Projecto de Lei N.º 469/XII/3.ª

Regime de uso e transformação do solo

Regime de uso e transformação do solo

Exposição de Motivos

O presente Projeto de Lei pretende a atualização da legislação que, no essencial, concerne à transformação de solo rústico em solo urbano e às transformações de uso dentro do solo já classificado como urbano. Abre ainda possibilidades de intervenção sobre o solo rústico, sem esquecer a necessidade de legislar, de formas mais específicas, sobre o solo rústico nas suas diversas vertentes: agrícola, florestal, silvícola, pastoril ou adstrito a outras atividades do sector primário como sejam a exploração de inertes.

O presente Projeto de Lei atem-se essencialmente às matérias de uso e transformação do solo porque se considera existir um edifício legislativo atual e coerente, quando muito a necessitar de alterações pontuais, no referente às bases do ordenamento do território e do urbanismo e aos regimes jurídicos do planeamento, da urbanização, da edificação e da reabilitação urbana.

A legislação sobre a criação e uso de solo urbano, no nosso país, tem sido toda ela voltada para possibilitar a expansão urbana.
A legislação de 1934 (Decreto-Lei n.º 24802) e de 1944 (Decreto Lei n.º 33921), abriam a possibilidade de os municípios terem intervenção ao nível da expropriação do solo rústico, pelo valor de uso, no caso, o do rendimento agro-florestal e de conduzirem o processo urbanístico, dentro dos perímetros definidos em Planos de Urbanização.

As mais-valias decorrentes deste processo eram, como afirmava Duarte Pacheco, um “ bem trazido pelo vento” e como tal não deviam servir ao enriquecimento dos proprietários do solo transformado em urbano. A expropriação pelo valor de uso possibilitou a urbanização, sem fixação ao cadastro da propriedade rústica, de significativas áreas das principais cidades da, então incipiente, rede urbana nacional.
O carácter ideologicamente ruralista do fascismo português e a consequente baixa dinâmica urbana conduziram a um grande défice de solo urbano e de habitação.

É este défice que justifica a legislação que, desde 1965, vem liberalizando o processo de obtenção de solo urbano. Claro que, em termos de análise de classe, a questão se pode colocar como provocada, por um lado, pelo descontentamento da burguesia proprietária do solo face a expropriações de valor não especulativo e, por outro lado, pela necessidade do capital financeiro, muito dele ligado à mesma burguesia terra tenente, de obter lucros especulativos e posteriormente, alavancagem de capital através da passagem de solo rústico a urbano.

A legislação de 1965 (Decreto Lei n.º 46673) vem retirar competências urbanísticas aos municípios e abrir a porta do negócio urbanístico à promoção privada, através das operações de loteamento. Importa reter que os municípios eram, então, meras correias de transmissão do Poder Central.

A importância dos Planos de Urbanização para a definição de parâmetros urbanísticos passa a ser residual, a própria realização de Planos de Urbanização cai em desuso e as urbanizações passam a ser negociadas entre privados e serviços do aparelho burocrático central. As mais-valias da passagem do solo rústico a urbano passam a enriquecer os promotores imobiliários. A especulação decorrente do processo torna-se base de alavancagem do capital financeiro.

A legislação posterior e até à atualidade, mesmo afirmando uma ou outra preocupação residual com a regulamentação do mercado e a retenção parcial das mais-valias, tem vindo sempre no sentido de agilizar a aprovação de loteamentos e dificultar a aprovação de planos.

É neste quadro, com décadas de existência e pouco alterado pelo processo revolucionário de Abril, que são elaborados, em muitos casos a contra gosto e por imposição comunitária, os Planos Diretores Municipais de primeira geração, agora em revisão. Aliás estes são elaborados quando na periferia das principais áreas urbanas o solo já está comprometido pela gula especulativa do sector imobiliário do capital financeiro.

Como resultado das políticas anteriormente seguidas, são definidos perímetros urbanos muito acima das necessidades decorrentes do crescimento demográfico e do previsível serviço à atividade económica.

Ao mesmo tempo que os centros históricos e os núcleos antigos são abandonados, pois intervir aí gerava mais-valias bem menores do que intervir na transformação de uso de solo, as periferias, em especial das áreas metropolitanas e das principais cidades da rede urbana nacional, crescem desmesuradamente, num modelo extensivo e fragmentado que dificulta o estabelecimento das redes de mobilidade e de serviços à população.

