Projecto de Resolução N.º 821/XVI/1.ª

Reprogramar o PRR de acordo com as necessidades do País alargar o prazo, investir em Habitação, Transportes, Água e Creches

Exposição de Motivos

O Governo apresentou recentemente à Comissão Europeia uma proposta de segunda Reprogramação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Uma reprogramação inseparável dos significativos atrasos na sua execução e que o Governo PSD/CDS justificou com elementos em parte conjunturais – como a inflação (energia e outros fatores de produção), a escassez de mão de obra e de competências ou perturbações nas cadeias de abastecimento – mas a que não são alheias também diversas opções, muitas delas discutíveis, que desde o início estiveram presentes neste programa, bem como, problemas estruturais que Portugal enfrenta e que se traduzem em níveis muito baixos de investimento público.

A ausência de instrumentos e capacidade de planeamento por parte do Estado, a falta de recursos humanos e desvalorização de carreiras na Administração Pública, as insuficiências no aparelho produtivo nacional, incluindo no sector da construção civil e obras públicas, os mecanismos atuais da Contratação Publica e privatização da justiça, a par de imposições da UE e do Euro – seja no plano orçamental, seja com a liberalização e privatização de vários sectores – são elementos estruturais que estão na origem de um sério e grave problema que o país enfrenta em matéria de investimento público, que o PRR veio evidenciar.

Nesta segunda reprogramação do PRR o Governo recusou tomar a iniciativa de intervir junto da UE e de outros países no sentido do alargamento do prazo.

Sem qualquer discussão e reflexão abrangente, o Governo optou por deixar cair diversos projetos/componentes que, aliás, em vários casos, estavam identificados há longo tempo como irrealizáveis, e por avançar com uma grande quantidade de prorrogações de prazos para a data considerada como limite para a execução do PRR: junho de 2026.

Os projetos que caíram e que, pela sua natureza, exigiam a construção de infraestruturas e edifícios foram, em vários casos, substituídos por aquisições de diverso tipo de máquinas e aparelhos tecnológicos, em geral provenientes de importações, de que são exemplo o reforço de rubricas para a aquisição de equipamentos pesados de saúde, de autocarros elétricos ou de geradores de hidrogénio. Esta opção, que, obviamente, acelerará, em princípio, a taxa de execução, não deixará de ter consequências em termos económicos e financeiros, porque a tipologia do investimento é muito diferente.

Entre os vários tipos de investimento que o Governo retirou do PRR, destacam-se em sentido negativo os seguintes: 3300 habitações inicialmente consideradas; a ampliação do edifício do Centro Científico e Tecnológico da Madeira (CITMA); os projetos relativos à Barragem do Pisão e à Captação de Água no Guadiana (Pomarão); o financiamento de investimentos relacionados com o Metro de Lisboa, a Linha Violeta (Odivelas-Loures) e parte da expansão da Linha Vermelha (São Sebastião-Alcântara).

Em contrapartida, o governo decidiu densificar várias opções questionáveis, nomeadamente em matéria da chamada transição energética. São os casos dos navios movidos a eletricidade para as regiões autónomas dos Açores e Madeira, sobretudo depois de se conhecerem as dificuldades deste tipo de investimento como se verifica atualmente com os navios da Transtejo, ou o Parque Fotovoltaico que é proposto na albufeira de Alqueva, que é justificado por necessidades de autoconsumo sem se perceber qual a entidade que o requer.

Quanto ao reajuste temporal que está proposto, recorrendo ao adiamento da execução até ao limite do prazo PRR, verifica-se que esta é uma opção crítica e, em vários casos, de êxito muito incerto.

Encontram-se nesta situação vários dos grandes projetos privados integrados nas chamadas Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial; os projetos relativos a Hidrogénio renovável e Biometano sustentável; bem como os relacionados com a “Descarbonização da Indústria” e sobre os quais o governo continua sem fornecer informação mais pormenorizada.

Estamos perante diversos investimentos pesados e sofisticados a realizar por entidades privadas empresariais, em projetos que implicam tecnologias de ponta ainda pouco experimentadas. Ora nada leva a crer que, as condições e dificuldades que se verificaram até aqui – em termos de execução - se venham a alterar no futuro próximo, fator que coloca preocupações.

É também visível uma desconsideração do papel das autarquias locais na execução do PRR, com a desafetação de verbas em áreas em que estas estão a intervir (Ex: habitação) e o não reforço em áreas em que as autarquias locais poderiam dar um importante contributo, designadamente nas escolas, no ciclo urbano da água e na gestão dos resíduos, ou ainda, a não ponderação do valor das elegibilidades das intervenções municipais que, sendo insuficientes, estão a dificultar a execução dos projetos.

O Governo optou, em nome do risco da não utilização plena destes recursos, e sem prejuízo de uma ou outra opção de sentido positivo, por uma proposta de reprogramação que aprofunda alguns dos principais traços negativos que marcaram este programa desde o início:

  • A substituição do investimento em obra pública pela aquisição de equipamentos;
  • A desvio de um valor ainda mais significativo de recursos públicos para os grupos económicos, de que são exemplo os mais 434 M€ para a “capitalização e inovação empresarial”, incluindo com a utilização de verbas provenientes da componente de empréstimo do PRR.
  • A submissão a critérios de investimento decididos no âmbito supranacional e sem ter em conta as reais necessidades do País.

A vida está a comprovar que, ao contrário da “revolução” prometida com o PRR, as grandes transformações que o País precisa não serão concretizadas por esta via. Mas isso não significa que esta reprogramação do PRR tenha de ser, ou uma oportunidade perdida, ou um novo pretexto para consumir recursos que não correspondem às necessidades do País.

Sem prejuízo de medidas de fundo, que permitam o País evoluir para níveis de execução de investimento público na casa dos 5% do PIB e que requerem uma outra política suportada por uma estratégia de desenvolvimento nacional e de promoção do potencial económico das suas regiões, é urgente tomar medidas imediatas para promover o investimento público e a correta e eficaz aplicação dos recursos disponíveis, salvaguardando o interesse público.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo as seguintes opções:

  1. Garantir que o País, a partir do Governo, intervenha junto da UE e de outros países beneficiários do PRR e que estão confrontados com problemas semelhantes, no sentido de exigir o alargamento do prazo de execução do PRR até 2028, data em que se iniciará o a execução do Quadro Financeiro Plurianual 2028-2034;
  2. Recusar como critério de utilização do PRR a substituição de investimento na construção de infraestruturas e equipamentos por aquisições de aparelhos e equipamentos importados;
  3. Reverter a proposta de transferência de mais verbas para os grupos económicos (como os que estão inscritos na rubrica “capitalização e inovação”);
  4. Assegurar a plena utilização de verbas inicialmente inscritas para: construção e disponibilização de habitação pública; captação, armazenamento e transporte de água (barragem do Pisão e captação de Água no Guadiana (Pomarão); expansão do Metro de Lisboa e de outras infraestruturas de transporte coletivo em sítio próprio;
  5. Assegurar o reforço do número de trabalhadores envolvidos no planeamento e execução dos fundos comunitários, o que passa pela valorização salarial e a garantia de progressão nas carreiras destes, e dos restantes trabalhadores da Administração Pública;
  6. Intervir junto da UE no sentido de uma aplicação dos recursos do PRR de acordo com as necessidades do País, alargando o perímetro de intervenção e dando prioridade nesta reprogramação, e em função das verbas disponíveis, ao ciclo urbano da água, ao tratamento de resíduos e à construção de uma rede pública de creches.
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