&quot;Receitas que se repetem&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

Em Portugal e nas instituições europeias as receitas da maioria repetem-se, com propostas que visam assegurar o domínio dos grupos económicos e financeiros. No caso da União Europeia trata-se, ainda, de estar ao serviço sobretudo dos quatro ou cinco países mais poderosos. Para quem tivesse dúvidas, bastava ter assistido aos debates que se realizaram com o Presidente indigitado da Comissão Europeia, Dr. Durão Barroso, para esclarecer qualquer dúvida. A forma evasiva como respondeu às questões que lhe colocámos, a manutenção da sua posição de apoio à ocupação do Iraque, a falta de resposta à necessidade de mudar de políticas económicas e sociais para resolver os graves problemas de desemprego, de pobreza e exclusão social, a insistência na prioridade à concorrência e à construção do mercado interno, clarificaram que o caminho que vai seguir é a defesa de mais do mesmo. Para nós, portugueses, que conhecemos a sua política, que sabemos a forma fundamentalista como aplicou o Pacto de Estabilidade e a Agenda de Lisboa, como acelerou privatizações, como agravou as consequências das políticas do modelo neoliberal, com mais desemprego, piores serviços públicos, mais precaridade do emprego, não podemos acreditar na sua proposta de que é um candidato do consenso. De facto, no plano comunitário, segue o caminho traçado em Maastricht, prosseguido em Amesterdão e Nice, aprofundado com a chamada estratégia de Lisboa, que acelera liberalizações e privatizações, com o primado da concorrência e a sua sobreposição quanto às políticas sociais, impedindo uma verdadeira política de inclusão social. Não podemos deixar passar em claro a sua insensibilidade ao drama das mulheres e suas famílias que, agora no tribunal de Setúbal, como anteriormente em Aveiro, na Maia e em outros tribunais do País, enfrentam um julgamento por acusações de aborto clandestino. É uma vergonha o que se passa em Portugal! O actual candidato a Presidente da Comissão Europeia, Dr. Durão Barroso, foi também responsável pela não alteração da lei injusta e iníqua que continua a condenar mulheres acusadas de práticas de aborto clandestino. Como se pode ler no abaixo-assinado de que tomei a iniciativa, e já recolheu centenas de assinaturas, não pararam de existir novas situações que envolvem clínicas, parteiras, mulheres. Várias instâncias internacionais têm vindo a manifestar as suas preocupações pela existência destas leis restritivas em relação ao aborto, porque os abortos clandestinos têm sérios impactos negativos na saúde das mulheres e no seu bem-estar. É inadmissível que o Estado português mantenha uma lei desajustada da realidade social, uma lei desumana e cruel para as mulheres: atira-as para os circuitos de clandestinidade em Portugal; trata-as como criminosas e senta-as no banco dos réus, podendo ser condenadas até três anos de prisão. Assim, não só mais uma vez, também no debate em Bruxelas, manifestámos a nossa solidariedade para com as mulheres em julgamento, em Setúbal, como apelámos à solidariedade internacional para que se encare o problema e se resolva, pondo fim à legislação que condena as mulheres. Mas sabemos que esta é uma luta que temos de continuar com muita firmeza nos próximos tempos. Tal como a luta contra a Constituição europeia, que ainda pode vir a ser rejeitada nos referendos ou decisões nos parlamentos nacionais. É certo que os interesses do capitalismo neoliberal unem a direita e a social democracia europeia, como também mais uma vez está a ficar claro nas negociações em torno da Presidência da Comissão Europeia e da votação que se vai realizar no dia 22 de Julho, em Estrasburgo. Sabemos que estamos num momento particularmente crítico da integração europeia, com decisões cada vez mais centralistas, de um capitalismo mais agressivo, de uma via cada vez menos democrática e perigosamente militarista. Continuaremos a lutar para conseguir uma Europa de mais justiça social, de desenvolvimento, de coesão económica e social, de paz e cooperação com os povos de todo o mundo.

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