É neste quadro histórico e porque o solo é um bem finito e imprescindível para o futuro que, com o presente Projeto de Lei, se pretende procurar o equilíbrio que acautele física e temporalmente o uso do solo.

Nesse sentido, legisla-se procurando institucionalizar um novo paradigma que conduza a um modelo territorial onde o crescimento urbano se faça na medida do necessário para responder às expectativas de crescimento decorrentes do saldo demográfico e da instalação de novas atividades. Um modelo territorial onde a fragmentação urbana e o abandono de importantes parcelas da urbe dê lugar à compactação e à reabilitação, atendendo naturalmente à dimensão humana e às características naturais e históricas dos sítios.

Nesse sentido, com o presente Projeto de Lei, pretende-se:

• Limitar a expansão urbana através da definição de índices de ponderação, a definir anualmente ou bianualmente, pela Assembleia da República e atendendo a características, necessidades e especificidades locais. Índices que terão de ter em conta as necessidades de solo para as diversas atividades. E que fixarão limites mínimos de edificabilidade para construção de custos controlados;

• Garantir o direito constitucional à propriedade mas garantindo também que, em casos de não aproveitamento do solo pelo proprietário a Lei defina formas de organização coletiva de uso e exploração, nos termos da legislação de direito de superfície, nos casos de utilização urbana;

• Garantir o respeito por todas a servidões e restrições de utilidade pública;

• Incluir o princípio de criminalização por uso indevido de solo, na tradição cedo abandonada da legislação de 1976 (Decreto Lei n.º 275/76); e, impor a obrigação de reposição do solo no estado anterior ao do uso ilegal, sempre que este se haja verificado;

• Possibilitar a criação de áreas de prioridade para a execução de operações urbanísticas e de edificação sustentadas em procedimentos de planeamento; e, possibilitar a expropriação, sempre para promoção de custos controlados, quando nestas situações se verificar o absentismo por parte do proprietário;

• Criar o conceito de créditos de edificabilidade, ligados à gestão de Unidades de Execução e com base em parâmetros urbanísticos definidos para o conjunto da Unidade, independentemente de se tratar de zona de edificação ou não;

• Intervir de forma que a desafetação de solo do domínio público e a sua integração no comércio jurídico só possa ocorrer por lei;

• Intervir ao nível das mais-valias. A cobrança destas em termos fiscais deverá funcionar complementarmente com a aplicação de taxas municipais, definidas em instrumentos de planeamento ou noutros procedimentos que estabeleçam as condições de uso do solo. Os valores destas deverão corresponder ao custo de manutenção de infraestruturas e equipamentos por um prazo mínimo de trinta anos.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Capítulo I
Função e Garantia do solo

Artigo 1.º
Objeto

1 - O solo deve assegurar e garantir as condições para a vida, nas suas mais amplas vertentes de biodiversidade.

2 - O uso do solo obedece a ponderação que garanta, de acordo com a respetiva classificação, a adequada suficiência atual e futura.

3 – Entende-se por ponderação do uso do solo a relação de necessidade de solo adequado a afetar às diversas atividades que inutilizam o solo.

4 - Entende-se que inutilizam o solo as implantações nele efetuadas ou atividades nele exercidas que não permitam ou não sejam compatíveis com o uso natural do solo, entendendo-se como uso natural, nomeadamente, os usos agrícola, silvícola ou florestal.

5 - A utilidade ou rentabilidade económica do solo não poderá, em caso algum, desrespeitar as regras ou limitações impostas na ponderação de suficiência do uso previsto para o solo a utilizar.

6 - A cessação de atividades que inutilizam o solo, obrigam à reposição compatível com o anterior uso natural nas situações em que a inutilização não decorra previamente da classificação e qualificação do solo como urbano nos termos legais.

7 - O licenciamento, autorização ou comunicação prévia de atividades referidas no número anterior deverá ser sujeito a reposição compatível com o uso natural do solo, podendo ser exigida caução suficiente para garantir a obrigação.

