Intervenção de António Filipe na Assembleia de República, Reunião Plenária

O atraso da ferrovia em Portugal deve-se ao no processo de liberalização da ferrovia imposto pela UE

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Quando, no final de 2022, o Governo PS apresentou uma proposta de Plano Ferroviário Nacional, o PCP considerou que essa proposta, sendo uma reflexão sobre o desenvolvimento da infraestrutura ferroviária e dos serviços que a devem utilizar, não incorporava as medidas necessárias para que ele pudesse algum dia sair do papel. Era um plano sem prioridades, sem calendário, sem quantificação do financiamento necessário à sua execução.

Da discussão pública nunca se soube. O debate parlamentar nunca chegou a haver apesar de ter havido tempo e condições para o fazer.

Todos reconhecem hoje o atraso clamorosa da ferrovia em Portugal, mas tanto o PSD como o PS fazem por esquecer que a principal causa desse atraso radica no processo de liberalização da ferrovia imposto a partir da União Europeia e concretizado em Portugal nos últimos 20 anos. A diminuição do investimento público, a separação da infraestrutura da operação com a criação da REFER e posterior integração na Infraestruturas de Portugal, a preparação da entrega do sector às multinacionais, foram e são as razões de tanto atraso, tanto adiamento, tanta promessa por cumprir.

Há cerca de dois meses o Jornal Expresso publicou um artigo intitulado “40 anos de marcha atrás nos comboios”, onde se refere que nas últimas quatro décadas, Portugal perdeu mais de mil quilómetros de ferrovia e os investimentos ficaram concentrados no litoral. Os Governos de Cavaco Silva foram os responsáveis pela maior parte dos fechos de linhas, mas os encerramentos já vinham planeados desde os Governos da AD e do Bloco Central nos anos oitenta.

O PS vem agora propor que o Governo AD concretize um Plano que, sendo seu, nunca chegou a apresentar, onde se propõe voltar a ligar pela ferrovia capitais de distrito e outras cidades que durante quarenta anos na companhia do PSD e CDS andou a desligar.

Sabe-se o que o novo Governo tem programado: uma maior liberalização e maior segmentação das empresas ferroviárias, ao que tudo indica para facilitar novas privatizações. Isto é, vai prosseguir a política que conduziu o transporte ferroviário português à situação de desastre em que se encontra.

Entretanto, o programa Ferrovia 2020, lançado em 2016 com data anunciada de conclusão marcada para 2021, tem neste momento apenas 15% dos investimentos concluídos.

A nova Linha de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto está consensualizada há mais de 30 anos, já foi anunciada inúmeras vezes e ainda não se concretizou.

A Terceira Travessia sobre o Tejo – entre Lisboa e o Barreiro – consta de todos os instrumentos de planeamento estratégico da Área Metropolitana de Lisboa há mais de 20 anos, e nada foi feito.

O país está condenado por uma decisão arbitral no âmbito de uma PPP a pagar 220 milhões por uma Linha de Alta Velocidade para Madrid que nem um centímetro tem e já querem envolver o país em novas PPP na ferrovia.

O Plano Ferroviário Nacional refere ligações a Sevilha, a Barcelona, a Madrid, a Vigo e a Paris, mas o país está sem as ligações internacionais à Europa que existiram até 2019.

Logo em janeiro de 2023 o PCP assinalou que à proposta de Plano Ferroviário Nacional faltavam comboios, sem os quais nada funciona, e que faltavam ferroviários, que já hoje faltam na CP, quer nos comboios, quer nas oficinas, devido aos baixos salários, más condições de trabalho e más perspetivas de carreira.

O PCP reiterou que o Plano Ferroviário Nacional tinha de ter em conta a ligação ferroviária ao Novo Aeroporto de Lisboa, e vai exigir uma alteração à última fase da ligação Porto-Lisboa, com a entrada em Lisboa pela Terceira Travessia do Tejo depois de ligar ao aeroporto.

Importa ainda reafirmar as linhas centrais para o desenvolvimento da infraestrutura e dos serviços ferroviários, quer aqueles que se encontram amplamente estudados e consensualizados (mas cuja concretização tem sido sucessivamente adiada pelos sucessivos governos), quer aqueles que satisfazem necessidades evidentes e importa rapidamente colocar em andamento. Já estimámos que o investimento em ferrovia deveria, no prazo de 10 anos, chegar a 0,5% do PIB – infraestrutura, material circulante, reforço operacional – numa opção que tem o potencial de contribuir para a dinamização da atividade económica do País, do aparelho produtivo e da indústria nacional, contribuindo para a criação e fixação de emprego qualificado, a coesão territorial, a diminuição de importações, a redução da dependência do transporte individual, a defesa do meio ambiente, a modernização e desenvolvimento do País.

O PCP nunca deixou de lutar contra a política de liquidação da rede ferroviária e do transporte ferroviário em Portugal e de fazer chegar à Assembleia da República a luta das populações contra a política ferroviária de direita do PS, do PSD e do CDS, e nunca deixou de apresentar propostas de outros caminhos e soluções para a modernização da ferrovia nacional.

É isso que volta a fazer hoje, com a apresentação do projeto de resolução que submete a esta Assembleia, avançando com medidas concretas e necessárias para enfrentar as dificuldades que afetam a rede ferroviária nacional, para corrigir e descongelar o Plano Ferroviário Nacional e investir decididamente na ferrovia como fator essencial para o desenvolvimento nacional.

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