Quando em 1997 foi adoptado o Pacto de Estabilidade e Crescimento, no contexto da instituição da União Económica e Monetária, o PCP assumiu desde logo uma posição fortemente crítica, tendo em conta que se tratava de um instrumento assente numa opção exclusiva da defesa da estabilidade dos preços - em especial através de uma política de contenção dos salários - e na imposição de uma política orçamental caracterizada pela imposição de um limite máximo fixo para o défice (cujo valor aliás nunca foi fundamentado) que, sendo igual para todos os Estados, ignorava as características de cada economia e as necessidades sociais e de desenvolvimento de cada povo.
O decurso dos anos veio a provar que o Pacto, bem como os sucessivos Programas de Estabilidade e Crescimento que concretizaram a sua aplicação, não só foi altamente prejudicial a economias como a portuguesa, como se traduziu num instrumento de avanço das privatizações, de transferência crescente de recursos públicos para o sector privado e em geral de avanço de políticas de direita, incluindo no plano dos direitos dos trabalhadores e dos direitos sociais.
Sendo evidente a necessidade de considerar o equilíbrio das contas públicas como um elemento necessário ao nível da política orçamental, isso não pode traduzir-se na subordinação das necessidades económicas e sociais do país a critérios artificiais de défice. O equilíbrio das contas públicas atinge-se sim, pelo aumento de recursos decorrente do crescimento económico, que se traduza em criação de riqueza e diminuição do desemprego.
Ao longo dos anos os vários PEC tiveram no fundamental o apoio de PS, PSD e CDS, descontadas as votações divergentes meramente tácticas e sem pôr nunca em causa o apoio político aos sucessivos documentos. Houve mesmo vários momentos de subscrição ou votação conjunta de resoluções de apoio. No fundamental, tal como agora acontece, não há diferenças fundamentais entre PS, PSD e CDS no apoio a estas medidas.
É essa mesma orientação política que preside à revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) até 2013 agora apresentado pelo Governo PS.
A revisão do PEC agora apresentada, nada tem de estabilidade e crescimento para o nosso país. Antes se trata de um instrumento cujas medidas, se aplicadas, agravariam ainda mais a dramática situação económica e social em que o país se encontra, aumentando a sua dependência, o seu atraso e as desigualdades sociais e na distribuição da riqueza. Não se encontra no documento entregue pelo Governo sequer uma medida visando o crescimento económico, a criação de emprego, a diminuição das desigualdades sociais, ou uma maior justiça na distribuição da riqueza.
Acrescentando ou aprofundando medidas para além das já inscritas no documento apresentado em 2010, o PEC agora apresentado pelo Governo é constituído por um conjunto de orientações, impostas pelo grande capital e pelas potências dominantes da União Europeia, fortemente lesivas do interesse nacional. Nos PEC apresentados em 2010, apoiados pelo PS e pelo PSD, incluíam-se graves orientações, entretanto em aplicação, como o corte salarial, a diminuição real das pensões e reformas a par do aumento real da idade de reforma, a destruição de emprego público e a restrição dos meios disponíveis para os serviços públicos, o corte de prestações sociais como o abono de família, o subsídio social de desemprego e outras ou um programa de privatizações em larga escala de empresas públicas essenciais.
O PEC agora apresentado acentua o irresponsável garrote orçamental já antes previsto, apontando para um défice de 4,6% em 2011, 3% em 2012 e 2% em 2013, objectivos totalmente contrários à necessidade de crescimento económico e diminuição do desemprego no nosso país. O PEC agora apresentado não resolverá, antes agravará, o conjunto dos problemas nacionais.
Avança com a facilitação dos despedimentos, quer pela via da brutal redução das indemnizações devidas aos trabalhadores, incluindo para os contratos já existentes, quer pela via da facilitação dos procedimentos que a eles conduzem, designadamente no plano administrativo e do sistema judicial, medidas que se repercutiriam na diminuição do valor dos salários e remunerações. Prossegue a par disso o ataque à contratação colectiva e o alargamento da precariedade dos vínculos laborais.
Adiciona mais cortes aos orçamentos dos serviços e das empresas públicas, o que significará um agravamento ainda maior das dificuldades do seu funcionamento e até em muitos casos a sua paralisação efectiva, com dramáticos prejuízos para as populações, como acontece por exemplo já hoje e cada vez mais na área da saúde. Consagra a continuação de encerramento de escolas e unidades de saúde, bem como a diminuição dos transportes públicos.
Avança com o objectivo de novos cortes nas prestações sociais, bem como no subsídio de desemprego, já totalmente congeladas por um lado e por outro retiradas ou diminuídas a milhões de portugueses pela aplicação da chamada “condição de recursos”, desguarnecendo os sectores socialmente mais fragilizados da sociedade e contribuindo decisivamente para o aumento drástico da pobreza e da exclusão social. Prolonga o congelamento já em vigor do IAS e perspectiva o corte e a diminuição real das pensões, incluindo as pensões mínimas. Prevê nova diminuição nas comparticipações e nos apoios na área da saúde.
