciativas às quais deu com a sua arte uma maior e mais densa expressão à intervenção do PCP na vida portuguesa.
Carlos Paredes nunca tendo desvalorizado a resistência e o que representou na luta contra o fascismo, recusou sempre o estatuto de herói pelo facto de ter passado pelas prisões fascistas. Como ele próprio fazia questão de lembrar foram milhares os que como ele passaram pelas cadeias fascistas e todos eles deram um importante contributo para que em 25 de Abril de 1974 o fascismo fosse derrotado.
Sempre com uma vida simples, manteve em simultâneo com uma intensa actividade cultural, política e a música, a sua profissão de arquivista de radiologia no Hospital de São José.
A sua paixão pela guitarra era tão grande que, contam os companheiros da prisão, que andava de um lado para o outro da cela fingindo tocar música.
Em sentido contrário ao importante trabalho desenvolvido por Carlos Paredes que apesar de todas as restrições e condicionalismos a que foi sujeito, particularmente antes da revolução de Abril, de democratização do acesso à criação e fruição cultural, sucessivos governos, em desrespeito pela Constituição da República Portuguesa, têm vindo a concretizar uma estratégia de abandono do Estado das suas funções culturais.
O mesmo sucede hoje relativamente às funções sociais do estado, como se verifica na Saúde e na Educação.
O atraso cultural a que o fascismo condenou o nosso País e o facto de serem mais demoradas as transformações da esfera cultural, exigiam que tivesse sido dada prioridade ao investimento da cultura, algo que a política de direita sempre negou fazer.
Política de direita que tem como principal objectivo substituir qualquer perspectiva de democratização cultural, comprometida com as aspirações de transformação, emancipação e liberdade dos trabalhadores e do povo, pela mercantilização da cultura e pela hegemonização cultural das classes dominantes e das indústrias culturais, por estas promovidas.
Para o PCP, o desenvolvimento cujo objectivo último deve estar centrado no Homem, tem uma dimensão cultural essencial, deve preservar os traços da sua identidade cultural e impedir a erosão de alguns dos seus valores, frente às ameaças de standerização dos gostos e modos de vida a que são expostas ao impacto de modelos importados.
O acesso aos bens e serviços culturais, a participação da vida cultural e o desenvolvimento de actividades endógenas, particularmente diante a promoção da criatividade e da criação, representam hoje em dia uma exigência fundamental.
Os artistas comunistas e muitos outros que connosco lutam pela democratização da cultura, como condição fundamental para o desenvolvimento do País, têm um papel insubstituível na concretização deste objectivo e por isso o Partido diz de forma muito clara que não aprovamos nem desaprovamos estilos, escolas ou modelos. Para o PCP cabe ao artista descobrir a sua própria linguagem. E que o faça desejavelmente com esse objectivo que a sua obra além das emoções estéticas inspire sentimentos conformes a luta pela cultura, pela democracia, em que o povo português está empenhado. E contribua para criar determinação e confiança.
Carlos Paredes é o exemplo inequívoco de um artista comprometido com o seu povo, com quem nunca deixou de estar antes e depois do 25 de Abril de 1974 e que foi fonte de inspiração para a sua obra.
Com inteira razão podemos estar orgulhosos de contar nas nossas fileiras ou muito próximos delas, artistas que no passado, como na época presente se situaram e situam, sem contestação nos lugares cimeiros da literatura, da música, da canção, do teatro, do cinema, da pintura, da escultura.
No segundo Encontro Nacional do PCP para a Cultura, o Partido defendeu e desenvolveu, entre muitas outras, uma proposta que consideramos de grande importância estratégia para a defesa de um outro rumo para a Cultura: a criação de um Serviço Público de Cultura que constitui mais do que uma agregação e funcionamento articulado e sustentado de um conjunto de estruturas, instituições, entidades, recursos e meios.
A responsabilidade pública na cultura nunca significará qualquer dependência administrativa ou de tutela cultural sobre companhias e estruturas. Será garantia de independência e de ampla autonomia.
O Serviço Público de Cultura recuperará de algum modo, a notável dinâmica que, a seguir ao 25 de Abril de 1974, nas décadas seguintes, concretizou enormes progressos no acesso à cultura.
Honrar a memória do camarada Carlos Paredes, é promover a sua genial e extraordinária obra, é dar notícia da sua vida de homem exemplar.
É esta a nossa obrigação na defesa do legado que nos deixou e estamos certos de que muitos outros de diversas áreas nos seguirão na luta por estes objectivos.