Os territórios do interior, também de baixa densidade, têm sido negligenciados. O poder central tem feito muito pouco investimento nestes locais, o que tem conduzido a um esvaziamento populacional. Pode dizer-se o mesmo da promoção de habitação pública onde o investimento tem sido praticamente nulo. Não há investimento neste domínio há várias décadas. E, na maioria das vezes, quando existiu foi resultado de iniciativas do poder local.
Para além das soluções de construção de habitações novas a custos controlados, vários municípios têm promovido a urbanização de áreas para construção de habitações próprias com vendas de lotes a preços mais reduzidos, fomentando a habitação própria a custos mais económicos. Contudo, este tipo de solução não abrange uma franja da sociedade que não tem acesso a crédito para a construção nem para a compra de habitação. Estas pessoas procuram soluções de arrendamento. Nestes territórios, a oferta é muito reduzida e os preços praticados são elevados, com exceção para as habitações municipais que mantêm valores de renda bastantes diminutos dirigidas a famílias de baixos rendimentos.
Quadro I - Alojamentos familiares clássicos por forma de ocupação (Fonte:Pordata)
total
residência habitual
segunda habitação
vagos
Anos
1981
2021
1981
2021
1981
2021
1981
2021
Alentejo Litoral
41 299
70 702
34 237
39 618
2 212
20 169
4850
10915
Baixo Alentejo
61 027
85 332
50 953
47 386
4 015
24 080
6059
13866
Alto Alentejo
63 159
81 117
49 318
43 925
6 101
23 108
7740
14084
Alentejo Central
70 128
98 839
59 940
63 726
3 499
19 302
6689
15811
235613
335990
194448
194655
15827
86659
25338
54676
Na maioria dos concelhos do interior não existe oferta de habitação pública que colmate as necessidades da população com salários reduzidos. Estas pessoas acabam por arrendar fogos que oferecem poucas condições de habitabilidade, pelo que podemos dizer que a maioria destas pessoas vive em situações indignas. As habitações evidenciam problemas nas coberturas com infiltrações e isolamento deficitário, janelas sem o necessário conforto térmico e outros problemas diversos de salubridade e habitabilidade. Contudo, para além do mercado de arrendamento privado não dar resposta às solicitações, as rendas estão a atingir valores muito elevados porque a oferta é muito reduzida.
Atualmente, o custo de arrendar casa na região Alentejo é 8,7 euros por cada m2 de área de construção, o que significa que uma casa com 70m2 terá uma renda média de 600 euros. Se olharmos para o distrito de Portalegre, retirando Évora dos dados, uma vez que é uma cidade com preços muito elevados e muita procura, a renda média é 5,9 euros por cada m2 de área de construção o que significa que para alugar uma habitação com 70m2 a renda será de cerca de 400 euros. Com o salário mínimo a 760 euros é praticamente impossível para uma pessoa sozinha sobreviver economicamente fora da casa dos pais.
A procura de prédios antigos para a instalação de alojamento local e a aquisição de casas antigas para recuperar para segunda habitação veio aumentar o valor do metro quadrado das casas em aglomerados urbanos do interior. Estas duas razões afastam famílias com rendimentos mais baixos da compra e da possibilidade de arrendar as habitações que reúnem melhores condições que acabam numa destas duas hipóteses.
Olhando para o quadro I, consegue-se facilmente perceber a quantidade de casas que são de segunda habitação na região Alentejo. Uma situação que tem vindo a aumentar em paralelo com o crescimento do número de fogos. Em 1960 havia 244.508 fogos na região Alentejo e em 2012 existiam 335.990 fogos. Neste período houve um aumento de um terço do número de alojamentos clássicos. Neste mesmo período a região quase 30% da população.
Quadro II - Custo por m2 da venda de Casas – 2023 (fonte: idealista.pt)
Alentejo
Portalegre
Évora
Beja
Portugal
1.531 €/m2
644€/m2
1.891 €/m2
948€/m2
2.481 €/m2
A questão da recuperação de pequenos prédios para habitação também não é um processo fácil. Para além das questões de ordem técnica, na elaboração de um projeto em condições, há necessidade de ter um empreiteiro certificado ou pelo menos que saiba trabalhar com materiais muito específicos, resultando muitas vezes em obras mal executadas com diversos problemas de difícil resolução, quer por incompatibilidade de materiais quer por desconhecimento nestas intervenções com necessidades próprias. Estas situações têm promovido um afastamento das populações das casas mais antigas. Embora, muitas vezes, esta repulsa também resulte de uma questão sentimental.
