As últimas semanas têm sido pródigas em notícias sobre as implicações de herbicidas contendo glifosato na saúde humana. Parte do mediatismo está relacionada com a discussão na União Europeia sobre a renovação da autorização para aplicação deste fitofármaco. A licença do glifosato expira em junho do presente ano e o próximo passo será a votação do Comité Científico, no dia 18 de maio, que aprovará ou rejeitará a proposta da Comissão, por maioria qualificada. Se tal não acontecer, caberá à Comissão Europeia decidir a renovação da autorização de utilização do glifosato. No passado mês de abril, a pronúncia do Parlamento Europeu - com 374 votos a favor, 225 contra e 102 abstenções - foi no sentido de renovação da licença de utilização do glifosato em agricultura no espaço da União Europeia por mais sete anos.
Esta não é uma matéria nova para a Assembleia da República. Já outras vezes aqui se discutiu a utilização deste fitofármaco e muitas outras vezes se abordaram as matérias gerais de utilização de fitofármacos, ou pesticidas, nomeadamente aquando da transposição de diretivas comunitários, como aconteceu na discussão da Lei nº 26/2013, de 11 de abril.
Quando falamos de fitofármacos, vulgarmente conhecidos como pesticidas, falamos de produtos químicos utilizados no apoio à atividade humana, que podem ter efeitos muito variados na vida, incluindo a humana. Em muitos casos, esses efeitos têm uma relação estreita com as formas de utilização e as dosagens usadas. Noutros casos, os impactos ultrapassam estes aspetos. No caso do glifosato, é afirmado pelos especialistas que o produto provocou cancro em cobaias e poderá provocar cancro nos seres humanos. A Organização Mundial de Saúde considerou que o glifosato é composto por substâncias “provavelmente cancerígenas para o ser humano”. Já a Agência Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) tem vindo a defender que “o alegado potencial carcinogénico não está ligado ao glifosato, mas a um coformulante (taloamina) em certos produtos fitofarmacêuticos que evidenciou um potencial genotóxico.”
Tendo como base informações desta natureza, no passado dia 12 de maio, o Ministério da Agricultura veio proibir a venda de produtos com taloamina e, para tal, “os serviços da direção geral de alimentação e veterinária, notificaram as empresas produtoras de fitofármacos sobre a taloamina, um co-formulante utilizado nos compostos herbicidas à base de glifosato, tendo em vista a retirada imediata desta substância do mercado. Nessa medida, todos os produtos fitofarmacêuticos que contenham taloamina devem ser cancelados, tendo sido estabelecida a data de 30 de junho como prazo limite para as empresas procederem à recolha dos produtos.” O Ministério informa ainda que “esta proibição determina a saída de 17 produtos do mercado, de um total de 83 que contêm glifosato. Em causa estão produtos provenientes de 11 empresas diferentes a operar no mercado português.”
A necessidade de utilização dos fitofármacos, associada à preocupação permanente com a sua utilização, obriga a que o país tenha capacidade própria para controlar e monitorizar, quer a aplicação destes produtos, quer os seus efeitos. E, nesta matéria, o nosso país tem vindo a perder capacidade de intervenção, designadamente, porque algumas destas competências foram transferidas para a União Europeia. A Comissão Consultiva de Pesticidas e a Comissão de Avaliação Toxicológica de Produtos Fitofarmacêuticos foram criadas em 1994 (Decreto-Lei 284/94, de 11 de novembro) e anuladas por diversos governos, com o argumento de que cabe à Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar o acompanhamento destas matérias. Se associarmos a isto o desinvestimento nos laboratórios de Estado, sem capacidade para fixar novos investigadores e, em alguns casos, sem dinheiro para a gestão mais básica, o nosso país está numa situação de completa fragilidade face ao acompanhamento destas problemáticas.
Toda a atividade humana tem efeitos sobre a natureza, mas no que concerne à produção agrícola é indispensável acautelar que esses efeitos não contribuam para destruir os solos e os territórios e não exterminem os meios de produção. Por isso, a forma como a agricultura é praticada e os modelos produtivos e económicos que se instalam não podem estar desligados de preocupações com a sustentabilidade dos solos, dos ecossistemas, dos territórios e da atividade desenvolvida.
A agricultura de pequena escala, a agricultura familiar, embora tendencialmente mais carente de formação e acompanhamento técnico (questão dificultada pelo desmantelamento dos serviços do Ministério da Agricultura), é também mais cautelosa na aplicação de fatores de produção porque eles têm custos mais dificilmente suportáveis pelas explorações mais pequenas.
O modelo capitalista de agricultura, como o desenvolvido pelo agronegócio, tem como objetivo a remuneração rápida e elevada das suas aplicações, pelo que as capacidades produtivas são levadas ao extremo.
