Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

"Este PEC não resolve nenhum problema em relação às dívidas e aos juros na contracção de dívida, porque há um processo de extorsão organizada"

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo,

É evidente que há, neste debate, quem queira discutir só a forma, o processo, e não queira ir às questões de conteúdo. É evidente que a forma e o processo não são indiferentes, não são despiciendos, e que é preciso reconhecer que o Governo tratou mal este processo, tratou mal a Assembleia da República na apresentação deste PEC. O problema é que o Governo decidiu acatar o que lhe disseram na União Europeia em vez de decidir discutir com os portugueses e com a Assembleia da República qual devia ser o caminho para o País nesta matéria.

E nem vou fazer nenhum comentário, porque penso que, apesar de ter um significado, não é o cerne deste debate, quanto ao facto, ainda não salientado, de o Primeiro-Ministro nãoestar a acompanhar esta discussão, apesar de ela ser central na vida política nacional dos próximos tempos.

Ao contrário de outros, designadamente do PSD, queremos debater o conteúdo das medidas inscritas neste PEC e o seu carácter injusto, o seu carácter errado, o seu carácter contrário aos interesses do País e da generalidade dos portugueses.

Não somos dos que estão de acordo com as políticas do Governo, como o estão, no fundamental e em muitas matérias, o PSD e o CDS, que viabilizaram as medidas gravosas — no caso do PSD, de todos os PEC e dos dois Orçamento do Estado e, no caso do CDS, do Orçamento do Estado para 2010 —, e que, agora, pretendem demarcar-se de todas elas, demarcar-se daquilo que ajudaram a aprovar, daquilo que viabilizaram e daquilo que, no fundamental, é a sua política.

Tanto é assim que o PSD nem apresenta alternativa, nem quer dizer o que traz para este debate, como faz o PCP, apontando um caminho alternativo.

Este não pode ser, pois, meramente um debate entre os que querem estar no Governo e os que querem ficar no governo, tem de ser um debate sobre o conteúdo das políticas que cada um quer para o País, e esse disfarce de o PSD e de o PS defenderem fundamentalmente o mesmo não vai passar pelo crivo da nossa bancada.

O Sr. Ministro trouxe-nos, mais uma vez, o discurso da chantagem, repetido pela enésima vez, o mesmo dos PEC anteriores e dos Orçamentos do Estado. Diz que é a aprovação ou caos, que tem de ser porque os mercados assim o exigem, porque as instituições assim o exigem, porque todos nos exigem e o Governo assim o quer fazer; que, como foi dito em todos os momentos anteriores, este PEC seria a resolução dos nossos problemas, pois, finalmente, conseguiríamos convencer as instituições e os ditos mercados de que somos credíveis, de que estamos no bom caminho.

No entanto, sucessivamente, a seguir ao PEC 1, ao PEC 2, ao PEC 3, ao Orçamento do Estado para 2010 e ao Orçamento do Estado para 2011, nada disso aconteceu, nada disso se concretizou e sempre vieram pedir sacrifícios adicionais aos portugueses. Fazendo o balanço de cada um destes documentos, nenhum problema do País foi resolvido e muitos direitos e muitas condições de vida dos portugueses foram agravados brutalmente, foram desvalorizados, foram retirados. Esse é o balanço dos PEC anteriores, dos Orçamentos do Estado e das sucessivas chantagens que os senhores têm trazido à Assembleia da República.

É preciso, sem dúvida, resolver o problema das contas públicas, mas é preciso resolvê-lo com o crescimento económico, e não com a recessão, como o Governo propõe com este PEC, é preciso resolvê-lo com o desenvolvimento justo de todo o País, com o combate às desigualdades e não com o aumento do desemprego, não com um caminho que é, sistematicamente, de definhamento do nosso País, de afundamento da nossa economia e de crescente desigualdade entre os portugueses.

Este PEC não é, por isso, um programa de estabilidade e crescimento, é um programa de recessão e de instabilidade para a vida das pessoas em Portugal, e essa é responsabilidade do Governo e de todos os que o têm apoiado nestas medidas.