Artigo 2.º
Limites de ponderação

1 - Os limites da ponderação do uso do solo competem à Assembleia da República, no âmbito do programa nacional das políticas de ordenamento do território.

2 – Nos limites da ponderação para edificabilidade serão tidos em conta fatores populacionais e de crescimento económico para um período temporal definido.

3 – Dentro dos limites fixados de acordo com os números anteriores a ponderação do uso do solo é assegurada, nos termos da lei, em todos os instrumentos de gestão territorial.

4 - A ponderação do uso do solo para a edificabilidade para habitação fixará valores mínimos do índice médio habitantes/fogo e da densidade habitacional e determinará limites mínimos de edificabilidade a construir a custos controlados que serão, ambos, anualmente fixados por lei.

Artigo 3.º
Criação de solo urbano

A criação de solo urbano só é admitida em obediência aos limites máximos da ponderação do uso do solo fixada pela Assembleia da República, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º ou mediante proposta de lei para alteração daqueles limites, decorrente de um determinado instrumento de gestão territorial que, com fundamentação bastante, justifique a alteração.

Capítulo II
Propriedade e uso do solo

Artigo 4.º
Uso dos solos

1 – O direito de propriedade compreende o uso e a fruição de acordo com as características naturais do solo e as suas aptidões e restrições inerentes, excluindo qualquer outra destinação diversa, atual ou pretérita, que, ao momento do seu início, dependesse, regulamentar ou legalmente, de qualquer licenciamento, autorização, parecer ou comunicação.
2 – O regime de uso do solo e as suas alterações é o definido por lei para a respetiva atividade ou função.

Artigo 5.º
Formas de exploração dos solos

1 - Nas situações de não aproveitamento do solo a lei pode determinar formas de organização coletiva de uso e de exploração de áreas determinadas de solo, sem prejuízo do direito de propriedade e da fixação de limites mínimos de salvaguarda de área para fruição direta e residência do proprietário.

2 – As formas coletivas de uso e exploração do solo só podem constituir-se nas áreas demarcadas por lei e podem instituir-se por contrato ou por lei, aplicando-se-lhes os regimes jurídicos do direito de superfície ou do usufruto, respetivamente, conforme o uso e exploração seja para finalidade urbana ou não.

3 – A demarcação de áreas para formas coletivas de uso e exploração especifica os elementos essenciais da atividade a desenvolver e quando instituídas por lei seguem o regime jurídico da concessão de bens e serviços públicos e fixam e garantem o pagamento da renda mínima anual aos titulares do direito de propriedade.

4 - As formas coletivas de uso e exploração não podem instituir-se por prazo superior a cinquenta anos e findo esse prazo os direitos de superfície e usufruto extinguem-se e com a sua extinção caducam todas as garantias especiais, de qualquer natureza, que sobre eles existam.

5 - A demarcação de áreas para formas coletivas de uso e exploração do solo é precedida de parecer favorável da assembleia municipal do município onde se integram, a prestar no prazo de 90 dias após a receção do pedido.

Artigo 6.º
Forma coletiva de exploração dos solos

1 - As formas coletivas de uso e exploração estão sujeitas a registo predial gratuito, promovido oficiosamente pela entidade competente para efetuar o registo das formas coletivas de uso e exploração de solo, ou pelos interessados, sendo bastantes para o efeito a inscrição com a menção da lei ou do número do registo do contrato que as instituiu.

2 - Nas formas coletivas de uso e exploração instituídas por contrato os titulares do direito de propriedade gozam de privilégio mobiliário geral, graduado com prioridade a todos os outros, pelas rendas a que têm direito.

3 - O contrato de uso e exploração pode ser celebrado com uma pluralidade de usuários aplicando-se-lhes, nas relações entre si, com as necessárias adaptações, as regras da compropriedade.

4 – Nas situações de pluralidade de proprietários o contrato só pode ser resolvido com o consentimento da maioria dos proprietários.

Artigo 7.º
Renda

1 – Nas formas coletivas de uso e exploração a renda pode ser mensal ou anual e é sempre fixada em numerário, podendo ser fixada num limite mínimo até atingir um limite máximo determinados por lei, por grupo ou grupos de atividade, sujeita a aumento anual até atingir o limite máximo fixado, ambos atualizados nos termos gerais para os aumentos de rendas.

