Saudações aos presentes e os agradecimentos pelos contributos que aqui trouxeram a esta Mesa Redonda, promovida pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu, sobre «Plataformas digitais – tecnologia, trabalho e exploração». Toda uma realidade a exigir uma particular atenção e a solicitar uma urgente intervenção. Realidade que se vem afirmando de forma caótica e sob o despótico domínio das empresas detentoras das plataformas e que a epidemia, pela expansão que proporcionou a essas actividades, tornou essa intervenção ainda mais premente.
Permitam-me que aproveite para assinalar, neste dia 18 de Março, em que passam 150 anos do início da revolução que conduzirá à proclamação da Comuna de Paris, a esse audacioso feito do proletariado francês que se lançou, tomando as palavras de Marx, “ao assalto do céu”, e que havemos de recordar e celebrar com iniciativa própria no próximo dia 15 de Abril.
Ela foi a resposta não apenas ao sofrimento imposto pela guerra e pelo cerco alemão, mas à desenfreada exploração capitalista que conduziu à indignação e descontentamento da classe operária e das massas populares, descontentes com a sua situação e ansiosas de um novo regime social. A Comuna foi a primeira tentativa de criar uma sociedade nova, uma tentativa audaz de quebrar pela primeira vez as algemas do capitalismo.
E esta referência é importante neste contexto do debate de hoje, porque apesar de ser um debate aparentemente sobre algo muito moderno – as plataformas digitais – ele é na realidade um debate sobre algo muito velho – as praças de jorna e a exploração capitalista.
É por assim ser que nos mantemos firmes no objectivo de superação revolucionária do capitalismo!
À sombra das plataformas digitais o capitalismo quer vender-nos a ideia de legalizar novas formas de flexibilidade laboral e de exploração, apresentando-as como muito modernas e de futuro. Mas nós sabemos bem que a precariedade é o nosso passado, não é o nosso futuro.
Lembramos-nos bem dos tempos em que não havia direito a férias pagas, onde ficar doente era ficar sem rendimentos, das praças de jorna onde os trabalhadores se concentravam à espera de ser escolhidos para trabalhar umas horas, onde não havia contrato de trabalho e o patrão não tinha qualquer obrigação para com os trabalhadores, e ainda tinha o direito a aplicar multas e castigos.
Lembramo-nos desses tempos e de como acabámos com eles. E já agora, também nos lembramos porque esses tempos voltaram depois das derrotas do socialismo.
Do aqui dito hoje quero destacar três aspectos que me parecem essenciais:
A lei portuguesa proíbe a maioria dos abusos cometidos sobre os seus trabalhadores pelas plataformas laborais. A lei portuguesa proíbe praças de jorna, sejam digitais ou não. A lei portuguesa reconhece a maioria dos trabalhadores das plataformas como trabalhadores por conta de outrem, impondo a existência de contrato de trabalho, de remunerações mínimas, de horário de trabalho, de férias pagas e outros direitos.
A lei portuguesa não permite que, a coberto dos algoritmos, as plataformas apliquem multas, determinem castigos, despeçam, criem bases de dados e perfis dos trabalhadores.
Antes de questionar as leis é pois preciso questionar as autoridades públicas e o Governo. Que fizeram já para impedir estas práticas ilegais? E quando a única resposta das autoridades é que nada fizeram mas se estão a preparar para mudar a lei, fica claro ao que vêm: preparam-se para legalizar o que hoje é ilegal, aproveitando para criar um regime de trabalho legal mais flexível e precário.
E isso não o podemos aceitar!
A segunda questão prende-se com a União Europeia. Um leitor mais distraído dos últimos relatórios sobre o trabalho nas plataformas digitais poderia ser enganado pelas preocupações com os trabalhadores. Mas ao que vem a Comissão Europeia é ao mesmo: quer dar segurança jurídica às multinacionais, às plataformas digitais, em toda a Europa, impondo a revisão da legislação laboral dos diferentes países, a destruição de direitos e a criação de um regime laboral mais precário.
E isso não o podemos admitir!
E estas não são questões que digam respeito apenas aos trabalhadores das plataformas, primeiras vítimas deste modelo que querem legalizar.