A acompanhar estes modelos estão grandes multinacionais, que desenvolvem as sementes, que patenteiam (como têm tentado patentear até as variedades milenares utilizadas pelos seres humanos) e desenvolvem os fitofármacos, agressivos para todas as outras variedades, exceto para as desenvolvidas por si. É este o caso do glifosato, sendo utilizado de forma generalizada como herbicida, é também um herbicida seletivo, que não ataca algumas variedades de milho geneticamente modificado.
Multinacionais como a Monsanto, a Syngenta ou a Bayer vendem os produtos e as sementes das plantas resistentes aos seus fitofármacos. O controlo total do processo produtivo está cada vez mais nas mãos destas multinacionais, se a isto acrescendo o seu apetite, já mencionado, por patentearem a vida como se a tivessem criado.
O modo como estas empresas operam deixa os produtores sem alternativas e a verdade é que a proibição imediata destes produtos coloca os produtores perante o facto de ficarem sem alternativa para controlar pragas e ervas daninhas que ameaçam as suas culturas e a sua rentabilidade.
As alternativas têm de ser estimuladas para que, paralelamente, se possa ir reduzindo o recurso a produtos menos amigos do ambiente e mantendo a rentabilidade das explorações. Medidas com estes objetivos estão previstas. O Decreto-Lei nº 256/2009, de 24 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 37/2013, de 13 de março, definiu as medidas de proteção e produção integradas. Nele se consagra que a “prática da proteção integrada exige um amplo conhecimento da cultura, dos organismos auxiliares da cultura, dos seus inimigos, assim como dos diversos fatores que contribuem para a sua nocividade (bióticos, abióticos, culturais e económicos) de forma a se efetuar, adequadamente, a estimativa do risco resultante da presença desses inimigos.” No seguimento, a produção integrada “é um sistema agrícola de produção de produtos agrícolas e géneros alimentícios de qualidade, baseado em boas práticas agrícolas, com gestão racional dos recursos naturais e privilegiando a utilização dos mecanismos de regulação natural em substituição de fatores de produção, contribuindo, deste modo, para uma agricultura sustentável.”
O maior problema tem sido a promoção destas medidas. Na declaração de voto do PCP aquando da aprovação da Lei nº 26/2013, de 11 de abril, que “Regula as atividades de distribuição, venda e aplicação de produtos fitofarmacêuticos para uso profissional”, o seu grupo parlamentar assinalava de forma crítica, “a não consideração na lei da proteção integrada como elemento nuclear no desenvolvimento da fitossanidade, culminando-se, assim, um processo de destruição, a partir de 2006, dos avanços que vinham sendo verificados na concretização da proteção integrada na produção vegetal do País.” O momento atual também parece não ser mais promissor. As limitações financeiras que têm sido divulgadas nas Medidas Agroambientais do PDR2020, que apontam para um comprometimento das verbas disponíveis para todo o Programa até 2020 (e com o cumprimento de critérios de encerramento de programas, até 2022), fazem com que para medidas como conservação e manutenção em agricultura biológica ou produção integrada, não haja disponibilidade financeira para o seu incremento.
Toda a atividade humana tem efeitos sobre o ambiente e os ecossistemas. O desenvolvimento científico e tecnológico permite, cada vez mais, a existência de alternativas que minorem ou anulem esses efeitos. É, pois, obrigação dessa atividade humana, mas também do Estado, manter adequados mecanismos e instrumentos de monotorização da aplicação de produtos químicos na natureza, fomentar práticas menos agressivas para o ambiente e estimular a investigação na procura de produtos e de procedimentos tendencialmente menos agressivos.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 158º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do nº 1 do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:
1. Constitua uma comissão multidisciplinar permanente dotada de capacidade técnica e científica e envolvendo entidades públicas com responsabilidades nas áreas da saúde, ambiente, agricultura, trabalho e economia, que:
a) Aprecie, no mais curto prazo possível e em conformidade com a informação científica e técnica disponível, a adequação das condições de utilização de produtos contendo glifosato, propondo as medidas adequadas;
b) Estabeleça, após compilação e análise da informação científica e técnica necessária, a indicação quanto à possibilidade ou interdição da utilização de produtos contendo glifosato;
c) Assuma funções de acompanhamento da toxicidade dos produtos fitofarmacêuticos utilizados em Portugal, à semelhança das competências detidas pelas inativas Comissão Consultiva de Pesticidas e pela Comissão de Avaliação Toxicológica de Produtos Fitofarmacêuticos, criando no país capacidade autónoma nesta matéria;
2. Estabeleça um calendário para criação de uma lista de coformulantes não aceites para inclusão em produtos fitofarmacêuticos;
3. Promova e estimule a investigação nos laboratórios públicos, nos centros de investigação e no meio académico, sobre o controlo de plantas infestantes nos espaços públicos e nas culturas agrícolas.
4. Reforce e promova as medidas de proteção e produção integrada na atividade agrícola.