Uma grande saudação a todos vós que aqui estão nesta sessão que assinala os 50 anos da Reforma Agrária.
Já aqui foi expresso, mas permitam-me que daqui enderece uma saudação particular aos artistas que nos proporcionaram este belo espectáculo e aos nossos convidados, companheiros de tantas lutas, obreiros da Reforma Agrária.
É um gosto e uma honra ter-vos connosco. Cá estamos juntos para as batalhas que se colocam.
Ary dos Santos disse da reforma agrária que era «A maneira mais primária/ de que nós temos um quinhão/ da semente proletária/ da nossa revolução».
José Gomes Ferreira, apelidou-a de «uma certa maneira de cantar», nessa ponte que tão bem estabeleceu entre a Reforma Agrária e o cante alentejano, esse cante, justamente reconhecido como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, uma distinção que contou desde o primeiro momento com a acção e a intervenção do PCP nos mais diversos domínios.
E o cante, cantou assim: «É tão grande o Alentejo/ tanta terra abandonada/ a terra é que dá o pão/ para bem desta nação/ devia ser cultivada.»
Foi esta constatação de abandono deliberado de imensas extensões de terra e do não aproveitamento da sua função social, por um lado, e esta vontade e determinação de pôr a terra a produzir, por outro, que sustentaram a necessidade e a urgência de avançar para a Reforma Agrária. A força revolucionária de um povo temperado na luta e a profunda ligação ao PCP foram a sua força impulsionadora.
A Reforma Agrária. A mais bela conquista de Abril, como o camarada Álvaro Cunhal notavelmente a definiu, pelo que conseguiu e pela forma como o conseguiu.
Bela porque deu vida ao que antes estava ao abandono. Bela porque deu trabalho e elevou as condições de vida de milhares e milhares de trabalhadores agrícolas e suas famílias.
Bela porque, como sempre o afirmaram, os trabalhadores agrícolas não queriam a terra para si. «Quando a gente chega a casa sacode as botas à porta para a terra ficar na rua. Nós não queremos a terra para nós. Queremos a terra para a produzir».
Bela porque, ao produzir como produziu, ao alcançar o que alcançou, deu mais um exemplo de que o País, ao contrário do que as forças bafientas e reaccionárias proclamam, tem recursos, tem riquezas, tem meios, e o povo tem as forças, o saber, a capacidade para transformar a realidade para melhor.
Bela porque ela foi obra dos trabalhadores que, como noutros momentos da nossa História, conseguiu superar os maiores obstáculos e tomar nas suas mãos os seus destinos, com o destacado contributo e papel das mulheres, nas reivindicações, na luta e no trabalho.
Sim, a Reforma Agrária, a mais bela conquista de Abril, resulta da convergência de quatro elementos fundamentais. O primeiro, a existência de um operariado agrícola experimentado na luta contra a exploração e na resistência ao fascismo. Milhares e milhares de homens e mulheres com um notável percurso de acção e luta corajosa travada nas duras condições da ditadura.
Disso é exemplo em 1962 a conquista das 8 horas, uma extraordinária jornada que mostrou que, por muito poderoso que seja o inimigo e os instrumentos de repressão que usa, não há força mais poderosa que os trabalhadores unidos, organizados e conscientes e que lutam por uma vida melhor.
O segundo, a necessidade de responder ao desemprego e à garantia de salários e condições de vida dignos para todos os trabalhadores na região. Trabalhadores sacrificados por dezenas de anos de exploração, trabalho incerto, fome e a miséria a que o latifúndio, um dos sustentáculos do fascismo, o condenava.
O operariado agrícola alentejano viu na Revolução a oportunidade e o caminho para se libertar desse fardo.
O terceiro elemento e já em pleno processo revolucionário, a necessidade de resposta efectiva à ofensiva contra-revolucionária das forças da reacção, desde o boicote à actividade económica, o abandono e destruição das culturas, à venda de gados e alfaias que os latifundiários promoviam, tudo serviu para não cumprirem os acordos que livremente assinaram e para pôr em causa a Revolução nascente.
O quarto elemento e não menos importante, o papel e influência do PCP, o Partido que ao longo do fascismo teve uma presença constante e uma intervenção regular na região, dirigindo a luta, distribuindo o Avante! e O Camponês.
O Partido que foi em todos os momentos um elemento unificador e agregador do operariado agrícola no Alentejano e Ribatejo. O Partido que mobilizou os operários agrícolas, deu-lhes força, esperança e confiança.
E foi num quadro de ampla participação colectiva, tendo presente as ocupações no final de 1974, a acção dos trabalhadores, que o grande impulso para a Reforma Agrária foi dado há 50 anos, na Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, organizada pelo PCP, em que o camarada Álvaro Cunhal, na intervenção final no comício que se seguiu, perante mais de 30 mil trabalhadores, a 9 de Fevereiro, aqui em Évora, a anunciou como “natural como a própria vida”.
