Propostas de alteração ao Relatório
CAPÍTULO 5
Substituição das Recomendações pelas seguintes:
1. A opção de desenvolvimento da produção de energias de fonte renovável deverá prosseguir, integrada num PEN – Plano Energético Nacional, de forma a harmonizar de modo mais equitativo os custos e os benefícios em presença, nomeadamente através medidas que permitam a recuperação pelo SEN das desproporcionais vantagens obtidas pelas empresas produtoras.
2. Esta nova direção de atuação da política energética deverá fazer-se sentir, tanto nos futuros concursos, como através da correção compensatória dos extremados desequilíbrios já detetados e avaliados, provenientes de decisões anteriores.
3. A ERSE deve analisar a reversão da legislação de 2013 e propor ao Governo as medidas necessárias para estancar as rendas excessivas decorrentes dessa legislação.
CAPÍTULO 12 – SOBREEQUIPAMENTO
Propõe-se acrescentar uma Conclusão e uma Recomendação:
Conclusão:
Colocando sob a decisão da ERSE a avaliação dos impactos do sobreequipamento como determinado pelo Despacho 7087/2017, ou se demonstra que a avaliação da ERSE relativamente a cada projeto apresentado está errada, ou então a autorização do sobreequipamento vai produzir acréscimos de custos ao SEN, com repercussão na tarifa. O que é inaceitável. Se a metodologia de avaliação da ERSE dos impactos tem vícios estruturais como argumenta o Secretário de Estado da Energia João Galamba, então o caminho é a correção dessa metodologia. Donde, não colhe a argumentação por este expendida.
Recomendação:
1. O Governo deve revogar a Portaria n.º 43/2019 e a viabilidade e autorização dos projetos de sobreequipamento deve resultar de uma avaliação da ERSE sobre os seus impactes para o SEN. Se tiver custos acrescidos para o SEN não deve ser autorizado.
2. O Governo deve por intermédio da DGEG, proceder à avaliação da justeza da metodologia da ERSE na determinação dos impactes do sobreequipamento, procedendo às correções necessárias em função das conclusões da avaliação.
ACRESCENTAR NOVO CAPÍTULO:
DUPLA SUBSIDIAÇÃO (entre os atuais capítulos 12 e 13)
Contexto e legislação associada
No trabalho de «Análise aos incentivos às renováveis com apoio comunitário» realizado pela DGEG, sob a tutela do Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, verificou-se a existência de centros electroprodutores que beneficiam ou beneficiaram cumulativamente de tarifa garantida e de apoios públicos à promoção e ao desenvolvimento das energias renováveis. Face ao factos e perante indícios fortes da exigência de devolução ao SEN de valores muito elevados, o SEE determinou em 22 de Agosto de 2016 a apreciação do problema, nomeadamente a sua possível consideração na fixação de tarifas para 2017 pela ERSE.
O SEE determinou através da Portaria nº 268-B/2016 que «na previsão dos custos estimados pela aquisição pelo CUR do SEN da energia elétrica produzida em PRE, que beneficia de remuneração garantida, devem ser deduzidos os valores recebidos pelos centros electroprodutores que beneficiaram cumulativamente de apoios à promoção e ao desenvolvimento das energias renováveis através de outros apoios públicos.»
Posteriormente a Lei 42/2016 de 28 de setembro do OE para 2018 veio pelo seu artigo 171.º consolidar e ordenar a verificação da dupla subsidiação e a dedução dos apoios excessivos. Pela Portaria 69/2017 o SEE determinou o mecanismo de dedução e/ou reposição da acumulação indevida.
Tratando-se de um processo de elevada complexidade o cálculo do apoio indevido cumulativa com a conhecida a debilidade dos recursos humanos do aparelho de Estado, verificaram-se enormes atrasos na identificação dos centros electroprodutores e dos valores recebidos em excesso por cada um deles. O que levou mesmo o SEE a solicitar ao MF a intervenção da Inspeção Geral de Finanças do apoio técnico especializado necessário à realização daquelas operações. O valor apurado pela IGF, ´pelo seu Relatório – Dupla Subsidiação aos produtores de eletricidade em regime especial - foi de cerca de 300 milhões de euros.