Diz respeito a todos os trabalhadores, pois trata-se de modelo de sociedade que só interessa aos grandes capitalistas, um modelo que tende a generalizar a precariedade e a exploração, e a apropriar-se dos desenvolvimentos técnicos e científicos para benefício de uma minoria de exploradores.
Terceira questão: o desenvolvimento técnico-científico abre portas maravilhosas à humanidade. Não é utopia ou ficção, é uma realidade material e objectiva. As possibilidades estão aí, são palpáveis. Mas enquanto o modo de produção dominante for o capitalismo, todas essas potencialidades serão usadas contra a própria humanidade que as criou, e pervertidas ao serviço da acumulação privada de uma ínfima minoria.
Aos trabalhadores vítimas da sobre-exploração montada através das plataformas digitais transmitimos uma mensagem de confiança e perspectiva:
resistam, organizem-se, lutem; podem contar com o apoio do PCP, nós contamos convosco.
E queremos deixar aqui, da parte do PCP, compromissos muito claros.
- Os trabalhadores das plataformas digitais deveriam ser considerados trabalhadores por conta de outrem e terem a sua relação regulada por um contrato de trabalho.
- Os trabalhadores das plataformas digitais têm direito a um salário certo, com um horário de trabalho de 40 horas semanais e o direito a receber horas extraordinárias e trabalho nocturno.
- Os trabalhadores das plataformas digitais têm direito a condições de trabalho dignas, a instalações para refeição, a acesso a casas de banho e áreas de descanso.
- Os trabalhadores das plataformas digitais têm direito à protecção na doença, à parentalidade, a férias pagas.
- Os trabalhadores das plataformas digitais têm direito a conhecer as condições de trabalho e os algoritmos utilizados pelas plataformas, e têm direito a que estes algoritmos sejam expurgados dos mecanismos ilegais de aplicação de sanções, castigos e multas.
Já ontem confrontámos o primeiro-ministro com esta questão e vamos continuar a exigir que o Estado imponha às plataformas digitais o respeito pela lei.
Mas vamos fazer mais, vamos avançar com iniciativas concretas que visam quer a clarificação de aspectos do Código de Trabalho, quer o reforço da eficácia dos mecanismos de regulamentação e fiscalização da actividade das plataformas digitais.
Este é o nosso compromisso claro. Podem contar, como sempre, com a iniciativa política do PCP para fazer avançar os direitos dos trabalhadores. Nós contamos com a vossa luta, factor decisivo para que seja possível avançar.
Sem dúvida que os trabalhadores estão hoje perante uma poderosa ofensiva que visa o aprofundamento da exploração, com a fragilização crescente das suas vidas e dos seus direitos.
Veio aqui igualmente a realidade dos muitos milhares de trabalhadores que exercem as suas actividades profissionais em teletrabalho.
Sabemos que o teletrabalho mistura realidades muito distintas: trabalho à distância em instalações da empresa; o trabalho à distância em espaço comum a várias empresas; e o trabalho a partir da residência dos trabalhadores que é, afinal, o que está a ser promovido e endeusado.
Não está em causa para o PCP o aproveitamento das novas tecnologias ao serviço do desenvolvimento e da melhoria das condições de trabalho e de vida, o que está em causa é, como aqui se evidenciou, o seu aproveitamento pelo grande capital que quer o agravamento da exploração com intensificação do trabalho, na duração e ritmo, uma maior pressão para alargamento do período de trabalho, para a disponibilidade permanente, com a dificuldade acrescida de definir, controlar e fiscalizar os tempos de trabalho.
Com isso, visam a redução de custos das empresas com a transferência para o trabalhador de custos de instalações, água, electricidade, bem como a pressão para o uso de instrumentos de trabalho do trabalhador ao serviço da empresa e até a devassa da vida dos trabalhadores.
Querem fazer o caminho para acabar com componentes da remuneração dos trabalhadores, no imediato ou a prazo, nomeadamente o subsídio de refeição, de transportes e outros de incidência familiar.
Ao mesmo tempo têm o propósito de se desresponsabilizar das questões de segurança e saúde no trabalho.
A tudo isto acresce ainda o objectivo da separação física e do maior isolamento dos trabalhadores uns dos outros, em seu prejuízo, negando a possibilidade de partilha de experiências e conhecimentos que favorecem o seu desenvolvimento profissional e pessoal.
