Projecto de Resolução N.º 989/XII/3.ª

Recomenda a monitorização da aplicação da Lei Tutelar Educativa

Recomenda a monitorização da aplicação da Lei Tutelar Educativa

(Lei n.º 166/99, de 14 de setembro)

Exposição de motivos

A vastidão de legislação em matéria de menores deixa pouca margem para admitir que haja défice de legislação em matéria de menores ou de proteção de jovens em risco. Várias dezenas de diplomas, entre leis, decretos-leis, decretos regulamentares, Convenções internacionais regulam a matéria. Várias dezenas de entidades, incluindo os Tribunais, as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, os Centros Educativos ou as escolas assumem um papel essencial na educação e para a cidadania.

Os problemas e dificuldades começam, de facto, nos mecanismos concretos desta teia de competências, na inexistência de meios humanos em número suficiente que garantam o acompanhamento efetivo de cada jovem e sua família, na conceção de algumas competências atribuídas a alguns órgãos, na inexistência de uma abordagem integrada e transversal nas dimensões económicas, sociais, culturais, educativas e formativas, que assegurem uma mudança efetiva na vida destas crianças e jovens.

Crianças e jovens oriundos de meios económicos e sociais muito vulneráveis onde as necessidades básicas de sobrevivência e socialização inclusiva dificilmente são satisfeitas, e hoje são profundamente agravadas pela crise económica que estamos a viver.

Na verdade, a análise cuidada da Lei Tutelar Educativa em vigor revela que aquando da implementação, por exemplo, das medidas cautelares se ignoram as condições efetivas que a curto e médio prazo devem orientar a verdadeira inserção do jovem, que tendo obtido a sua formação num centro educativo necessita de acompanhamento posterior na inserção no mundo do trabalho.

Uma das principais lacunas é o acompanhamento regular após o cumprimento do programa que foi delineado. A perspetiva de intervenção não pode ser casuística e irregular, sendo essencial para a perceção do êxito do programa o acompanhamento da família ou de quem tem a guarda e é o alicerce do seu regresso, bem como as condições económicas e sociais que o vão receber e onde estará inserido. O trabalho realizado com o jovem pode ser posto em causa se outras medidas de acompanhamento não forem atempadamente assumidas.

Da análise da lei, confirmamos ainda que continuam por implementar as instituições de guarda que assegurem a medida cautelar prevista na alínea b) do artigo 57.º da Lei Tutelar Educativa; que a medida de guarda em centro educativo tem o âmbito de aplicação extremamente restringido pelos pressupostos fixados no artigo 17.º e pelo n.º 2 do artigo 58.º da mesma lei; e que a medida de entrega ao representante legal, que em muitos casos já demonstrou não ter condições para resolver o problema, é insuficiente.

O último Relatório apresentado pela Comissão de Acompanhamento dos Centros Educativos na Assembleia da República, relativo ao ano de 2012, é claro na avaliação que faz da situação destas estruturas e das carências detetadas. Neste documento são destacadas como medidas de melhoramento a organização individual dos processos dos educandos; a humanização das instalações; a existência de apoios educativos especiais tendo em conta a componente escolar; a importância da literacia; a existência de estratégias pedagógicas de combate às dificuldades de aprendizagem; a necessidade de previligiar a abertura à comunidade que os modelos educativos devem assumir; a preparação do retorno à comunidade com a necessária integração profissional; o trabalho com as famílias ainda mais importante num contexto de elevado desemprego e agravamento da pobreza e da exclusão social; o acompanhamento da saúde e especialmente da saúde mental assegurando os apoios e acompanhamento adequados.

Foram ainda realçados no mesmo Relatório alertas que tomamos por muito importantes: o insuficiente trabalho nos contextos de origem; a não preparação da integração e a inexistência de propostas alternativas de integração no retorno à comunidade; as dificuldades no apoio e na preparação dos técnicos profissionais, a sua necessidade de recrutamento e a organização do trabalho; o desfasamento entre a prática do ato do último crime e a decisão judicial de encaminhamento para um centro educativo (que se situava, nessa altura, entre os dois meses e meio e os 35 meses).

Não há qualquer dúvida de que as equipas da Segurança Social, da Direção Geral de Reinserção e Sistema Prisional, das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, da PSP ou da GNR, dos Centros Educativos, assumem um papel de grande relevo neste processo. Daí que a carência de meios humanos e financeiros representem um grande entrave a uma das dimensões fundamentais deste processo: a prevenção.

Com efeito, o PCP considera que o percurso de integração e acompanhamento destes jovens não depende de grandes alterações legislativas, mas antes da existência de uma abordagem de intervenção integrada com respostas efetivamente inclusivas no domínio educativo, cultural, social e económico. Num contexto de empobrecimento generalizado, de agravamento da pobreza e da exclusão social, de degradação das condições de trabalho, de aumento do horário de trabalho e de incapacidade de articulação da vida profissional e de acompanhamento dos filhos muitas famílias são confrontadas com situações dramáticas.

Podemos concluir que face a um vasto leque de delitos e de situações vivenciais de delinquência a aplicação isolada de medidas cautelares não é suficiente para, de forma eficaz, proteger e educar o jovem para o direito e a sua inserção na sociedade. Tal complexidade exige uma intervenção na prevenção e acompanhamento posterior que se configura como determinante para o sucesso do processo inclusivo do jovem.

A articulação e a harmonização de procedimentos, a troca de informações, a cooperação entre todas a entidades envolvidas, bem como ao nível governamental com o envolvimento direto não só do Ministério da Justiça, mas igualmente do Ministério da Administração Interna, Educação e Ciência e da Solidariedade, Emprego e Segurança Social são de grande relevo para o funcionamento adequado do sistema.

No entendimento do PCP, apenas uma outra organização da sociedade baseada na valorização do trabalho, na erradicação da pobreza e da exclusão social, numa mais justa distribuição da riqueza, na defesa da escola pública inclusiva enquanto espaço de emancipação individual e coletiva, e de formação da cultura integral pode contribuir para o combate às causas profundas destes fenómenos juvenis.

Logo em 1999 e depois em 2007 o PCP afirmou que “estamos perante uma criação de um direito penal e processual dos pequeninos”. Realçámos a seu tempo o facto deste “regime tutelar educativo ficcionar que, com as medidas adotadas, o menor será reeducado na base de uma maior responsabilização individual pela aquisição de valores da sociedade” e de que por outro lado, se condicionar o futuro da reinserção social do menor por interesses de prevenção geral e especial, sobrepondo preocupações securitárias ao interesse do Estado na ressocialização do menor”.

Consideramos já ter decorrido tempo suficiente após a publicação da lei em 1999 e respetiva implementação que permita a análise da eficácia das medidas cautelares aplicadas junto dos jovens educandos. O PCP afirma que, sem prejuízo de futuras alterações à atual Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, surge como necessidade imediata a avaliação dos efeitos da aplicabilidade deste regime tutelar educativo.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte:

PROJETO DE RESOLUÇÃO

Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que num prazo máximo de 120 dias, promova a monitorização e análise dos efeitos práticos da Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, que aprova a Lei Tutelar Educativa, por forma a possibilitar o conhecimento e a avaliação dos resultados efetivos da sua aplicação.

Assembleia da República, em 21 de março de 2014

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