Saímos deste Encontro mais capazes, mais conhecedores, com mais ferramentas para intervir sobre esta questão absolutamente central que é o acesso à habitação.
A habitação, ao contrário do que a cartilha liberal nos quer convencer, não deve ser uma mercadoria.
A habitação tem uma finalidade concreta e especial e é a resposta a uma necessidade humana essencial.
E tanto assim é que a Constituição da República prevê que «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».
Mais, prevê ainda que incumbe ao Estado assegurar esse direito, assim como: «programar e executar uma política de habitação inserida em planos que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; promover a construção de habitações económicas e sociais; estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.»
Sabemos que a Constituição tem sido mutilada, sabemos que não se cansam de a atacar alegando que está ultrapassada, e agora aí está uma nova tentativa de mutilação, sujeita a novo processo de revisão que não sabemos como acabará. Como temos dito a CRP não precisa de mais revisões, o que precisa é de ser cumprida!
Mas sabendo isso tudo, a verdade é que a Constituição reconhece a habitação por aquilo que ela é, um bem de primeira necessidade, a que todos têm direito, então se assim é, cumpra-se e faça-se cumprir a Constituição.
É esta a obrigação do Estado e dos seus órgãos de soberania, é este o caminho que está e que terá de continuar a ser exigido.
É ao arrepio da Constituição e dos valores de Abril que a política de direita impôs a liberalização da habitação, com uma forte ofensiva ideológica que pretende convencer-nos de que é o mercado, e não o Estado, que está em melhores condições de garantir este direito.
Os resultados deste caminho estão à vista.
Tomemos como exemplos: nos últimos três anos foram expulsos de Lisboa 60 mil residentes, enquanto na cidade existem 48 mil fogos vazios. No Porto este número é de 20 mil.
Estas 60 mil pessoas não andavam à procura de casa, todas elas possuíam uma habitação, e de lá foram expulsas para as periferias por este autêntico rolo compressor, que resulta da aliança entre o poder financeiro imobiliário e o Novo Regime de Arrendamento Urbano.
Não é por acaso que o Partido caracteriza este chamado novo regime como a lei dos despejos, porque é disso mesmo que se trata, uma lei feita à medida, primeiro da chantagem e depois do despejo. São milhares que se confrontaram e são milhares que estão a ser confrontados por esta lei que o PS teima em não revogar.
O poder financeiro imobiliário, o papel dominante do grande capital no mercado da habitação, tem permitido aos grupos económicos somar avultados lucros, à conta de uma necessidade básica da população.
Em particular a banca, que só em 2022 obteve quase 7 milhões de euros de lucros por dia.
Mas muitos outros têm gozado de benefícios fiscais e outros privilégios. Enquanto a esmagadora maioria dos residentes se sacrifica para manter a sua habitação, enquanto muitos imigrantes vivem em condições absolutamente desumanas, assistimos ao incentivo despudorado de estrangeiros com alto poder aquisitivo no território nacional, particularmente nas regiões de Lisboa e Porto, no Funchal e no Algarve, que beneficiam simultaneamente de tratamento fiscal, ou outro, especial, como é o caso da concessão de vistos gold, seja actuando do lado dos preços, seja actuando indirectamente do lado da oferta (pela criação de escassez real ou artificial), como é o caso do Alojamento Local, dos residentes não habituais e, mais recentemente, dos designados nómadas digitais.
Já o Novo Regime de Arrendamento Urbano, nascido em 2006 pela mão de um Governo PS, e agravado em 2012 pela mão do Governo PSD/CDS, tem provocado a brutal, desumana e inaceitável instabilidade no mercado de arrendamento.
Estes são os dois grandes obstáculos à concretização de uma política de habitação justa, protegidos por PS, PSD, IL e Chega e que, mesmo na fase da vida política nacional iniciada em 2015, o PS impediu de remover.
A aprovação em 2019 da Lei de Bases da Habitação, nomeadamente com os votos favoráveis do PCP, um acto legislativo positivo, não foi acompanhado pelo que se exigia de medidas que o Governo devia adoptar para responder aos problemas.
É revelador, ainda assim, que tal tenha sido conseguido quando o PS tinha menos força, menos deputados, quando estava mais condicionado.
Que faz agora o PS da maioria absoluta?
O PS que de trapalhada em trapalhada vai dando balões de oxigénio de bandeja à direita, que se agarra desesperadamente a eles, com muita berraria à mistura, para fingir que são oposição, quando o que defendem é a mesma política mas ainda mais agressiva e intensa.
Após procurar passar para o Poder Local e para o chamado sector social a responsabilidade pela resolução dos problemas habitacionais, o que este Governo e o PS têm a apresentar, perante a grave crise que enfrentamos, perante as dificuldades de muitos milhares de famílias, é, no essencial, a atribuição de novos benefícios fiscais para aqueles que têm especulado com a habitação e obtido chorudos lucros, designadamente a banca, os fundos imobiliários e os grandes proprietários.
PSD, CDS, IL e Chega querem ir ainda mais longe.
No conteúdo e na opção de fundo estão de acordo mas querem ainda mais, mais e mais depressa. Ainda mais benefícios fiscais, ainda mais transferência de dinheiro público para sustentar e alimentar a banca e os fundos imobiliários.
Ora, e agora que estamos a dias de comemorar Abril, o que é necessário (trazendo à memória o conto de Álvaro Cunhal) não é engordar os Barrigas, o que faz falta é dar condições aos Magriços.
Por outras palavras o que era e é necessário é enfrentar os interesses e os lucros da banca e do imobiliário e pôr fim aos regimes fiscais de privilégio.
O que era e é preciso é revogar a lei dos despejos.
Sobre isto nem um pio se ouve da equipa ao serviço dos interesses da banca e do imobiliário.