Foi o operariado agrícola que fez a Reforma Agrária e eles sabiam com quem sempre tinham contado e com quem podiam contar nessa realização, com o Partido Comunista Português.
Uma realização que contou com o justo apoio dos militares de Abril, numa expressiva demonstração prática da aliança Povo - MFA, e com o importante papel do IV Governo Provisório, e do seu primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, esse governo que aprovou as primeiras leis deste extraordinário empreendimento.
Durante o fascismo, o latifúndio, a concentração de terras, o abandono dos campos e as condições paupérrimas da agricultura, eram a norma e o que era produzido era apropriado pelos latifundiários e não para satisfazer as necessidades do nosso povo.
Foi perante essa realidade que Álvaro Cunhal afirmou «a reforma agrária (...) aparece como resultado da necessidade objectiva de resolver o problema do emprego e da produção, como solução indispensável e única».
A Reforma Agrária foi um notável processo de construção colectiva de um País novo, de resposta organizada aos problemas da produção e do emprego, de manifestação de confiança numa vida melhor, de assumpção dos destinos de todos nas mãos de quem trabalha.
Também por isso suscitou uma alargada solidariedade da classe operária de todo o País, de muitos democratas e também no plano internacional, designadamente com o apoio em maquinaria, em que se destacou a União Soviética e outros países socialistas.
A Reforma Agrária garantiu emprego aos desempregados. Melhorou salários e condições de trabalho. Impulsionou o regresso de emigrantes. Aumentou a produção e a produtividade. Diversificou a actividade económica, experimentando e ousando em novas culturas. Aumentou a área de regadio, com a construção de charcas e outros sistemas de rega. Promoveu um aumento exponencial na maquinaria. Abriu novas perspectivas à juventude. Dignificou a condição da mulher. Travou por momentos a desertificação e criou e apoiou creches, infantários, centros de dia, lares, postos médicos.
A Reforma Agrária foi cultura, alegria, festa, animou a economia da região e deu vida ao mundo rural.
Fez de gente modesta, alguns mesmo analfabetos porque o fascismo assim queria, senhores dos seus destinos.
Na Reforma Agrária, o sonho milenar da libertação da exploração tornou-se realidade pela mão e esforço dos trabalhadores agrícolas que construíram uma realidade nova.
As realizações foram tão mais impressionantes quanto se sabe o acosso a que esteve sujeita desde o início. E assim se percebe o espaço dado aos reaccionários que procuram denegrir a reforma agrária.
Nada que surpreenda de quem desde o primeiro dia conspirou contra Abril e a Reforma Agrária. Acções coercivas, violentas, ilegais; entrega forçada e violenta de máquinas e gado dos trabalhadores aos grandes agrários; extorsão, repressão, espancamentos, violência, elementos dramaticamente expressos nas mortes de José Caravela e António Casquinha, em 1979.
Espancamentos de milhares de trabalhadores, centenas de feridos, dezenas de presos e sujeitos a interrogatórios a lembrar o antigamente.
Uma acção da contra-revolução, pelas mãos do PS, PSD, CDS e outras forças reaccionárias, onde a Lei Barreto constituiu um poderoso instrumento para a entrega de terra aos agrários e a destruição de uma das maiores conquistas de Abril.
Ofensiva que se expressou também no plano mediático, com a reacção a repetir vezes sem conta mentiras, com o intuito de criar um sentimento no País contrário a uma das mais impressionantes conquistas da Revolução. Processo com o qual, ao longo dos anos nos deparamos sobre vários assuntos e que hoje assume particular expressão.
Mentiras como a que pretendia fazer crer que as terras que estavam a ser ocupadas eram de pequenos e médios agricultores.
As dificuldades que houve com pequenos e médios agricultores, aliás como o próprio camarada Álvaro Cunhal reconheceu no trabalho A revolução Portuguesa – o passado e o futuro, não foi em torno das suas terras cuja posse nunca teve em causa, mas sim no seu envolvimento e na compreensão de que a Reforma Agrária era também benéfica para eles.
Uma ofensiva que encontrou a determinação dos construtores da Reforma Agrária que se mantiveram firmes na sua defesa, envolvendo plenários com milhares de trabalhadores e a sua participação em greves, concentrações, manifestações, marchas e outras acções de luta, que contaram com centenas de milhares de trabalhadores, homens e mulheres.
A reforma agrária não falhou. A reforma agrária foi destruída, pela acção directa da contra-revolução para reconstituir o latifúndio e abrir portas ao capitalismo agrário.
Desde então, com os acordos de adesão e a entrada da CEE em Portugal em 1986, o País viu entrar para as áreas da agricultura milhares de milhões de euros em troca da sua agricultura e da sua soberania.
