Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"A reforma do IRC é feita à medida dos desejos das grandes empresas e dos grupos económicos"

Procede à reforma da tributação das sociedades, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro
(proposta de lei n.º 175/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Com esta proposta, o Governo procura disfarçar a oposição generalizada às suas opções políticas anunciando o início de um ciclo virtuoso de crescimento económico e de investimento. A chamada reforma do IRC seria, na ótica do Governo, a chave que abriria este suposto novo ciclo. Nada mais falso! Não há qualquer novo ciclo, o que há é a continuação da mesma política de confisco dos rendimentos e direitos dos trabalhadores para garantir os privilégios da banca e dos grandes grupos económicos.
A proposta do Governo de alteração do Código do IRC foi precedida por uma intensa campanha de manipulação da opinião pública visando preparar terreno para uma redução acentuada, nos próximos anos, do IRC pago pelas grandes empresas, ao mesmo tempo que se agravam as dificuldades das micro e pequenas empresas e se mantém um inqualificável saque fiscal aos trabalhadores e às famílias em sede de IRS.
É falso que em Portugal as empresas paguem um imposto elevado: a taxa efetiva paga pelas empresas é bem inferior à taxa nominal máxima de 31,5% de IRC devido à existência de inúmeros benefícios fiscais e à possibilidade de dedução de prejuízos de anos anteriores.
De acordo com os dados da Autoridade Tributária e Aduaneira relativos a 2011, para as 140 maiores empresas portuguesas, que nesse ano apresentaram cerca de 7500 milhões de euros de lucros, a taxa efetiva de IRC foi apenas de 11,5%.
A proposta do Governo de redução da taxa nominal do IRC para 17% ou 19% traduzir-se-ia, para estas grandes empresas, em taxas efetivas ainda mais baixas.
A esta redução da taxa nominal o Governo pretende acrescentar outras vias para uma redução ainda maior das taxas efetivas: o alargamento da possibilidade de dedução de prejuízos fiscais de 5 para 12 anos; a isenção de tributação dos dividendos obtidos no estrangeiro ou enviados para o estrangeiro; o alargamento da possibilidade de consolidação dos prejuízos fiscais das empresas participadas de grupos económicos; e a consolidação de lucros e prejuízos fiscais nas fusões, aquisições e cisões.
Com estas novas ferramentas ao seu dispor, os grandes grupos económicos e financeiros, as sociedades gestoras de participações sociais e a grande finança ficarão praticamente isentos do pagamento do IRC.
A proposta do Governo de alteração do Código do IRC introduzirá uma maior injustiça na distribuição do esforço de financiamento do Estado e das suas funções.
No ano 2000, o IRC pago pelas empresas correspondia a 69% da receita do IRS pago pelos trabalhadores. Em 2013, a receita do IRC será apenas 37% da receita do IRS. Com esta reforma do IRC, este desequilíbrio acentuar-se-á ainda mais.
Esta é, pois, mais uma peça na gigantesca operação de transferência de riqueza do trabalho para o capital.
Esta reforma do IRC é feita à medida das necessidades e dos desejos das grandes empresas e dos grupos económicos! Para as micro e pequenas empresas está reservado o aumento do limite mínimo de pagamento especial por conta de 1000 € para 1750 €, a par da opção de não definição de coeficientes técnico-científicos para determinação da matéria coletável no regime simplificado de tributação, medidas que irão agravar a carga fiscal sobre as micro e pequenas empresas.
No último inquérito de conjuntura ao investimento, 64% dos empresários inquiridos identificam a insuficiência da procura como o principal fator limitativo do investimento empresarial, seguido da rentabilidade dos investimentos (12%) e do acesso ao crédito (9%).
Se o Governo quisesse, mas não quer, apoiar as micro e pequenas empresas, que constituem a esmagadora maioria do tecido empresarial português, começaria por resolver estes problemas.
É necessário realizar uma verdadeira reforma fiscal em Portugal, uma reforma que alivie a carga tributária sobre os rendimentos dos trabalhadores, o consumo das famílias e a atividade das micro, pequenas e médias empresas e que, ao mesmo tempo, tribute de forma adequada os grandes grupos económicos e financeiros, uma reforma que promova uma mais justa distribuição e repartição da riqueza nacional.
Esta reforma que o Governo apresenta não é a reforma de que o País necessita.

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