Como é do conhecimento geral, o processo não teve avanços significativos até hoje, a que se acrescentam as dúvidas incompreensíveis levantadas sobre as imposições e operacionalização pelo governo das normas legais, pelo novo SEE João Galamba.
Conclusão: é inaceitável que imperativos legais do OE, com a sua operacionalização estabelecida em diploma legal, não sejam cumpridos, quando ainda para cúmulo, o seu cumprimento se pode traduzir num contributo para reduzir as tarifas de energia elétrica do país, que como é reconhecido são das mais elevadas da UE.
Recomendação: o Governo deve tomar as medidas necessárias ao integral cumprimento dos dispositivos legais inscritos no artigo 171.º da Lei 42/2016 e da Portaria 69/2017.
ACRESCENTAR NOVO CAPÍTULO:
DIREITOS CONTRATUAIS E REGULAMENTAÇÃO DO SEN (entre os atuais capítulos 13 e 14)
Contexto:
Nas audições da CPIPREPE dos responsáveis da EDP foi várias vezes glosada a tese da ilegitimidade e até ilegalidade das alterações legislativas e regulamentares com vista à defesa dos interesses dos consumidores de energia elétrica e da própria economia portuguesa. Assim se procurava pôr em causa os esforços para a eliminação ou pelo menos uma drástica redução da «Rendas Excessivas».
A par da conhecida argumentação de que a «instabilidade contratual», o rompimento dos acordos estabelecidos com os investidores, estrangeiros reduz a atratividade do país ao capital estrangeiro, desenvolve-se a tese de que tal é inaceitável por que significa pôr em causa a «inviolabilidade dos contratos», nomeadamente dos que foram feitos para suportar as privatizações da EDP e REN nas suas diversas fases.
A CPIPREPE não pode no seu Relatório deixar de esclarecer em definitivo tal argumentação, porque capciosa e parcial, sem qualquer suporte legal. Pelo contrário, a realização das alterações necessárias à defesa dos interesses dos consumidores de energia elétrica e da economia nacional, tem um claro e evidente respaldo legal.
Não é aceitável que se diga que os acionistas foram às privatizações da EDP de boa-fé na base do que informavam os prospetos de OPV com a chancela da CMVM, e logo, nada pode ser revertido, porque isso significa pôr em causa aqueles compromissos do Estado.
Ora nos prospetos sempre se assinalou e com grande desenvolvimento justificatório a possibilidade da mudança de legislação, porque dada a matéria em causa – um bem de grande sensibilidade económica e social – havia sempre o risco de o Estado mudar regras por exemplo de regulação, com impactos na rendibilidade dos capitais investidos. Os chamados «Riscos Regulatórios».
Os prospetos das privatizações de qualquer das suas fases (mas centremo-nos na oitava fase) da privatização da EDP, assinalam, e também avisam os putativos investidores dos riscos, afirmando:
«O investimento nas Ações da EDP envolve riscos. Antes de ser tomada qualquer decisão de investimento dever-se-á ponderar toda a informação contida neste Prospeto (…)».
E no prospeto (2º Capítulo, páginas 30/66) vinham indicados, entre outros, como fatores de risco:
2.1.2 «medidas adicionais do Estado português para limitar o aumento dos preços da energia»
2.1.4 «os resultados da EDP são fortemente afetados pelas normas legais e regulamentares implementadas por vária entidades públicas»
2.1.5 «nas atividades das redes reguladas (…) as revisões regulatórias periódicas podem implicar perdas significativas de proveitos»
2.1.8 «A EDP não pode prever, ou sequer excluir medidas regulatórias ou legais que possam ter um efeito adverso nos resultados da EDP»
Depois destes avisos continua, como é possível que alguém invoque que os acionistas foram enganados na sua boa-fé de investidores?
