Projecto de Resolução N.º 177/XVI/1

Recomenda ao Governo o descongelamento e correção do Plano Ferroviário Nacional de modo a investir na ferrovia e enfrentar as dificuldades

Exposição de motivos

No final de 2022, o Governo PS apresentou uma proposta de Plano Ferroviário Nacional (PFN). A proposta tinha alguns méritos e enormes insuficiências, sobre as quais o PCP apresentou então – e publicamente – a sua opinião e propostas. Sintetizámos a nossa visão na seguinte frase: «O PFN, sendo uma reflexão sobre o desenvolvimento da infraestrutura ferroviária e dos serviços que a devem utilizar, não incorpora as medidas necessárias para que ele possa algum dia sair do papel. É um plano sem prioridades, calendário, nem garantias e quantificação do financiamento necessário à execução do mesmo.»

Na ocasião, o Governo anunciou que o PFN seria objeto de discussão pública e de discussão na Assembleia da República. A primeira foi lançada, foi considerada encerrada pelo Governo no final de fevereiro de 2023, mas desconhece-se o seu conteúdo. A segunda nunca se concretizou. O PFN foi congelado ainda pelo Governo PS, que nunca promoveu a sua aprovação final, apesar de ter disposto do tempo e das condições políticas para tal.

O novo Governo PSD/CDS anunciou uma aposta ainda maior na liberalização e prometeu, no programa do governo, acelerar a pulverização do sector ferroviário nacional.

Ou seja, promete acelerar todos os processos que explicam o atraso crescente da ferrovia nacional. Aliás, a ausência de qualquer abordagem crítica sobre a não concretização de planos e investimentos anteriormente previstos era uma das grandes falhas que o PCP apontou à proposta de PFN, uma falha que não só diminuía a credibilidade da proposta do Governo PS como se refletia na ausência de medidas estruturantes para resolver – de facto – os problemas da ferrovia nacional.

É preciso fazer uma apreciação crítica sobre o facto de o programa Ferrovia 2020 (lançado em 2016), com data anunciada de conclusão marcada para 2021, ter neste momento apenas 15% dos investimentos concluídos (e o restante com atrasos superiores a quatro anos).

É preciso responder à pergunta sobre porque é que um dos elementos centrais da proposta de PFN – a nova Linha de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto – está consensualizada há mais de 30 anos, já foi anunciada inúmeras vezes e ainda não se concretizou.

É preciso explicar porque a Terceira Travessia sobre o Tejo – entre Lisboa e o Barreiro (TTT) – consta de todos os instrumentos de planeamento estratégico da Área Metropolitana de Lisboa - AML há mais de 20 anos, a proposta de PFN chama-lhe «a peça mais importante em falta na rede ferroviária nacional», desde 2010 que a Escola Afonso Domingues está fechada para permitir a construção do canal de acesso à ponte, e, no entanto, nada foi feito.

É preciso perceber por que motivos o país está condenado a pagar 220 milhões por uma Linha de Alta Velocidade (LAV) que nem um centímetro tem – a PPP da construção do Linha de Alta Velocidade a Madrid – e PS e PSD, mas também a IL e o Chega, já querem envolver o País em novas PPP na ferrovia. É preciso perceber para que razão precisaria o país de uma nova PPP para a LAV, se a Presidente do BEI já anunciou publicamente que estão disponíveis 3000 milhões de euros para emprestar a quem construir a Linha de Alta Velocidade. É preciso perceber por que razão não avança a IP, em vez de estar uns anos à espera que se decida qual o consórcio que, em mais uma PPP, vai receber esses empréstimos públicos, usar o dinheiro para construir a infraestrutura e passar a cobrar ao Estado português o pagamento desse mesmo empréstimo com mais uma choruda renda.

É preciso perceber porque refere o PFN ligações a Sevilha, a Barcelona, a Madrid, a Vigo e a Paris, mas o país está sem as ligações internacionais à Europa que existiram até 2019.

É iniludível que a principal causa dos atrasos nacionais radica no processo de liberalização da ferrovia (com os sucessivos “pacotes ferroviários”) imposto a partir da União Europeia e concretizado em Portugal nos últimos 20 anos: a diminuição do investimento público, em função das imposições do Euro (défice); a separação da infraestrutura da operação com a criação da REFER e posterior integração na Infraestruturas de Portugal – IP em conjunto com a rede rodoviária; a preparação da entrega do sector às multinacionais; estas foram e são as razões de tanto atraso, tanto adiamento, tanta promessa por cumprir.

O que atrasou a ferrovia nacional foi a liberalização. E um PFN que não questiona a liberalização e propõe o seu aprofundamento é um PFN que não responderá às necessidades nacionais.

A tudo isto deve acrescer-se que um PFN não pode limitar-se a ser um Plano sobre serviços e infraestrutura.

Logo em janeiro de 2023 o PCP assinalou que à proposta de PFN «faltam comboios, sobre os quais nada planifica, e sem os quais nada funciona». No Plano e na vida da ferrovia nacional, com os concursos a arrastarem-se anos a fio na corrida de obstáculos em que a política de direita transformou estes processos para limitar a intervenção das empresas públicas.

O PCP afirmou que a este plano faltavam os ferroviários, pois era um plano onde «rigorosamente nada é dito sobre os trabalhadores, sobre a necessidade da sua formação e valorização». E continua a haver notícia da falta de operacionais na CP – quer nos comboios, quer nas oficinas – bem como na IP, devido aos baixos salários, más condições de trabalho e más perspetivas de carreira.