2 - Quando as formas coletivas de uso e exploração de solo sejam instituídas por contrato os montantes das rendas são, previamente, caucionados pelo valor respeitante a três anos, junto da entidade competente para o registo.

3 - A solicitação dos titulares do direito de propriedade, ouvida a entidade usufrutuária ou superficiária, as rendas podem ser pagas por conta da caução existente que terá de ser reposta no mesmo montante, no prazo de trinta dias, sob pena de cominação de sanção pecuniária compulsória de valor a fixar anualmente por lei.

4 - A lei organizará um registo nacional de formas coletivas de uso e exploração de solo.

Capítulo III
Limites e restrições ao uso do solo

Artigo 8.º
Limites e restrições

1 – O uso do solo está sujeito a todas as servidões e restrições de utilidade pública impostas em lei.

2 – As servidões e restrições de utilidade pública que impossibilitem, total ou parcialmente, o uso e fruição do solo legalmente admitido antes da sua constituição, conferem direito de indemnização nos mesmos termos que a expropriação.

3 – O uso legal do solo pode ainda estar sujeito a limitações de uso e fruição determinadas por lei, decorrentes da necessidade de preservação das suas características para as funções que assegura.

Artigo 9.º
Funções

1 – Sem prejuízo de qualquer outra destinação que tenha sido legalmente concedida, presume-se que o solo assegura funções compatíveis com as suas características naturais, aptidões e restrições inerentes.

2 - Quando a lei fizer depender o uso do solo de quaisquer formalidades prévias de avaliação, compatibilidade ou admissibilidade desse uso, entendem-se cumpridas essas formalidades se já houverem sido efetuadas na execução de quaisquer instrumentos ou procedimentos legais em vigor, para o mesmo efeito, que qualifiquem ou definam as condições a que esse uso está sujeito.

Capítulo IV
Medidas de tutela da legalidade do uso do solo

Artigo 10.º
Tutela

1- São medidas específicas de tutela da legalidade do uso e fruição do solo todas as que se encontram ou venham a ser previstas nos respetivos regimes legais de uso, classificação e alteração do uso e fruição do solo.

2 – A criação ou alteração de regimes de uso e fruição de solo será obrigatoriamente acompanhada das medidas de tutela do respetivo uso.

Artigo 11.º
Uso e fruição do solo

1 - O uso e fruição do solo em contrariedade à lei impõem a medida de tutela geral de reposição do solo no estado anterior ao uso ilegal.

2 – Sem prejuízo de quaisquer outras sanções previstas na lei é obrigatória, para todas as entidades de tutela de uso e fruição de solo competentes, a emissão de ordem de reposição do solo no seu estado anterior ao uso e fruição ilegais.

3 – A ordem de reposição deve ser cumprida no prazo de trinta dias, sob cominação de sanção pecuniária compulsória diária a fixar pela entidade que ordene a reposição, tendo em conta a gravidade da infração, num valor não inferior a dez por cento da retribuição mínima mensal garantida.

Artigo 12.º
Reposição

1 – O incumprimento, no prazo fixado, da ordem de reposição do solo no seu estado anterior determina a liquidação da sanção pecuniária compulsória logo que decorridos sessenta dias e a notificação para o respetivo pagamento dos montantes já vencidos e dos vincendos.

2 – O não pagamento determina a imediata cobrança coerciva nos termos da cobrança das dívidas fiscais e os procedimentos preferem a quaisquer outros.

3 – A ordem de reposição é inscrita no registo predial com hipoteca legal para garantia da cobrança dos custos de reposição do solo no seu estado anterior e do pagamento da sanção pecuniária compulsória.

4 – A ordem de reposição e a hipoteca legal só podem ser canceladas mediante certidão, emitida pela entidade que a ordenou, comprovativa de que a ordem de reposição foi totalmente cumprida e a sanção compulsória paga.

Capítulo V
Classificação do solo

Artigo 13.º
Classificação

1 – A classificação do solo é determinada segundo o regime do seu uso de base ou os valores patrimoniais naturais e ambientais a salvaguardar, de acordo com as atribuições, competências, formalidades e procedimentos previstos por lei.