Conclusão: nada impede no ordenamento jurídico nacional que o Estado possa alterar, corrigir, recuperar, legislação e regulamentos, com consequências nos proveitos da EDP e da REN, e de outros operadores do SEN, na defesa dos interesses dos consumidores portugueses, domésticos e empresariais. Os investimentos nas privatizações foram mesmo alvo de alertas específicos sobre ricos regulatórios pela CMVM, pelo que não lhes é lícito reclamar ou contestar redução dos proveitos decorrentes de alterações legislativa e regulamentares, levadas a cabo pelo Estado em defesa dos interesses nacionais.
PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO ÀS CONCLUSÕES FINAIS
Conclusão 2.
Intercalar na 2ª linha, entre «CAE.» e «Essa»:
…CAE. Estranhamente essa aparente imposição de obrigatoriedade da passagem dos CAE a CMEC, não vigorou para as centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro. Essa…
Conclusão 10.
Acrescentar no final:
…CPIPREPE. Mas refira-se o registado no Relatório, no ponto 2 do capítulo 5, de que “Em 2012, o relatório produzido no âmbito da aplicação da medida 5.15 do Memorando de Entendimento com a Troika concluiu que existe uma renda excessiva paga na fatura energética aos produtores de eletricidade abrangidos pela PRE. O relatório preparado pelo então Secretário de Estado Henrique Gomes, apoiado em estudos das consultoras Cambridge Economic Policy Associates (CEPA) e A.T. Kearney, veio quantificar um valor de 113M€/ano respeitante a rendas excessivas pagas à PRE. Deste montante, 54M€/ano dizem respeito às centrais eólicas e 42 M€/ano às centrais de cogeração. O documento contabiliza esta renda excessiva a partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio ponderado do capital (em inglês WACC) da atividade”. Pode assim assumir-se como uma estimativa fiável e subestimada a opção de valorizar em 54M€/ano as RE devidas às renováveis. Na verdade, este valor diz respeito apenas à eletricidade proveniente das eólicas durante os últimos 15 anos. Ou seja, para este período, um valor seguro de pelo menos 810 milhões de euros.
CONCLUSÃO 15.
Alteração na segunda frase desta conclusão:
(…) procedimentos de auditoria a partir dos quais foram identificadas práticas que, segundo a Autoridade da Concorrência poderão ter gerado um dano de cerca de 140 milhões de euros para o SEN e para os consumidores. Um processo (…)
(Da página 4 da Apresentação de Margarida Matos Rosa, Presidente da AdC, a 13FEV19 na CPIPREPE)
ADITAMENTO ÀS CONCLUSÕES FINAIS – ACRESCENTAR 2.ª PARTE:
II. CONCLUSÕES GERAIS SOBRE EXISTÊNCIA, CAUSAS E RESPONSABILIDADES PELAS «RENDAS EXCESSIVAS»
1. A existência de «Rendas Excessivas»
A primeira conclusão da Comissão de Inquérito é a da existência de «Rendas Excessivas» (RE) no SEN, identificadas como uma sobreremuneração dos ativos de vários agentes económicos presentes na cadeia de valor da produção, transporte e comercialização da energia elétrica em Portugal. Esta tese ficou inteiramente consolidada na generalidade das audições realizadas, com poucas exceções, pese as opiniões diversas sobre o seu valor, a sua origem e a própria noção de renda excessiva. A contrapartida à existência das RE, foram as elevadas tarifas e faturas da energia elétrica, majoradas, sobrecarregadas pelos valores correspondentes à sobreremuneração dos agentes. Valores suportados por clientes domésticos e empresariais, com graves consequências para a competitividade nacional.
A Comissão de Inquérito entendeu as RE por «sobreremuneração» dos ativos, com uma obtenção, de forma sistemática e significativa de rendimentos/lucros superior aos valores médios obtidos na restante economia na remuneração do capital. Na formulação econométrica do texto do Relatório uma RE aparece: «a partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio ponderado do capital da atividade (em inglês com o acrónimo WACC)». Este conceito de «Rendas Excessivas» deveria ser distinguido de «Receitas Indevidas» (RI), resultantes da obtenção de rendimentos pelos agentes económicos decorrentes de ilegalidades ou de vantagens ilegítimas por legislação/decisão administrativa incorreta. A CI não fez esta separação no decorrer dos seus trabalhos, contabilizando RI por RE, o que não obsta a que façamos esta referência, com a consideração de que não põe em causa o essencial das suas conclusões.