Para além destas famílias, existem em diferentes locais comunidades, que deixando de ser nómadas, foram construindo com os materiais que encontraram existindo ainda os denominados “Bairros de Barracas”. Estes aglomerados periféricos aos perímetros são situações de difícil resolução quando empurrado para cima dos Municípios. Estas comunidades têm estado marginalizadas da área urbana, e desta forma, marginalizadas da vida em comunidade. Diria que o desafio passa, não só por conseguir instalar estas pessoas em habitações condignas, mas também promover a sua integração na vida comunitária. Existe uma grande fissura entre as comunidades, de décadas de atritos resultado de roubos e outros crimes, o que torna muito difícil a sua integração em habitações dispersas no meio dos aglomerados, como seria expectável. Existe uma forte reação sempre que isto acontece, porque nos falta, em primeira mão, conseguir a integração plena dessas pessoas na vida comunitária. O absentismo das crianças na escola não ajuda à sua interligação com os restantes miúdos, criando um círculo vicioso de difícil quebra.
O Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana indica, na sequência do Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, 1053 famílias na região Alentejo que vivem em condições indignas e para as quais as Estratégias Locais de Habitação dos Municípios devem prever realojamento por via da construção ou da reabilitação de habitações. Estes dados refletem principalmente números de famílias que vivem em Barracas e Construções Precárias, mas deixa de lado situações de arrendamento antigo, em que as habitações já apresentam diferentes problemas decorrentes da falta de manutenção. Este levantamento recua a fevereiro de 2018, o que pode significar que estes dados estão desatualizados, sendo a situação mais dramática.
Quadro III – Número de famílias a realojar (Fonte: IHRU, fevereiro de 2018)
Distrito
Número de famílias a realojar
Beja
364
Évora
311
Setúbal (concelhos do Litoral Alentejano)
153
Portalegre
225
Total
1053
Ainda, no panorama atual existe um movimento migratório já com alguma dimensão em diferentes territórios impulsionado por empresas de trabalhos agrícolas. Estes trabalhadores imigrantes deambulam pelo território, sem residência fixa, e quase sempre vivem em condições indignas, dividindo espaços superlotados onde lhes é alugado um colchão. Sem uma integração efetiva destas comunidades nos territórios, aumentam os sentimentos de insegurança e até de repulsa. Estes trabalhadores são contratados por empresas de trabalho temporário para realizar tarefas em diferentes sítios. Podem estar em Beja, em Monforte ou em Odemira. Esta é uma forma de reduzir o valor e as condições de trabalho na agricultura o que tem potenciado a migração dos locais à procura de outras oportunidades.
A fraca ligação e articulação entre os vários serviços do estado que tutelam o património e os impostos e os municípios têm dificultado a identificação dos proprietários de prédios abandonados. Muitas vezes divididos entre mais de 10 herdeiros, os municípios não investem na execução de obras coercivas porque torna o processo muito moroso e acarreta grandes dificuldades quando chega a hora de ser ressarcido. Estas soluções só se efetivam quando os prédios colocam em causa a segurança pública porque não há outra hipótese, sendo a Câmara confrontada com a necessidade de agir, acabando por proceder a um processo rápido de demolição, deixando um lote vazio que desvirtua a coerência urbana e anula uma potencial habitação.
Quadro IV - Alojamentos familiares clássicos por forma de ocupação (Fonte:Pordata)
Total
Vagos - Para venda ou arrendamento
Vagos - Outros casos
Anos
1960
2021
1960
2021
1960
2021
Alentejo Litoral
39.894
70.702
1.142
6.430
2.035
4485
Baixo Alentejo
71.010
85.332
1.542
7.378
3.253
6.488
Alto Alentejo
64.462
81.117
1.305
7.690
2.668
6.394
Alentejo Central
69.142
98.839
1.524
8.148
1.996
7.663
Total
244.508
335.990
5.513
29.646
9.952
25.030
Por outro lado, quando se consegue identificar os proprietários de prédios devolutos, percebemos que uma grande percentagem pertence ao estado e estão ao abandono. Alguns atingiram um elevado estado de degradação que mesmo que fossem entregues ao Município seria necessário um investimento elevado para conseguir colocá-los no mercado de arrendamento. A majoração do IMI para os prédios devolutos, ou mais recentemente as medidas do famoso pacote “Mais Habitação” de forçar o arrendamento dos devolutos não vão resolver o problema. Olhando em detalhe para o mecanismo legal para a declaração de prédio devoluto ao abrigo do Decreto-Lei n.º 159/2006, de 8 de agosto republicado pela Lei 67/2019, de 21 de maio, depois da complexa tarefa para se conseguir identificar proprietários e declarar o prédio como devoluto, concluiu-se que:
O valor patrimonial de um prédio antigo é relativamente baixo porque nunca atualizado nas finanças, por isso pouco importa que se triplique o valor do IMI. Por outro lado, a lei mantém a exclusão de prédios adquiridos para revenda por pessoas singulares ou coletivas, o que significa que se uma sociedade financeira tiver adquirido o prédio para revenda, aquele não é declarado devoluto. Continuamos a premiar quem tem mais bens. As soluções apresentadas como solução para colocar os prédios devolutos no mercado não irão surtir grande efeito. De entre os quase 336.000 alojamentos clássicos da região Alentejo, mais de 16% estão vagos, ou seja, são mais de 55.000 fogos que poderiam acolher pessoas que vivem em situações indignas.