2 - A lei pode fazer depender o uso do solo da aprovação prévia de quaisquer instrumentos ou procedimentos legais que qualifiquem ou definam as condições a que esse uso está sujeito.

Artigo 14.º
Uso do solo para fins de urbanização

1 – O uso do solo para fins de urbanização, edificação ou qualquer outra finalidade que não permita ou não seja compatível com o uso natural do solo, depende de licenciamento prévio determinado na lei e do respetivo instrumento ou procedimento legal de qualificação ou de definição de condições, exceto nos casos de edificação que não ultrapasse dois fogos, ou 2000m2 de área de construção para outra atividade, em que só depende de licenciamento prévio, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 1.º.

2 – O licenciamento para fins de urbanização, edificação ou qualquer outra finalidade que não permita ou não seja compatível com o uso natural do solo, é inscrito em registo predial com a menção do seu prazo de validade e caduca, sem mais formalidades, no termo do prazo, sem prejuízo dos direitos reais de edificabilidade e das formas coletivas de uso e exploração que estejam previamente inscritos.

3 – A eficácia do licenciamento depende da sua inscrição no registo predial.

4 - Sem prejuízo das inscrições, em registo predial, em vigor quanto a licenciamento, direitos reais de edificabilidade e formas coletivas de uso e exploração, a classificação e qualificação do solo podem ser alteradas a qualquer tempo.

5 - O licenciamento para fins de urbanização, edificação ou qualquer outra finalidade que não permita ou não seja compatível com o uso natural do solo não determina a classificação ou qualificação do solo como urbano se essa classificação não estiver admitida no competente instrumento de gestão territorial legal.

Capítulo VI
Registo de criação do solo urbano

Artigo 15.º
Registo

1 – O registo do licenciamento para fins de urbanização, edificação ou qualquer outra finalidade que não permita ou não seja compatível com o uso natural do solo é obrigatoriamente feito pela entidade licenciadora, graficamente, em cadastro geométrico da propriedade, associado a ficheiro com as tabelas de dados que contenham, pelo menos, a área da propriedade, a área a integrar no domínio público, a área bruta de edificabilidade, o uso, o número de fogos e o número de unidades ou frações para outras atividades.

2 – O registo é feito no prazo de sessenta dias a partir da emissão de qualquer ato ou título que constate a conclusão da execução da operação licenciada.

3 – Os custos médios da execução do registo podem ser levados à taxação do licenciamento, sem prejuízo da opção de entrega prévia dos dados em módulo compatível, no ato de pedido do licenciamento.

Artigo 16.º
Solo Urbano

1 - A inutilização do solo considera-se sempre transitória quando ocorra em solo não classificado como solo urbano.

2 - Será organizado registo nacional do solo urbano mediante decreto-lei.

Capítulo VII
Apropriação, afetação e desafetação do solo para domínio público

Artigo 17.º
Domínio Público

1 – A apropriação de solo para domínio público é feita nos termos da lei que a determina ou por qualquer outra forma legal de aquisição da propriedade para finalidades que satisfaçam necessidades coletivas que as atribuições das pessoas coletivas públicas, de qualquer natureza, prossigam.

2 – A aquisição de propriedade para qualquer finalidade que diretamente se destine à satisfação de necessidades coletivas, de qualquer natureza, considera-se integrada no regime do solo para domínio público.

3 - O solo de domínio público está fora do comércio jurídico, sem prejuízo da possibilidade de constituição de direitos que não transmitam a raiz da propriedade e apenas a onerem por termo resolutivo certo.

4 – A afetação de solo à satisfação de necessidades coletivas determina a sua integração no regime de domínio público.

Artigo 18.º
Regime do solo de domínio público

1 – O solo do domínio público e a sua desafetação é inscrito, gratuitamente, em registo predial, sendo título bastante para o efeito qualquer diploma legal, ato ou título de onde conste a afetação ao domínio público ou que seja emitido em função de diploma legal que determine a integração no domínio público.

2 – A afetação e integração do solo no domínio público é feita a favor da entidade pública determinada pelo diploma legal ou que emitiu o título que determina a integração e nos demais casos a favor do Estado.