É por tudo isto que temos afirmado que o teletrabalho não deve ser generalizado, a casa de cada trabalhador não pode ser uma dependência da empresa em que trabalha, com os problemas de acréscimo de despesas, de protecção da vida pessoal, de saúde, de direitos individuais e colectivos que coloca.
Devem ser plenamente aplicados os direitos consagrados na legislação laboral – e a que muitas empresas têm fugido perante a insuficiente fiscalização pública – e os aperfeiçoamentos que é necessário introduzir na legislação não podem servir para dela retirar direitos dos trabalhadores, e devem antes reforçar a já clara definição das responsabilidades do patronato na criação das condições para o teletrabalho e a clara protecção do direito dos trabalhadores à privacidade.
Da parte do PCP lutamos para fixar e garantir os direitos dos trabalhadores abrangidos pelo teletrabalho. É esse o sentido da intervenção do PCP no plano geral e da sua iniciativa nas instituições, no plano dos salários e da garantia de todas as componentes remuneratórias, do cumprimento escrupuloso dos horários, do direito à privacidade e dos direitos sindicais.
Sim, as plataformas digitais e muitas das empresas que promovem o teletrabalho são realidades onde o grande capital procura e navega a seu bel-prazer, sem restrições ou limitações, tirando o máximo partido de uma legislação laboral que deliberadamente abriu as portas à precariedade, ao esvaziamento da contratação colectiva, à negação da aplicação da regra do tratamento mais favorável ao trabalhador, para degradar salários, reduzir direitos, fragilizar o trabalho e torná-lo mais dependente.
Empresas sanguessugas que aspiram a mais-valia a vários carrinhos e, por isso, têm lucros brutais, porque não têm encargos com salários, não têm custos com matéria-prima, nem Segurança Social, nem seguro de trabalho, nem custos de combustíveis e transportes, nem pagam, muitos delas, impostos no País, e cobram percentagens de toda a gente, de quem produz efectivamente e vende os produtos, de quem os transporta e os entrega.
Todos temos a consciência que vivemos uma situação propícia ao cavalgar da exploração pelo grande capital que aproveita e tira também partido da epidemia que nos atingiu e mais tira com o prolongamento do Estado de Emergência e as medidas de confinamento agressivas que o Governo do PS privilegia, em detrimento de soluções que respondam de forma eficaz e equilibrada ao problema sanitário, mas também aos problemas económicos e sociais, negando-se a tirar partido dos avanços da ciência que permitem hoje respostas mais eficazes de prevenção e combate à Covid-19, como a vacina e testagem rápida e massiva.
Medidas de confinamento que contribuem não só para aprofundar a degradação económica e social que se apresenta cada vez mais deteriorada, como se traduzem em claras cedências à estratégia comandada pelos centros mais reaccionários do grande capital e seus instrumentos políticos, designadamente PSD e CDS, e seus sucedâneos Chega e Iniciativa Liberal, que à guisa do confinamento visam instituir um quadro de restrições de direitos cada vez mais apertado.
Na verdade, o que temos visto à medida que se prolonga esta situação é o aprofundamento da ofensiva contra os direitos de quem trabalha, são os despedimentos colectivos, engrossando o desemprego, são os salários reduzidos, os ritmos de trabalho intensificados, a precariedade, os atrasos nos pagamentos dos salários, ao mesmo tempo que outras camadas da população, como os micro e pequenos empresários, são confrontados com uma situação difícil nas suas vidas, enquanto somas colossais de fundos públicos são entregues a grupos económicos e financeiros.
É preciso romper com este cerco, exigindo medidas que permitam retomar a vida e a actividade em condições de protecção sanitária e dando centralidade e prioridade a políticas dirigidas à valorização do trabalho e dos trabalhadores, aos seus salários e direitos, à dinamização da economia e à criação de emprego.
As soluções não podem ser as que foram promovidas no passado, o País precisa de novas soluções.
É por isso que é justo afirmar que a resposta aos problemas dos trabalhadores, do povo e do País só pode ganhar expressão com uma outra política, uma política alternativa patriótica e de esquerda, capaz de assegurar o desenvolvimento económico e o progresso social.
É preciso defender o direito a uma vida digna para todos. É para a concretização desse objectivo que continuaremos a lutar!