Declaração política contestando a decisão tomada pelo Presidente da República de aceitar a recondução de um Governo do PSD e do CDS-PP para fazer face à crise política
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Por maior que seja a operação de intoxicação da opinião pública — que dura há, precisamente, 24 dias —, a verdade é que a realização de eleições antecipadas era, e é, a única forma digna e democrática de, devolvendo a vontade ao povo, clarificar a situação política, devolver credibilidade às instituições e criar as bases de uma alternativa capaz de retirar o País do pântano de dependência e completa submissão a que o Governo do PSD/CDS e as políticas da troica o conduziram.
O que está a mais em Portugal não é a Constituição, não é o povo nem o seu direito a dizer o que quer para o País. O que está, há muito, a mais em Portugal é a troica, o seu Memorando e as suas políticas.
Quem está a mais em Portugal não são os trabalhadores nem os funcionários públicos, não são os reformados nem os desempregados, não são os pequenos empresários nem os portugueses, jovens e menos jovens, obrigados a emigrar do seu País; quem está a mais em Portugal não são as vítimas da troica e das suas políticas. Quem está há muito a mais em Portugal são os detentores do poder económico e financeiro, os que estiveram na origem da crise, mas que dela continuam a beneficiar com o dinheiro dos contribuintes e a preservação imoral de privilégios e que agora até julgam ter o direito de rejeitar eleições antecipadas, como se fossem mais um qualquer órgão de soberania.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o rotundo falhanço do Memorando da troica e o desabar de um Governo empenhado numa vasta receita «troiquiana» contra os direitos constitucionais são o resultado da natureza antinacional das políticas aplicadas e de uma persistente resistência e luta dos trabalhadores e do povo, aliás bem confirmados na carta de demissão do seu principal operacional, o ex-Ministro Vítor Gaspar, o qual tornou claro o isolamento e a total descredibilização política de um Governo em fase acelerada de decomposição.
Perante a urgência nacional de mudar de Governo e de políticas, de cortar com a troica e com o seu Memorando, o Presidente da República preferiu lançar uma operação de salvamento das políticas de submissão nacional às imposições externas, procurando juntar o PSD, o PS e o CDS, isto é, procurando reunir aqueles que, há pouco mais de dois anos, assinaram o Memorando da troica e que, agora, aproveitaram a oportunidade para lhe jurar fidelidade.
Esta operação dita de salvação nacional serviu como cortina de fumo para tentar fazer esquecer a putrefação governamental, para tentar desviar as atenções das consequências económicas e sociais do Memorando da troica, para tentar lançar areia para os olhos dos portugueses com o espetáculo do passa-culpas e responsabilidades entre o PSD, o PS e o CDS. Mas, sobretudo, serviu para evitar uma rutura com a troica e as suas políticas, o que poderia ocorrer se, como manda a Constituição, fosse dissolvido este Parlamento e promovidas eleições antecipadas.
Hoje é cada vez mais claro que a iniciativa da Presidência da República — que, aliás, só acrescentou ainda mais crise à crise política lançada pelo Governo — tinha como objetivo central criar condições para dar continuidade às políticas da troica e para permitir reanimar um Governo totalmente paralisado.
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Hoje tomam posse novos membros do Governo. Há promoções, entradas e saídas. Há áreas que saem de uns para entrarem noutros ministérios. Há um novo titular para a Economia, num ministério mini, sem a gestão dos fundos estruturais comunitários, única escapatória que a troica permite para o investimento público.
Há homens ligados ao BPN que podem sair, mas há outros que entram, e com que estatuto!
Há uma titular nas Finanças, já em funções, que jura fidelidade à troica, ao Memorando e ao ministro alemão das finanças, mas que terá de ler com atenção as entrevistas de Pires de Lima para ver se Paulo Portas consegue coordenar.
Há tudo isto e muitas dissimulações, que persistem e que continuarão até que os novos cortes de 4700 milhões de euros previstos no Memorando da troica da perdição nacional, traduzidos em mais dois anos com milhares de novos despedimentos na função pública, com novos cortes em salários, nas pensões e reformas, com mais e novas machadadas nos serviços públicos e nas despesas sociais, tornem claro que, afinal, nada mudou, que a ofensiva contra os direitos e a Constituição vai continuar e que essa cerimónia de empossamento será apenas uma autêntica exumação de um Governo já enterrado.
Até que o povo e os trabalhadores mostrem a este Governo requentado e também ao Presidente da República, que o reanimou, que Portugal tem opções e alternativas à troica e às suas políticas, com a renegociação da dívida legítima e das suas condições de pagamento, com o crescimento da capacidade produtiva e da procura interna, com a valorização e a dignificação de salários e reformas e com a defesa intransigente dos interesses soberanos e nacionais.
(…)
Sr. Presidente,
Caros Colegas,
Naturalmente vão permitir que também faça algumas alusões políticas nesta resposta, porque alguns de vocês, legitimamente, o fizeram e porque ficar-me-ia porventura mal que não o fizesse, tendo produzido uma declaração política forte e clara, de marcação de terreno político deste Grupo Parlamentar.