Artigo 19.º
Afetação a necessidades coletivas

1 – O solo de domínio público pode ser afeto à prossecução de quaisquer necessidades coletivas, sem prejuízo da sua destinação genérica determinada pela lei de apropriação ou integração e, em qualquer caso, decorridos que sejam quinze anos, a partir da data da apropriação ou integração.

2 – O solo de domínio público pode ser adecto à satisfação de necessidades sociais de habitação, a custos controlados, sob o regime de formas coletivas de uso e exploração.

3 – Nos casos em que esteja determinada prioridade de urbanização ou edificação e os respetivos titulares do direito ou direitos de propriedade a não promovam a entidade pública com competência para o licenciamento de criação de solo urbano deve proceder à expropriação para esse fim ou promover concurso para concessão desse serviço público, nos termos da lei.

4 – A expropriação para edificabilidade de habitação é sempre para construção de habitação a custos controlados e pelos valores daí decorrentes, deduzidos de todos os custos legais inerentes às operações urbanísticas.

5 – O prazo máximo de constituição de direitos que onerem o solo de domínio público não pode exceder setenta anos para edificação e cinco anos para quaisquer outros fins.

Artigo 20.º
Desafetação do domínio público

1 – A desafetação do solo do domínio público e a sua integração no comércio jurídico só pode ocorrer por lei formal e desde que seja verificada, localmente, a inexistência da necessidade coletiva a que estava adstrito.

2 – Quando o solo a desafetar do domínio público esteja onerado a favor de terceiros a desafetação só poderá ocorrer no fim do prazo por que está onerado, fixando a lei as condições mínimas de transmissão da propriedade do solo.

3 – Os titulares de direitos sobre o solo a desafetar terão preferência na transmissão, preferindo aquele que detém o uso efetivo do bem e em caso de pluralidade o que, em licitação, cobrir maior lanço, a partir das condições mínimas fixadas.

Artigo 21.º
Forma de desafetação

1 – A entidade pública que pretenda a desafetação do solo do domínio público formula o pedido fundamentado junto do Ministério da tutela que submeterá ao Conselho de Ministros para a respetiva proposta de lei.

2 – As remanescências de áreas de terreno de propriedades que foram abrangidas na totalidade por licenciamentos de urbanização ou edificação de pretérito entendem-se integradas no domínio público para infraestruturas urbanísticas, equipamento e espaços verdes de utilização coletiva.

3 – Excetuam-se do procedimento previsto no número um as remanescências de áreas de harmonização de extremas ou de desafetação do uso em infraestruturas que serão declaradas desafetadas do domínio público e fixado o correspondente valor para alienação por deliberação da Assembleia Municipal respetiva.

Capítulo VIII
Criação, registo e transmissão de direito real de edificabilidade

Artigo 22.º
Licenciamento

1 - O licenciamento de uso do solo que legalmente determinar a integração de solo no domínio público transfere a propriedade do solo a integrar para a entidade que emitiu o licenciamento, sem mais formalidades.

2 – A inscrição do licenciamento em registo predial integrará a inscrição das áreas integradas no domínio público a favor da entidade licenciadora.

Artigo 23.º
Edificabilidade

1 – Sem prejuízo das normas legais ou regulamentares que determinem a afetação e integração de solo no domínio público ou privado de quaisquer entidades públicas, os instrumentos ou procedimentos legais que qualifiquem ou definam as condições do uso do solo para fins de urbanização, edificação ou qualquer outra finalidade que não permita ou não seja compatível com o uso natural do solo, deverão demarcar unidades de intervenção conjunta em consideração das necessidades de captação de solo para integração no domínio público tendo em conta a edificabilidade máxima a admitir para a unidade de intervenção demarcada.

2 – A edificabilidade admitida decorrente dos parâmetros urbanísticos fixados para a unidade de intervenção conjunta é decorrente de toda a área integrante da unidade, independentemente da zona ou zonas de implantação das construções.

3 – A edificabilidade admitida para toda a unidade de intervenção conjunta representa tantos créditos de edificabilidade, quantos os metros quadrados de área bruta de construção admitidos.
4 – Os créditos de edificabilidade reportar-se-ão, obrigatoriamente, a toda a área de terreno integrada na unidade de intervenção conjunta, podendo a sua atribuição ser ponderada diferentemente por parcelas integrantes, em função das suas características naturais específicas, por critérios a fixar por decreto lei.