Vamos ao conteúdo. Sr. Ministro, neste PEC não há uma única medida no sentido da justiça social, não há uma única medida no sentido do desenvolvimento e do crescimento económico, não há uma única medida para o combate ao desemprego.

O Sr. Ministro inclui no PEC a questão da alteração da legislação laboral. É, aliás, extraordinário que, ontem, no estertor deste Governo, se tenham apressado a assinar com o patronato aquilo que é um esbulho aos trabalhadores portugueses, com a diminuição das indemnizações em caso de despedimento.

E bem vemos, Sr. Ministro, que dos partidos da direita ninguém se incomoda com esta assinatura de ontem, nem com a inclusão desta medida no PEC. Ninguém se incomoda que um trabalhador com 30 anos numa empresa só receba indemnização por 12 e, em vez de 30 dias por mês, só receba 20, 10 dos quais descontados do seu salário. Com isso não se preocupa o Governo, não se preocupam os partidos da direita.

Aqui está uma medida do PEC que não trará nem mais um cêntimo para as contas públicas, mas que trará muito dinheiro com o aumento da exploração para o grande patronato, que quer explorar mais os trabalhadores portugueses.

Aí está no PEC o congelamento do salário mínimo nacional, mesmo dos 485 € que aí estão e que supostamente iriam aumentar para 500 € ainda este ano! Aí está, com mais impostos, um roubo nas pensões e nas reformas, e em todas elas com uma diminuição real! É que, Sr. Ministro das Finanças, o facto de terem abolido a regra que indexava o crescimento das pensões abaixo de um IAS (indexante dos apoios sociais) e meio à inflação prevista significa que, mesmo fazendo uma actualização, o que estão a determinar é o seu decréscimo real porque vai ser uma atualização abaixo da inflação prevista que, aliás, certamente, está deficitariamente prevista.

Aí está a questão da liberalização das rendas e, agora numa linguagem mais suave, da expulsão dos arrendatários, como estava nas notas, nas principais orientações que o Sr. Ministro divulgou! Aí está o ataque às prestações sociais, o aumento dos transportes públicos, a diminuição ainda maior das comparticipações nos medicamentos!

Mas, procurando no PEC os tais sacrifícios para todos, andámos a ver se encontrávamos alguma medida para a banca, para o sector financeiro, que tantos apoios têm recebido. De facto, desta vez, há uma medida para a banca, que é a de abrir caminho a mais apoios ao sector financeiro, a mais dinheiro para a banca, quando não há dinheiro para prestações sociais, para salários e para pensões.

Quanto ao BPN, Sr. Ministro, o problema não se pode colocar como o senhor acabou de o fazer — entre nacionalizar ou não nacionalizar. Por que razão o Governo não aceitou que a nacionalização se fizesse incluindo a Sociedade Lusa de Negócios? Porque quis nacionalizar o «osso» e deixou a «carne» para os mesmos accionistas que eram responsáveis pela gestão danosa do BPN?

Nós, no PCP, juntamente com Os Verdes, que votámos contra essa normas que nacionalizaram dessa forma, bem que tínhamos razão em dizer que se nacionalizou o prejuízo e que se deixou a parte sã para os mesmos que criaram o problema do BPN.

Sr. Ministro, Srs. Deputados, este PEC não resolve nenhum problema em relação às dívidas e aos juros na contracção de dívida, porque há um processo de extorsão organizada …

Como dizia, há um processo de extorsão organizada, patrocinado pelo directório da União Europeia, de extorsão dos recursos públicos portugueses que é indiferente a PEC e a medidas que se anunciem e se tomem, porque só obedece à ganância e ao lucro que é patrocinado por esse directório. Nós dizemos que não é aceitando essa chantagem que resolvemos os problemas do País e que a crise não começa hoje, ao contrário do que o Governo pretende fazer crer. Para os portugueses, a crise já começou há muito tempo e está cada vez mais grave: é a crise que decorre da aplicação das políticas de direita que os senhores têm vindo a promover e que, pelos vistos, outros querem perpetuar no vosso lugar.

Disse

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