O PCP reiterou que o PFN tinha de ter em conta a ligação ferroviária ao Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), que a proposta conhecida não contempla, e agora vai exigir uma alteração à última fase da ligação Porto-Lisboa, como o PCP propôs publicamente em Dezembro de 2023, entrando em Lisboa pela TTT (margem esquerda), depois de ligar ao Aeroporto.

Importa ainda reafirmar as linhas centrais para o desenvolvimento da infraestrutura e dos serviços ferroviários, quer aqueles que se encontram amplamente estudados e consensualizados (mas cuja concretização tem sido sucessivamente adiada pelos sucessivos governos), quer aqueles que satisfazem necessidades evidentes e importa rapidamente colocar em andamento. Já estimámos que o investimento em ferrovia deveria, no prazo de 10 anos, chegar a 0,5% do PIB – infraestrutura, material circulante, reforço operacional – numa opção que tem o potencial de contribuir para a dinamização da atividade económica do País, do aparelho produtivo e da indústria nacional, contribuindo para a criação e fixação de emprego qualificado, a coesão territorial, a diminuição de importações, a redução da dependência do transporte individual, a defesa do meio ambiente, a modernização e desenvolvimento do País.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo que:

  1. Envie à Assembleia da República a proposta de Plano Ferroviário Nacional, bem como o conjunto dos contributos recebidos na discussão pública;
  2. Adote as medidas necessárias para que a aquisição de material circulante para a CP – para o Regional, o Urbano e o Longo Curso (incluindo serviço de Alta Velocidade) – seja acelerada;
  3. Tome as medidas necessárias para o urgente e justo aumento dos salários dos ferroviários, no quadro de uma valorização profissional essencial ao desenvolvimento e segurança da própria ferrovia;
  4. Informe a Assembleia da República, em detalhe, do estado de concretização do Ferrovia 2020, e das medidas adotadas para superar os atrasos;
  5. Acabe com a desastrosa separação entre gestão da infraestrutura e gestão do transporte ferroviário, reunifique a ferrovia e promova a reconstrução da REFER;
  6. Calendarize e garanta os fundos necessários e sobretudo concretize um conjunto de investimentos na rede e nos serviços que estão no essencial consensualizados, designadamente:
    1. Concretização das intervenções de modernização e eletrificação da rede ferroviária nacional, na Linha do Algarve, na Linha do Oeste, na Linha da Beira Alta, na Linha do Douro, na Linha do Leste, na Linha do Alentejo de Casa Branca a Beja e a Ourique, com variante ao Aeroporto de Beja, na Linha de Cintura a quadruplicação de Roma-Areeiro a Braço de Prata, na Linha de Cascais e na Linha do Minho a quadruplicação de Contumil a Ermesinde;
    2. Construção da Terceira Travessia sobre o Tejo (TTT) entre Chelas e Barreiro em modo rodoferroviário com as respetivas conexões à Linha de Cintura, Estação Oriente e Poceirão;
    3. Construção faseada da nova linha para alta velocidade Lisboa–Porto da estação Oriente até à estação de Campanhã, com entrada em Lisboa pela TTT e paragem no novo Aeroporto, com alargamento progressivo dos serviços de intercidades e de alta velocidade a novos polos urbanos com redução do tempo de viagem;
    4. Conclusão da ligação Évora-Elvas, assegurando o seu pleno aproveitamento para transporte de passageiros e de mercadorias nesta região com a construção de terminais rodoferroviários de mercadorias em Vendas Novas, Évora e Alandroal;
    5. Reversão do processo de transferência dos terminais rodoferroviários de mercadorias, designadamente de Leixões e da Guarda, da IP para a Administração do Porto de Leixões, que este mesmo Governo implementou;
    6. Intervenção com carácter de urgência em infraestruturas diversas – nas estações e no reforço da sua guarnição, nos apeadeiros, na retoma do processo de supressão de passagens de nível, etc. – introduzindo melhoramentos que há muito são reclamados pelos utentes, trabalhadores e populações;
    7. Alargamento da oferta no curto prazo, procedendo designadamente a iniciativas conducentes à retoma urgente dos comboios noturnos a Madrid e Hendaia; ao aumento da oferta na Linha do Sul recuperando a ligação a Alcácer do Sal; à garantia de um serviço regular que permita deslocações pendulares entre Guarda-Belmonte-Covilhã-Fundão na Linha da Beira Baixa; à criação de condições para a operação com bitensão no serviço Porto-Vigo;
  7. Planeie e projete o desenvolvimento, no médio prazo, da rede e dos serviços, incluindo nomeadamente:
    1. Possíveis ligações em Alta Velocidade – AV de Aveiro a Viseu e Mealhada, potenciando a aproximação à Guarda e a Salamanca, do Porto a Braga e Valença articulada com a ligação a Vigo, e de Évora e Beja a Faro e Vila Real de Santo António com vista à continuidade a Huelva e Sevilha;
    2. Construção de ligações diretas de Braga a Guimarães e a Barcelos;
    3. Reposição das ligações ferroviárias a Vila Real e Bragança, incluindo a possibilidade de uma nova linha;
    4. Ligação da Linha do Algarve ao Aeroporto de Faro e Universidade do Algarve;
    5. Ligação desde a TTT até Évora em AV, completando a ligação à fronteira do Caia na perspetiva da continuidade a Badajoz e Madrid;
    6. Ligação da Linha do Oeste à Linha de Cintura por Loures;
    7. Estudo e investimento na reabertura de troços e linhas encerradas ao longo dos anos, visando o aproveitamento e interligação com a restante malha ferroviária, de que são exemplo a ligação Figueira da Foz – Pampilhosa; a reposição e eletrificação do Ramal da Lousã; a requalificação, modernização e eletrificação da Linha do Vale do Vouga.
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