Artigo 24.º
Créditos de edificabilidade

1 – A cada propriedade integrante de uma unidade de intervenção conjunta serão atribuídos os respetivos créditos de edificabilidade, de acordo com o previsto nos artigos anteriores.

2 – Os créditos de edificabilidade de cada propriedade serão inscritos em registo predial nessa propriedade e constituem um direito real de edificabilidade, nessa medida, sobre a propriedade ou propriedades, expressamente identificadas, que efetivamente comportam a construção da edificabilidade admitida na unidade de intervenção conjunta.

3 – Na propriedade ou propriedades que efetivamente comportam a construção da edificabilidade admitida na unidade de intervenção conjunta será inscrita toda a edificabilidade admitida construir com a menção expressa de que essa edificabilidade comporta e contem os direitos de edificabilidade respeitantes às outras propriedades da unidade de intervenção conjunta que serão expressamente identificadas.

4 – As inscrições de titularidade do direito real de edificabilidade deverão expressamente identificar a propriedade ou propriedades por ele oneradas, com menção da respetiva quota no direito real de edificabilidade e as inscrições nas propriedades oneradas devem identificar expressamente as propriedades titulares e a respetiva quota.

5 –A inscrição em registo dos direitos reais de edificabilidade na propriedade onerada opera, a termo e condição suspensivos, a compropriedade no direito de propriedade, com determinação de parte correspondente às respetivas quotas dos direitos reais de edificabilidade inscritos e, por dependência, a inscrição da outra propriedade a favor do domínio público.

6 – O termo e condição suspensivos da compropriedade entendem-se cumpridos desde que as operações urbanísticas de obras de urbanização sejam aprovadas nos termos da lei ou o titular do direito de propriedade onerada haja adquirido de outrem algum ou alguns dos créditos de edificabilidade inscritos na sua propriedade.

7 - Os titulares do direito real de edificabilidade têm preferência na venda de direito, nos mesmos termos dos comproprietários.

Artigo 25.º
Registo da edificabilidade

1 – A inscrição no registo predial do direito real de edificabilidade é simultânea com o registo predial da inscrição do instrumento ou procedimento da unidade de intervenção conjunta, mediante certificação da respetiva aprovação e publicação legalmente exigidas, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o regime da inscrição das operações de loteamento.

2 – Os procedimentos de audição e participação são os previstos nos instrumentos de qualificação e definição das condições de uso do solo, sem prejuízo de audiência de interessados, de acordo com o previsto no Código do Procedimento Administrativo, relativamente à ponderação para atribuição dos créditos de edificabilidade pelas parcelas integrantes da unidade de intervenção conjunta.

3 – A entidade com competência para demarcar a unidade de intervenção conjunta pode promover o seu registo predial e o registo das inscrições dos direitos reais de edificabilidade.

Capítulo IX
Condições especiais obrigatórias do licenciamento para criação, alteração ou transformação do uso do solo para solo urbano

Artigo 26.º
Licenciamento para outra finalidade

1 – O licenciamento prévio do uso do solo para fins de urbanização, edificação ou qualquer outra finalidade que não permita ou não seja compatível com o uso natural do solo é considerado sujeito à condição de pagamento de custos correspondentes a manutenção e ampliação de infraestruturas urbanísticas e equipamentos de fruição coletiva, pelo prazo mínimo de 30 anos.

2 – O valor é obrigatoriamente fixado nos instrumentos ou procedimentos legais que qualifiquem ou definam as condições do uso do solo, tendo em conta os usos admitidos, índices de construção, densidades habitacionais e populacionais admitidos para o local, com um valor mínimo legal correspondente, pelo menos, a dez por cento do valor da totalidade da área de construção passível de edificar.

3 – O valor é determinado com base nos preços m2 para a construção e para o terreno para construção, fixados para o ano do respetivo licenciamento e será pago previamente à emissão do alvará, sendo admitido o pagamento em espécie mediante entrega e inscrição predial prévia, a favor do domínio público, da área de solo que na mesma propriedade se destina à edificação e perfaça o valor fixado.

Capítulo X
Disposições finais

Artigo 27.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor nos 90 dias seguintes à sua publicação.

Assembleia da República, em 22 de novembro de 2013

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