Penaliza ainda mais o investimento público, reduzindo as verbas a aplicar na administração central, no sector empresarial do Estado, nas autarquias e nas regiões, fomentando ao mesmo tempo a política de privatizações e “concessões”.
Inscreve o agravamento dos impostos sobre o trabalho e sobre as pensões, bem como o agravamento do IVA em bens alimentares e outros essenciais.
Prevê a liberalização das rendas, a facilitação dos despejos e a “expulsão” dos inquilinos.
Assume como objectivo a completa liberalização e privatização de diversos sectores, aplicando as orientações neo-liberais da União Europeia e deixando-os à mercê dos grandes grupos económicos, com sérios prejuízos para as populações, como comprovam as situações em que esta política já avançou.
Não só deixa intocáveis os que existem, como considera atribuir ainda mais apoios e garantias à banca e ao sector financeiro, para além de preparar a entrega ao sector privado do BPN, já depois de o Estado ter assumido os prejuízos da gestão danosa de que foi alvo.
Esta revisão do PEC é apresentada no quadro de mais uma ofensiva contra a soberania nacional em que o Governo, o PSD e o CDS se preparam para aceitar a perda do controle ou o condicionamento de importantes instrumentos políticos, económicos e sociais – como é o caso do processo orçamental e do chamado “semestre europeu” - e para aceitar orientações totalmente contrárias ao interesse nacional. É neste quadro que se insere o “Pacto para a Competitividade” com as suas orientações de condicionamento dos salários e diminuição dos direitos dos trabalhadores, de redução de direitos e despesas com pensões, saúde e prestações sociais, de imposição legal ou constitucional dos limites para o défice e a dívida públicos, ou para a redução da margem nacional da política fiscal, designadamente em relação às empresas.
Entretanto, continua a não haver perspectiva de qualquer intervenção eficaz para combater a especulação financeira, em concreto no que diz respeito às dívidas soberanas de alguns países, entre os quais Portugal, mantendo-se o escandaloso saque de recursos nacionais por via do agravamento dos juros. Aliás as conclusões do Eurogrupo consagram a subordinação de qualquer apoio aos Estados por parte do fundo europeu de estabilização financeira, à avaliação e às regras do FMI.
A aplicação das regras do Pacto de Estabilidade e crescimento e dos subsequentes Programas, contribuíram para a degradação das condições de vida da população portuguesa, para cercear direitos e aumentar as desigualdades, bem como para acentuar as debilidades da nossa economia, em divergência há mais de uma década com a média da União Europeia, debilitando o aparelho produtivo e aumentando a dependência externa.
A alternativa que se coloca ao país, não é entre este PEC e o FMI. A alternativa que se coloca é entre as políticas de desastre nacional que nos conduziram à actual situação e uma ruptura e uma mudança na vida política nacional, que abra caminho a uma política patriótica e de esquerda que dê resposta aos problemas dos trabalhadores, do povo e do país.
Assim, tendo em conta as disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, a Assembleia da República resolve:
A. Rejeitar o Programa de Estabilidade e Crescimento, revisto para o período até 2013, que o Governo apresentou à Assembleia da República;
B. Recomendar ao Governo a adopção de uma política patriótica e de esquerda de acordo com os seguintes princípios e orientações políticas e orçamentais:
a) Promover uma justa redistribuição da riqueza nacional produzida, designadamente através do aumento dos salários e das pensões e reformas, revertendo os cortes já efectuados e rejeitando novas restrições, contribuindo assim para o aumento do poder de compra, para o combate à pobreza e para a dinamização da procura interna, factor essencial do crescimento económico;
b) Concretizar de imediato o aumento do salário mínimo nacional para 500€, apontando um objectivo de crescimento para, pelo menos, 600€ em 2013;
c) Garantir o aumento das pensões e reformas, designadamente um aumento mínimo para as mais baixas de pelo menos 25€;
d) Defender e reforçar a produção nacional, o apoio ao investimento em fileiras estratégicas para o desenvolvimento económico e para o combate à nossa dependência externa, seja no plano agro-alimentar, seja na vertente industrial ou energética;
e) Promover políticas activas de crédito e fiscais que sustentem a actividade das micro e pequenas empresas;
f) Dinamizar o investimento público, nomeadamente de pequena e média dimensão e de proximidade, os investimentos reprodutivos, de suporte à competitividade e em I&D, e o desenvolvimento da despesa social, nomeadamente na educação, saúde e protecção social;
g) Reforçar o financiamento de autarquias e regiões, de forma a permitir um maior apoio às populações e tendo em conta a importância acrescida da actividade do Poder Local e das Regiões Autónomas para o desenvolvimento local e regional e em particular para a criação de emprego e para as micro e pequenas empresas;
h) Acelerar a aplicação dos fundos comunitários, recuperando os enormes atrasos na execução do QREN, PRODER e PROMAR, procedendo a uma profunda revisão regulamentar dos diversos programas (simplificação, celeridade na apreciação, na contratação e nos pagamentos) e garantindo que estes recursos públicos disponíveis possam ser mais e melhor utilizados pelos sectores produtivos e nomeadamente pelas micro e pequenas empresas;
i) Propor a alteração urgente das regras das comparticipações nacionais para projectos financiados com fundos comunitários, garantindo uma redução significativa destas contrapartidas, (do Estado e dos agentes económicos), pelo menos durante o tempo de execução dos programas de consolidação orçamental, permitindo assim condições para uma efectiva absorção de fundos comunitários e para uma plena execução do QREN;
j) Defender um forte sector empresarial do Estado, dinâmico e eficiente, pondo fim ao processo de privatizações anunciado ou em curso, às chamadas parcerias público-privadas, travando e revertendo concessões ao sector privado e reafirmando o interesse nacional do controlo público em sectores estratégicos, designadamente o sector financeiro;
l) Defender e reforçar os serviços públicos, garantindo o seu financiamento adequado e o reforço dos recursos humanos disponíveis rejeitando a progressiva diminuição do número de trabalhadores, travando e revertendo o processo de sucessivos encerramentos, designadamente na saúde e na educação.