Quero dizer ao Sr. Deputado Eduardo Cabrita que registamos as suas observações e a sua disponibilidade, mas num contexto em que, simultaneamente, verificamos que o PS aceitou, mais uma vez, reunir-se com os partidos da maioria governamental, sob o guarda-chuva da troica, esse não é, seguramente, um elemento que contribua para uma mudança política em Portugal.
Quero ainda dizer ao Partido Socialista e ao Sr. Deputado Eduardo Cabrita que a nossa posição é clara: não é com a troica nem com as suas políticas que nós poderemos, algum dia, salvar Portugal e libertá-lo da dependência externa.
Respondendo com ironia ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, digo-lhe que estamos perante um novo Governo, ou uma espécie de novo Governo, digamos assim, que, pelos vistos, na composição anunciada — são 17 horas e 5 minutos e o Governo deve estar a tomar posse —, o BPN está a ser promovido.
Eu não queria acreditar, mas alguém me disse — embora com dificuldade, vou reproduzir essa conversa — que não seria estranho, porventura numa próxima remodelação governamental, o Dr. Paulo Núncio poder ser destituído e ser substituído, quiçá, pelo Dr. José Oliveira e Costa, que tem uma grande experiência na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais.
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, queria agradecer as referências que fez e dizer-lhe que aquilo que se passou na última semana, afinal, tinha toda a razão de ser.
A moção de censura que Os Verdes apresentaram aqui — e falo nela, porque é recente — afinal não foi transformada numa moção de confiança, conforme disse o Dr. Paulo Portas. É que, se foi transformada numa moção de confiança, então o Governo não necessita de uma, mas sim de duas moções de confiança para fazer crer que tem a confiança do País, coisa que, naturalmente, não tem.
Finalmente, dirijo-me aos colegas Miguel Santos e João Pinho de Almeida, agradecendo as palavras que me endereçaram. Uma vez que não me fizeram nenhuma pergunta política, queria apenas dizer-lhes que, independentemente da vossa vontade, parafraseando Durão Barroso, não se iludam, que um dia destes vão ter mesmo um acidente político, mais um acidente político.
Vão seguramente bater com a cabeça no muro do povo e dos trabalhadores portugueses, que vão impor uma mudança de política e uma rutura com a troica e as suas políticas.
Se o Sr. Presidente me permitir que use da palavra por mais 2 minutos, queria terminar com algumas referências de natureza pessoal.
Sr. Presidente, apesar de ser V. Ex.ª a presidir, queria começar por dizer que saio numa circunstância parlamentar muito especial, que é conjuntural mas que gostava de assinalar: saio desta Casa com a primeira presidência feminina da história do Parlamento português, facto que queria sublinhar. Mas queria estender esta homenagem — certamente a Sr.ª Presidente autoriza-me a fazê-lo — sobretudo às mulheres portuguesas, às mulheres de todo o mundo que, ao longo de décadas e décadas, lutaram e continuam a lutar, justificadamente, contra a discriminação e para a igualdade de direitos, sem os quais a Dr.ª Assunção Esteves não seria hoje Presidente do nosso Parlamento.
Queria dizer-vos que, após 19 anos no cargo de Deputado, 5 no Parlamento Europeu e 14 nesta Casa, vou regressar à vida profissional. Saio com um sentido de dever cumprido — e, naturalmente, vou andar por aí, Sr. Deputado Miguel Santos. Vou andar por aí, mas com uma diferença relativamente a si: é que vou andar do lado certo!
Vou andar por aí, mas do lado certo, seguramente!
As minhas últimas palavras são dirigidas, em primeiro lugar, como homenagem e reconhecimento, a todos os funcionários desta Casa, sem a participação dos quais certamente o Parlamento não seria o que é nem seria capaz de dar as respostas que dá. E queria estender esta minha homenagem a todos os funcionários públicos, de uma forma geral, que tão maltratados andam a ser, designadamente nos últimos anos.
Queria cumprimentar também os profissionais da comunicação social, que se encontram atrás de nós, com quem às vezes, particularmente, me confrontei porque achava que não eram suficientemente claros na exposição das minhas posições e da minha bancada. Mas, certamente com o reconhecimento de que o vosso papel também é difícil, espero que o façam e continuem a transmitir as posições diversificadas de todas as bancadas desta Assembleia.
Queria, ainda, cumprimentar todos os colegas de todas as bancadas, com os quais, ao longo destes anos, me confrontei de uma forma frontal, acesa, mas leal e respeitosa, julgo que sempre de parte a parte, tendo também contado com o respeito de todos.
Queria terminar com duas referências especiais.
Em primeiro lugar, saudar de forma muito carinhosa e especial os meus camaradas do grupo parlamentar, que têm a responsabilidade de dar continuidade ao trabalho institucional do partido e que desempenham um papel, em minha opinião, único e insubstituível nesta Casa e neste Parlamento.
Em segundo lugar, e peço desculpa por não nomear ninguém — porque certamente me esqueceria de bastantes —, envolver nesta saudação muito carinhosa e especial alguns de vocês, de todas as bancadas políticas, em relação aos quais, tendo-nos confrontado e tendo-nos ouvido mutuamente ao longo destes anos, saio daqui com a certeza de que as relações de consideração especial, de nível pessoal, vão continuar muito para além do dia 31 de julho.
Aplausos gerais, de pé.