Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional

(proposta de lei n.º 50/XII/1.ª e projetos de lei n.os 206/XII/1.ª, 25/XII/1.ª e 215/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Quem olhasse para este debate pensaria que, estando cá a equipa governamental do Ministério da Administração Interna, estaríamos a discutir, porventura, o Relatório Anual de Segurança Interna ou um qualquer diploma legislativo sobre combate à criminalidade. Mas não estamos, estamos, sim, a discutir imigração.
Portanto, verificamos que, em vez de estar aqui o Secretário de Estado Feliciano Barreiras Duarte, a quem, ainda há poucos dias, numa iniciativa pública, ouvi dizer que, com este Governo, os imigrantes não eram um problema de segurança pública, não eram um problema de polícia — e estamos a ver que, afinal, sempre são —, quem cá vem, em nome do Governo, para discutir a lei de imigração, é o Ministério da Administração Interna, o que não deixa de ser um manifesto retrocesso, não porque tenhamos menos consideração pela equipa do Ministério da Administração Interna, mas porque o problema da imigração não é, manifestamente, de segurança pública, é de integração de cidadãos na sociedade portuguesa.
Portanto, estamos perante um retrocesso, não só pela forma mas também pelo conteúdo.
Diria que, depois da legislação de 2007, que foi um passo positivo e que inverteu uma tendência que vinha de 1993, de uma política legislativa errada, de portas fechadas, que não respondia minimamente aos problemas e à realidade da imigração, estamos hoje, de facto, perante um retrocesso. Diria que o Dr. Manuel Dias Loureiro, lá, onde estiver, se assistir a este debate, há de sentir que não está aqui presente fisicamente, mas está aqui em espírito, na proposta de lei do Governo.
Da legislação de 2007, que foi um passo positivo, em nosso entender, ficaram duas questões fundamentais por resolver, uma das quais a do absurdo sistema de quotas para a imigração, que representa, na situação em que estamos hoje, no nosso País, de profundo desemprego, uma política manifestamente de portas fechadas, completamente irrealista.
A segunda questão foi a da não resolução, por via legislativa, do problema dos cidadãos indocumentados, dos trabalhadores, dos cidadãos que vivem em Portugal, que trabalham em Portugal e que, por não terem entrado legalmente, regularmente em Portugal, se veem impossibilitados de resolver a sua situação, a não ser pelo recurso aos mecanismos excecionais e discricionários do artigo 88.º, que o Sr. Ministro aqui referiu.
Portanto, aquilo que propomos é que os cidadãos que chegaram a Portugal, que vivem em Portugal desde data anterior à da aprovação da legislação de 2007 e que estão a trabalhar em Portugal não sejam tratados como delinquentes, não sejam expulsos administrativamente do nosso País e possam ver a sua situação regularizada.
É isso que propomos, porque entendemos que a imigração não é um problema. Assim como os portugueses que procuram trabalho noutros países não são um problema para esses países, também entendemos que os imigrantes que trabalham ou pretendam trabalhar em Portugal não são um problema para nós, o problema é a ilegalidade da imigração.
Não é a imigração que é um problema, é a ilegalidade em que estão muitos desses trabalhadores que constitui, de facto, um grave problema social.
A proposta de lei que o Governo aqui apresenta é a transposição da «diretiva retorno», também chamada, e justamente, a «diretiva da vergonha». O Governo, ao vir aqui propor a transposição desta diretiva, nos termos em que a propõe, revela que, efetivamente, não tem vergonha de transpor para a legislação portuguesa um regime de detenções administrativas ilegais de cidadãos que não cometeram qualquer crime. Esta proposta de lei, tal como a «diretiva retorno», trata as vítimas como criminosos, não distingue, efetivamente, como deveria distinguir, aqueles que são responsáveis pela exploração da imigração ilegal, e que pretendem beneficiar com ela, daqueles que recorrem à imigração ilegal, sendo vítimas dela, porque não têm condições de sobrevivência nos seus países.
Ao tratar as vítimas da imigração ilegal como se elas fossem os criminosos, o Governo revela que, de facto, alinha pela «diretiva da vergonha», alinha por perspetivas xenófobas, que existem, infelizmente, noutros países europeus. Isto é tão absurdo, porquanto o Governo quer adotar para Portugal uma política de portas fechadas, ao mesmo tempo que há membros do Governo, a começar pelo Primeiro-Ministro, que aconselham os portugueses a emigrar, porque não têm condições de sobrevivência neste País, devido às condições que a política deste Governo está a criar a toda uma geração de portugueses.
O Governo comporta-se, com esta proposta de lei, como se Portugal estivesse a ser invadido por vagas de imigrantes, quando aquilo que está a acontecer, infelizmente, são vagas de emigrantes, de muitos jovens, de muitos trabalhadores portugueses, que, por não terem condições para encontrar meios de sobrevivência em Portugal, não têm outro caminho que não seja o de procurar a emigração.
Que sinal é que damos a esses portugueses, quando queremos fechar a porta de Portugal a cidadãos de outros países? Que exemplo, que sinal é que damos aos países que vão ter de acolher os portugueses que neles procuram melhores condições de vida e de trabalho?