m) Combater eficazmente o desemprego e assegurar um efectivo apoio aos desempregados, defendendo o emprego público e a prestação de serviços públicos gerais e universais às populações, e alargando o acesso ao subsídio de desemprego;
n) Combater a precariedade laboral, seja pela forma de contratos a prazo, trabalho temporário, falsos recibos verdes ou outra forma, garantindo que a um posto de trabalho permanente corresponde um vínculo permanente;
o) Devolver o acesso às prestações sociais àqueles que delas devem beneficiar, revertendo o sucessivo corte e retirada de direitos que tem sido aplicado e garantindo o direito individual a estes apoios;
p) Concretizar uma outra política fiscal, que aumente a tributação sobre os principais detentores da riqueza e sobre os enormes lucros obtidos pelas grandes empresas e grupos económicos, bem como sobre as elevadas remunerações dos seus gestores, em vez do agravamento dos impostos sobre os trabalhadores, os pensionistas e os reformados; que alargue a base tributária, combata a economia paralela, a fraude e a evasão fiscal, que tribute de imediato todas as mais-valias, que reduza benefícios fiscais em sede de IRC e elimine totalmente os que são usados pela banca e pelo sector financeiro, (incluindo as respectivas dependências ou agências no off-shore da Madeira), que crie taxas suplementares sobre os lucros acima de 50 milhões de euros dos grupos económicos e financeiros, que crie uma tributação especial sobre riqueza, bens de luxo e patrimónios elevados, nomeadamente mobiliários, que crie um novo imposto sobre transacções bolsistas e transferências financeiras para off-shores.
q) Garantir preços e custos de bens e serviços essenciais na banca, seguros, energia, telecomunicações e transportes (portagens e bilhetes ou títulos, incluindo passes sociais), que assegurem a competitividade da generalidade das micro, pequenas e médias empresas, designadamente do sector exportador, e da capacidade aquisitiva das famílias.
r) Reforçar as condições para a promoção da poupança interna como elemento de redução da dependência externa, facilitando as condições de acesso aos instrumentos da dívida pública para faixas mais largas da população, designadamente ao nível da subscrição mínima, bem como melhorando as condições de atractividade para os aforradores nacionais;
s) Adoptar as medidas de poupança em áreas da despesa pública que não beneficiam o interesse colectivo, impondo designadamente o limite da remuneração do Presidente da República a todas as remunerações no sector público, incluindo o sector empresarial do Estado, eliminando estruturas desnecessárias, designadamente as criadas para enfraquecer serviços e sectores públicos e para preparar privatizações, e travando a crescente transferência de recursos públicos para o sector privado;
t) Adoptar uma iniciativa política do Estado Português junto da União Europeia que imponha a consideração solidária dos problemas que igualmente afectam outros Estados-membros, que vise uma estratégia para o crescimento económico e o emprego conforme com os objectivos comunitários de convergência e coesão económica e social;
u) Promover a suspensão do Pacto de Estabilidade e Crescimento e a sua revisão, dando lugar a um novo documento em que os processos de consolidação das finanças públicas dos Estados-membros sejam instrumentais de políticas de desenvolvimento económico e social, tenham em atenção a conjuntura económica e os estádios de desenvolvimento e as necessidades específicas de cada.
v) Definir e propor um novo calendário comunitário para o Programa de Estabilidade e Crescimento ajustado às necessidades específicas de cada país, tendo em conta que percursos e situações diferenciadas devem determinar programações diversas, objectivos diferentes e tempos de duração próprios, seguindo e reforçando, neste aspecto, o que já hoje está aliás adoptado ou se anuncia para alguns Estados-membros, relativamente aos respectivos programas de estabilidade.
x) Adoptar medidas comunitárias extraordinárias e específicas para as trocas comerciais externas, que permitam a países como Portugal, com problemas graves de endividamento externo e com riqueza produzida inferior à média comunitária, penalizar transitoriamente as importações e apoiar de forma acrescida as respectivas exportações.
Assembleia da República, 22 de Março de 2011