Estão-se nas tintas para a resolução do problema da habitação mas estão empenhadíssimos neste concurso de ideias para borlas fiscais aos grupos económicos e aos fundos imobiliários e na manutenção da lógica do mercado especulativo, que não só não resolve o problema do acesso à habitação, como é responsável pelo seu agravamento.
É gritante a fuga à resolução dos problemas, tal como é evidente a multiplicação de propostas que verdadeiramente nada resolvem, mas há soluções.
Há soluções para enfrentar e resolver os problemas da habitação, nomeadamente a necessidade de uma intervenção directa e investimento do Estado para alargar a oferta de habitação pública para suprir as carências habitacionais; a protecção dos inquilinos, com a revogação da actual lei dos despejos e para as famílias com crédito à habitação, pôr os lucros da banca a pagar o aumento das taxas de juro.
Resolver os problemas da habitação exige enfrentar os interesses especulativos, recusar a concepção da habitação como mera mercadoria destinada ao grande negócio, assumir as responsabilidades do Estado.
Há opções de médio e longo prazo que têm de ser assumidas agora e há as medidas excepcionais e urgentes que têm de responder de imediato à emergência de hoje.
Nesse sentido é preciso um plano de acção e uma política de alargamento da oferta pública, com o Estado a assumir as suas próprias responsabilidades na promoção de habitação pública, garantindo um expressivo financiamento estatal, a par do aproveitamento integral das verbas do PRR, desde logo valorizando e reabilitando o seu património e daquele que está sob sua gerência, como é o caso das casas do IHRU, mas também promovendo a recuperação e reabilitação de imóveis públicos que possam ser destinados a habitação; criando mecanismos de apoio à reabilitação e recuperação de imóveis privados devolutos para que sejam destinados à habitação; utilizando os mecanismos de tomada de posse administrativa, reabilitação e arrendamento de imóveis privados devolutos; assegurando um rápido investimento, nomeadamente para o alojamento estudantil com a ampliação do número de residências públicas.
É absolutamente necessário que o Estado assuma as suas responsabilidades e num prazo curto intervenha, com eficiência e eficácia, em larga escala, no mercado de arrendamento habitacional, com vista à sua regulação, designadamente em termos de disponibilidades, obrigando a que os preços desçam. Os preços das rendas não podem ser regulados pelo dito mercado, esse dito mercado regula em função dos interesses de quem o regula e não de quem necessita de habitação.a
Tal passa necessariamente pela criação de um parque habitacional público de grande dimensão e qualidade e muito diversificado em termos de tipologias e localizações, com vista a responder às expectativas e necessidades de vastas camadas sociais que não têm condições de acesso à habitação, quer no arrendamento, quer na aquisição.
Tal parque habitacional público deverá ser constituído com base em património habitacional público pré-existente, bem como de outros edifícios públicos devolutos passíveis de adaptação para habitação, sejam eles propriedade do Estado, sejam de autarquias, património a ser operacionalizado e gerido por organismo público dedicado, a criar urgentemente.
Também as enormes existências de fogos devolutos privados, mantidos inactivos, deverão ser obrigatoriamente colocados no mercado, em regime de rendas não especulativas. Se necessário, e em situações de dolo, com recurso a posse administrativa pelo Estado.
Não pode deixar de causar a maior repulsa que a cartilha liberal venha chorar pelo direito a ter casas vazias quando tanta gente precisa urgentemente de casa.
Defendemos a limitação do valor das rendas e o impedimento de despejos, porque é preciso dar estabilidade ao arrendamento, limitando fortemente a possibilidade de despejo, travando a subida das rendas em todos os contratos de arrendamento e prolongando os contratos de arrendamento em vigor limitando a sua não renovação.
Defendemos as famílias com crédito à habitação, porque é preciso pôr os lucros da banca a suportar as subidas das taxas de juro decretadas pelo BCE; determinar a utilização pela Caixa Geral de Depósitos de um spread de 0,25% no crédito à habitação como instrumento regulador do crédito e criar uma moratória exactamente nos moldes em que existiu durante a epidemia, em que haja apenas o pagamento de juros a uma taxa igual à que é utilizada para o financiamento dos bancos.
Perante estas propostas, que fizeram os partidos que sustentam os interesses da banca e dos fundos imobiliários?
Uns contra, outros tacitamente abstiveram-se, no fundo todos inviabilizaram estas justas propostas. Para tudo o que é essencial, juntos ou à vez, com abstenções aqui e ali, PS, PSD, Chega e IL unem-se para chumbar as medidas necessárias para responder aos problemas com que estamos confrontados.
A verdade é que, caso as propostas que fizemos tivessem sido aprovadas, elas tinham hoje consequências concretas e positivas em milhões de pessoas.
O facto de terem sido recusadas, não tira validade e urgência às propostas que avançámos.
Vamos continuar a bater-nos por elas e apelamos à mobilização de todos quantos nelas se revêem, para que façam delas suas bandeiras de luta e de exigência.
Apelamos à unidade nesta luta que é justa, que é necessária, pela defesa do direito à habitação, que teve uma importante expressão no início deste mês e que marcou presença em várias outras lutas que têm tido lugar por todo o País.
O Partido Comunista Português tem soluções, uma política patriótica e de esquerda, uma política para fazer cumprir o direito à habitação inscrito na Constituição, para garantir uma casa a todos os que dela precisam para viver, para cada pessoa, cada família, para os idosos, para as crianças, para os jovens que querem a sua emancipação e o direito a uma vida própria.
Todos eles podem contar com o PCP pelo direito à habitação e o PCP conta com todos eles, com a sua participação na luta por uma alternativa política assente nos valores de Abril, para o caminho de desenvolvimento, justiça e progresso social que Portugal precisa.