400 mil explorações foram destruídas, na sua esmagadora maioria pequenas e médias. 85% das explorações de leite foram destruídas. A idade média dos agricultores passou para 62 anos, sendo que 53% têm mais de 64 anos. A concentração da propriedade intensificou-se. O saldo da balança agro-alimentar atingiu perigosos níveis. A dependência de cereais situa-se hoje em 82%, sendo que, no caso do trigo, é de 95,8%; as reservas nacionais, que não estão na posse do Estado, chegam para apenas 15 dias. A injusta distribuição das ajudas faz com que 20% dos beneficiários recebam tanto como os restantes 80%. Sendo que 40% dos agricultores portugueses não beneficiam de qualquer ajuda nem nacional, nem comunitária. Degradam-se as estruturas públicas de investigação, desenvolvimento, inovação e extensão rural. As terras aráveis em Portugal desde 1989 reduziram-se em 55,8%. Uma realidade brutal que torna Portugal hoje um País dependente no que de mais estrutural pode existir, a sua soberania alimentar.
A realidade que temos agora é substancialmente diferente da que tínhamos em 1974, a realidade de hoje apresenta novos elementos. Alqueva introduziu novos elementos e a disponibilidade desse outro elemento essencial à produção, a água. O capitalismo agrário tem um crescimento exponencial a partir de apoios milionários entregues ao grande agronegócio. A produção acelera a partir do recurso a mão de obra em regime de quase escravatura. Aumenta a produtividade e os lucros a partir da sobre-exploração da terra e da utilização sistemática de pesticidas.
Caminhos que servem uns poucos, assentes no aumento da exploração e de opções erradas que esgotam solos, condicionam produções, impedem o rumo soberano do País.
A bem da agricultura, a bem dos trabalhadores agrícolas, a bem, também, dos pequenos e médios agricultores, a bem do País, é urgente e é possível uma outra política agrícola assente numa política alternativa.
No Programa do nosso Partido consta a necessidade de realizar uma reforma agrária.
A situação hoje existente coloca com actualidade a exigência da transformação da estrutura fundiária, a adopção de uma estratégia de desenvolvimento de acordo com o interesse nacional que se insere na alternativa patriótica e de esquerda que o País precisa.
A política agrícola que o PCP propõe, exactamente como consagrado na Constituição da República Portuguesa, admite espaço para a agricultura familiar, a pequena e média agricultura e até a agricultura de grande dimensão. Inclui os agricultores individuais, as sociedades agrícolas, o cooperativismo e o associativismo agrícola. Prevê a propriedade privada, a propriedade colectiva e comunitária e a propriedade pública.
Mas não deixamos de defender, firmemente, uma intervenção colectiva, a partir da participação popular ou do poder do Estado, que afirme a consigna a terra a quem a trabalha e que assegure um adequado planeamento. O que é hoje chão de lucro rápido de olival, amendoal ou outras culturas superintensivas, tem de ser pensado em função da necessidade de alimentação do nosso povo.
Defendemos uma política agrícola que assegure o crédito necessário aos investimentos e ao funcionamento imediato das novas explorações.
Uma política agrícola que assegure a intervenção nos mercados agrícolas,
garantindo o escoamento das produções e preços justos, enfrentando os interesses e a ditadura da grande distribuição comercial.
Uma política agrícola que garanta a gestão pública de toda a água, a começar pela água de Alqueva, do regadio do Mira e do Sado e dos que se vierem a concretizar, para garantir que esse bem público é colocado ao serviço dos agricultores e da produção nacional.
Uma política fiscal que contribua para o redimensionamento da propriedade fundiária e que assegure a redistribuição do rendimento pelos agricultores.
Uma política que reforce as estruturas públicas de investigação e desenvolvimento.
Uma política que garanta as condições de vida e os direitos de todos os trabalhadores agrícolas, portugueses e imigrantes, combatendo a exploração e o tráfico de mão de obra.
Uma política que fixe populações, reforce os serviços públicos e que articule o desenvolvimento agrícola com a protecção do ambiente.
Uma política agrícola que com coragem enfrente a situação que está à vista de todos, mas parece que alguns querem esconder ou adornar, a grave situação de emergência nacional de brutal dependência alimentar com que o País está confrontado.
É urgente um rumo e uma estratégia que garanta a soberania alimentar.
Neste momento em que assinalamos um dos processos mais relevantes da história do nosso País, aqui queremos reafirmar que, hoje e no futuro, tal como o foi no passado, a força dos trabalhadores e do povo é o elemento determinante e decisivo.
Essa força, esses trabalhadores, esse povo, o nosso povo, conta com o compromisso do Partido Comunista Português, com a sua determinação, iniciativa e confiança inabaláveis, para a luta pela ruptura com a política de direita, por uma política alternativa com os valores de Abril no futuro de Portugal, pela democracia e o socialismo.
Viva a Reforma Agrária
Viva o 25 Abril
Viva o PCP