&quot;A vitória do NÃO em França&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Comércio do Porto&quot;

A importante vitória do “Não” no referendo em França sobre o projecto da dita constituição europeia é, sem dúvida, um acontecimento de grande importância e significado políticos, com inevitáveis repercussões no plano europeu e internacional. Por muito que alguns comentaristas portugueses tentem desvalorizar o resultado ou dar-lhe uma leitura distorcida, a verdade é que se trata, acima de tudo, de um “Não” popular e de esquerda que exprime o generalizado descontentamento dos trabalhadores e do povo francês perante as políticas anti-populares e anti-democráticas que o novo Tratado pretende institucionalizar. Este “Não” francês é, acima de tudo, uma clara condenação das políticas neoliberais que o tratado visa reforçar. Não é, como afirmam os defensores do projecto neoliberal, federalista e militarista da Europa, apenas a condenação da política interna francesa. Quem viveu de perto a campanha do referendo, participou em iniciativas em França, verificou como havia um conhecimento popular dos artigos mais negativos do Tratado, como havia uma forte oposição ao seu conteúdo, sobretudo na área dos trabalhadores, de intelectuais e da juventude.Assim, não espanta a resposta clara e inequívoca do povo francês que, apesar da enorme campanha ideológica, publicitária e de pressão psicológica utilizada pelos defensores do Sim, com a participação dos principais responsáveis europeus, incluindo o Primeiro-Ministro e o Presidente da República de Portugal, exprimiu a recusa de um Tratado que visa institucionalizar as políticas neoliberais de carácter global que têm expressão tanto em França como em Portugal. Depois de uma violenta campanha catastrofista e de inaceitáveis pressões e ingerências externas dos órgãos da União Europeia e de governos estrangeiros, esta vitória tão importante das forças populares e de esquerda abre novos caminhos para a reflexão e procura de caminhos alternativos ao neoliberalismo, ao militarismo e ao federalismo. Por isso, este resultado constitui uma séria derrota das forças empenhadas na União Europeia do grande capital e das grandes potências e representa um valioso incentivo à intensificação da luta por uma outra Europa de progresso, paz e cooperação entre povos soberanos e iguais em direitos.Certamente que um resultado idêntico no referendo da Holanda é um reforço para fazer frente e travar a verdadeira cavalgada neoliberal que se vive actualmente, de que são exemplos os projectos de directivas sobre a organização do tempo de trabalho e sobre a criação do mercado interno dos serviços, a famigerada directiva Bolkestein, e que se pretende consagrar no projecto de Tratado Constitucional.Sabemos que, de acordo com o actual Tratado de Nice em vigor, é necessário que todos os Estados-Membros ratifiquem o projecto de um novo Tratado para que ele possa ter valor jurídico. Assim sendo, com um Não no referendo em França e certamente na Holanda, mantém-se em vigor o actual Tratado e todo o processo de ratificação deve ser travado.No entanto, é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada, para aprofundar a reflexão e realizar um verdadeiro debate pluralista sobre os caminhos da integração europeia, as diversas vias que podem ser seguidas, no respeito pelo princípio da igualdade de direitos entre Estados soberanos, visando obter uma Europa mais social e solidária, que dê prioridade ao progresso e ao desenvolvimento, à coesão económica e social, que aposte mais no aumento do bem-estar das pessoas, na paz e na cooperação e não no militarismo, na livre concorrência ou nos lucros especulativos dos grupos económicos e financeiros.Os crescentes problemas de desemprego, exclusão social e pobreza que atingem cerca de 70 milhões de pessoas da União alargada a 25 países, exigem serviços públicos de qualidade, maiores investimentos públicos para criar emprego com direitos e promover a produção, e não a prioridade absoluta à concorrência, à liberalização do comércio internacional e às políticas monetaristas, com as conhecidas consequências e bem actuais consequências, a pretexto do défice e do Pacto de Estabilidade e as ameaças ao sector têxtil.Por isso, em Portugal, não se deve insistir na farsa de um referendo no dia das eleições autárquicas sobre um projecto de Tratado constitucional já rejeitado. O que se impõe é um debate sério e pluralista sobre os diversos caminhos possíveis e as políticas alternativas, na Europa e em Portugal, para o progresso e o desenvolvimento.

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