Para concluir, Sr.ª Presidente, queria dizer que esta proposta de lei considera os cidadãos estrangeiros em várias categorias e, por isso, temos imigrantes de primeira, de segunda e de terceira. Temos os empresários, os cidadãos estrangeiros que queiram ter empresas em Portugal, a quem o Governo estende a passadeira — o Governo estende a passadeira aos empresários, mas fecha a porta aos trabalhadores; depois, temos os imigrantes altamente qualificados, para quem o Governo cria o «cartão azul» e que, em determinadas condições, podem aceder a Portugal, ou seja, doutores e engenheiros, sim, trabalhadores da construção civil, trabalhadores da hotelaria, eletricistas, não. Em suma, empresários, sim, doutores e engenheiros, talvez, trabalhadores, não!
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Estamos perante um retrocesso em matéria de políticas de imigração, a que os Srs. Deputados do CDS, pelos vistos, acham muita piada, pois estão fartos de se rir, mas nós não achamos piada absolutamente nenhuma e entendemos, há muito, que ninguém beneficia, ninguém, com uma legislação que mantém milhares de trabalhadores, em Portugal, em situação ilegal, porque isto constitui um flagelo social não apenas para os próprios mas para o conjunto da sociedade portuguesa.
Esta política, dita de portas fechadas, é uma política que acaba por incentivar a ilegalidade da imigração e fazer com que, para muitos imigrantes e para muitos portugueses, isto seja, de facto, um flagelo social, quando podia não ser.
Entendemos que Portugal, como todos os países do mundo, só tem a ganhar com práticas e políticas legislativas migratórias que sejam realistas, que tratem as pessoas com a dignidade que merecem, independentemente da nacionalidade, e que não criem barreiras xenófobas, que se traduzem num flagelo social para todos.
Nesse sentido, a alteração da legislação de 2007 por esta que o Governo aqui propõe, a realizar-se, será um retrocesso com o qual a sociedade portuguesa nada tem a ganhar.
(…)
Sr.ª Presidente,
Intervimos tendo em conta algumas afirmações que foram aqui feitas.
Relativamente à presença da equipa do Ministério da Administração Interna, temos muito gosto em discutir seja o que for com essa equipa, mas acontece que esta proposta de lei é subscrita, em primeiro lugar, pelo Sr. Ministro Adjunto e a área da imigração está sob a sua tutela, existindo um Sr. Secretário de Estado para a imigração.
Portanto, não é por acaso, seguramente, que é o Ministério da Administração Interna que vem aqui fazer esta discussão. Seguramente, não tiraram à sorte e, portanto, o Governo é que sabe do que vem cá falar. E, obviamente, vem cá falar, do seu ponto de vista, de um problema de segurança interna. Nós achamos que não é fundamentalmente esse o problema.
Disse o Sr. Deputado Carlos Peixoto que nós defendemos que deve ser regularizada a situação de pessoas que entraram em Portugal não respeitando as regras. É verdade, Sr. Deputado. Nós entendemos que é infame que cidadãos — e é um facto que não entraram em Portugal regularmente — que entraram, em Portugal, antes da legislação aprovada em 2007, ou seja, cidadãos que estão cá há mais de 5 anos, que estão cá a trabalhar, não criaram problema algum, não praticaram crimes, têm cá, em alguns casos, as suas próprias famílias, sejam expulsos administrativamente e que, ainda por cima, os recursos que eles possam apresentar dessa decisão não tenham efeito suspensivo.
Achamos que isso é infame! Essa não é uma forma de Portugal, enquanto País de emigração, se dignificar, nem se dignificar aos olhos do mundo.
Diz o Sr. Deputado que esta proposta de lei é um incentivo à mobilidade dos trabalhadores, que temos um problema demográfico e que a imigração ajudará a resolver esse problema demográfico? Sr. Deputado, isso é verdade, mas não é com esta lei, nem sequer com a lei que está em vigor, muito menos com a proposta de lei! Porque, então, nesse caso, seria só a possibilidade de entrada de empresários que iria resolver o nosso problema demográfico, quando se fecha a porta aos trabalhadores? Quando o que se diz é que há umas quotas, que são aprovadas anualmente por resolução do Conselho de Ministros, que fixam o montante global de trabalhadores que podem entrar e que isso depende da existência de oportunidades de emprego não preenchidas por nacionais portugueses, por nacionais de Estados-membros da União Europeia ou do espaço económico europeu?!
Bom, quais são? Gostava de saber se o Governo definiu contingentes destes, numa situação como aquela em que o País está, em que ninguém encontra emprego em Portugal, nem nacionais nem estrangeiros, Sr. Deputado!
Com esta política de quotas de portas fechadas, gostaria de saber como se resolve o problema demográfico e como se pode considerar que estamos perante uma iniciativa de incentivo à mobilidade.
Sr. Deputado, falemos de coisas sérias!
Esta proposta de lei aponta irrealisticamente para uma política de portas fechadas, que, de facto, não nos dignifica, não resolve problema nenhum! Portugal, neste momento, por razões que todos sabemos, não é um País atrativo para a imigração, como é evidente. Neste momento, o nosso problema é que voltámos aos níveis de emigração dos anos 60, porque, infelizmente, os jovens não encontram trabalho em Portugal, nem os mais qualificados! É, aliás, extraordinário como é que esta proposta de lei vem aqui falar em incentivos para a vinda de trabalhadores qualificados para Portugal, quando os jovens qualificados em Portugal têm de emigrar para o estrangeiro!!
Estamos a falar de quê, Srs. Deputados?!
Não estamos a falar de coisas sérias. O problema é que há, em Portugal, pessoas que trabalham, que têm cá as suas famílias, que não se conseguem legalizar e que estão sujeitas à expulsão, estão sujeitas à sobre-exploração da fragilidade da sua situação de ilegalidade. Esse problema, que é real, os senhores não o querem resolver com esta proposta de lei!

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