A 28 de junho de 2019, a Comissão Europeia chegou a um acordo político com os países do Mercosul sobre o “Acordo Internacional de Livre Comércio entre a União Europeia e o Mercosul”. As negociações destes grandes tratados têm evidenciado o alinhamento da UE com os interesses das multinacionais, sobrepondo-os aos interesses e à soberania dos Estados.
O anunciado acordo entre a União Europeia e o MERCOSUL, pelo seu carácter explorador sobre a natureza e sobre os trabalhadores, terá graves impactos nos países do MERCOSUL – Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai (com a Venezuela suspensa) –, mas desde logo efeitos profundamente gravosos para a produção agrícola nacional, desvalorizando a nossa produção e contribuindo para comprometer a nossa soberania alimentar, tornando Portugal num país consumidor ainda mais dependente.
Importa recordar que são os próprios estudos da Comissão Europeia que confirmam o impacto profundamente negativo deste acordo para produtos sensíveis como a carne bovina e suína. Não por acaso, treze estados membros pediram uma revisão da oferta tarifária feita ao Mercosul no conselho europeu dos ministros da agricultura.
Se ao uso de pesticidas, de hormonas e outros químicos juntarmos a produção e a comercialização de produtos geneticamente modificados, e ainda o transporte dos produtos, verificamos que em termos ambientais, o simples facto de que os produtos não serem consumidos onde são produzidos, será um desastre.
A aplicação deste acordo aumentaria de forma substancial os volumes de importação de carne bovina, suína e de aves, bem como de açúcar, biocombustíveis e soja desses países para os estados membros da UE.
A “abertura mútua do mercado” também está prevista para alguns produtos lácteos, apesar da enorme pressão que existe sobre esses mercados e da verdadeira devastação que se verificou sobre tantas explorações em Portugal, com as consequências sentidas pelos pequenos e médios produtores, particularmente no contexto do fim das quotas de produção leiteira.
Nos países do Mercosul, a produção de soja, açúcar e carne, por exemplo, tem vindo a assumir um modelo cada vez mais intensivo e industrial, principalmente em relação ao agressivo modelo exportador.
A Amazónia, com a sua importância ambiental, ecossistémica, bem como em termos de biodiversidade, é um exemplo particularmente esclarecedor no que tem sido obrigada a ceder a esse modelo, no processo de desflorestação que tem sofrido, na destruição de áreas protegidas, nas agressões a comunidades indígenas, na destruição da pequena e média agricultura e a agricultura familiar.
Os agricultores enfrentam enormes exigências e desafios ao nível do impacto no ambiente, no clima, nos ecossistemas, o que significa custos de produção mais elevados. No entanto, as importações dos países do Mercosul têm vindo a causar uma pressão crescente sobre os preços. Esta política comercial e os padrões de produção, ambientais e sociais desiguais relativos à indústria agrícola estão a acentuar os graves problemas que se fazem sentir neste domínio.
O Acordo UE/Mercosul é mais um mega acordo comercial que se insere na lógica de liberalização do mercado em benefício dos interesses das grandes multinacionais e potências europeias, e das oligarquias das contrapartes, que se afigura altamente lesivo para os trabalhadores, os agricultores, os pequenos e médios empresários, dos dois lados do Atlântico.
Entretanto, as negociações com o Mercosul estiveram congeladas durante mais de uma década e retomaram, com uma primeira oferta tarifária em maio de 2006. Estas negociações foram retomadas apesar das reservas de diversos estados membros e organizações representativas dos agricultores europeus que não querem acordos que privilegiam o livre comércio o agro-negócio e a agricultura intensiva, grande consumidora de pesticidas e OGM.
As negociações deste Acordo decorreram num contexto concreto, e foram marcadas pelas implicações políticas e sociais desse contexto, nomeadamente por diversas manobras e movimentações, de que se destacam o afastamento ilegal da Venezuela da Presidência do Mercosul ou o golpe institucional no Brasil que viria a abrir a porta à tomada de posse do atual presidente.
A UE tem sempre afirmado, ainda que hipocritamente, a defesa dos direitos humanos e outros direitos fundamentais, como condicionalidade à celebração de acordos comerciais. A prática discricionária vem demonstrando que a defesa de tais direitos se esgota na toada propagandística e que caem por terra sob os interesses económicos e financeiros.
Ao contrário do que tem sido apresentado em termos mediáticos no nosso país, o processo de adoção do Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia e o Mercosul está longe de ser consensual. Vários parlamentos nacionais e regionais de estados membros da UE pronunciaram-se pela rejeição deste acordo. Casos como França, Áustria, Holanda, Irlanda, Valónia (Bélgica), Catalunha (Espanha) já anunciaram a sua não aceitação.
Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do artigo 4º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166º da Constituição da República, resolve:
- Pronunciar-se pela rejeição do Acordo Internacional de Livre Comércio entre a União Europeia e o Mercosul, nos seus termos atuais, preconizando uma nova abordagem no plano comercial e na cooperação económica, que consagre relações mutuamente vantajosas, que perspetivem o direito à soberania alimentar, a salvaguarda da produção nacional, a defesa dos direitos sociais e o respeito pelo ambiente e a biodiversidade.
- Recomendar ao Governo que, junto da União Europeia, defenda a abertura de novo processo negocial, com a elaboração de um novo mandato de negociação e com uma discussão aberta e democrática, que permita salvaguardar a defesa de amplos setores da produção nacional.