A dimensão das RE é avaliada pela CI em cerca de cinco mil milhões de euros. Dada a permanência dos mecanismos legais e operacionais que as originaram, e também a constatação de que alguns dos «cortes» de RE confirmados foram temporários, a «criação» de RE manteve-se e mantém-se para lá daquele período, pelo que é necessário que o poder executivo e os reguladores tomem as medidas necessárias à sua completa eliminação, considerando desde logo as recomendações apontadas neste Relatório.
2. A causa primordial das «Rendas Excessivas»
Dos trabalhos da CI ficou claro que a causa original de uma parte significativa das RE – a parte respeitante aos CAE e CMEC – decorreu do objetivo de privatizar a principal empresa do SEN, a EDP, que integrou o processo do desmembramento vertical, da cadeia de valor em empresas da produção, transporte e distribuição e o desenvolvimento de um processo de liberalização abrindo a outras empresas a atividade de produção e comercialização de energia elétrica. Tais decisões visavam a construção de um putativo «mercado» de energia elétrica, que posteriormente veio a ser desenhado para toda a Península Ibérica, o chamado MIBEL. O desmembramento da EDP, entre empresas autónomas de produção (EDP) e transporte de energia elétrica (REN) levou à elaboração de contratos, ditos de vinculação, de fornecimento de energia, que posteriormente, para concretização da privatização da EDP, foram transformados em Contratos de Aquisição de Energia, os CAE. Transformação feita por decisão administrativa e sem nenhum enquadramento legislativo regulamentar, por simples negociação entre representantes técnicos e da administração das duas empresas. A fim de valorizar a EDP, que se ia privatizar, foram pelos CAE estabelecidas extraordinárias e seguras condições garantísticas sobre possíveis futuros riscos para os capitais privados que a viessem a adquirir. O posterior processo de substituição dos CAE, por imposição da CE, pelos CMEC, os ditos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual, reforçaram a segurança dos riscos, por conta do SEN e dos consumidores. «Com a assinatura dos CAE, todos os riscos de natureza concorrencial que poderiam advir do processo de liberalização passaram, segundo este modelo, a ser suportados pelos consumidores. Qualquer perda que pudesse advir do processo de liberalização, associada a uma eventual redução da produção ou do preço de mercado, ou mesmo a qualquer subida dos custos, seria suportada pelos consumidores». «Os CMEC garantem por isso a manutenção, em contexto de mercado liberalizado, das condições de remuneração que haviam sido estabelecidos entre duas empresas (REN e EDP) do mesmo grupo nos contratos celebrados em 1996 (os CAE)» (Textos do Anexo – Resumo da Transição do regime CAE para o regime CMEC, da AdC, 13SET2013).
O processo de extinção dos CAE arrastou a decisão de extensão do Domínio Público Hídrico para a EDP, numa negociação em que o Estado sai fortemente prejudicado.
A Produção em Regime Especial, PRE, particularmente a produção eólica, quer no seu enquadramento legislativo inicial quer após as alterações feitas em 2013, é outra fonte de RE provenientes da diferença entre a tarifa garantida à produção renovável e o preço do mercado grossista, cujos custos para o SEN são transferidos para os consumidores pelo seu englobamento nos CIEG – Custos de Interesse Económico Geral – incluídos anualmente na tarifa pela ERSE.
Como se escreve no Relatório: «Em 2012, o relatório produzido no âmbito da aplicação da medida 5.15 do Memorando de Entendimento com a Troika concluiu que existe uma renda excessiva paga na fatura energética aos produtores de eletricidade abrangidos pela PRE. O relatório preparado pelo então Secretário de Estado Henrique Gomes, apoiado em estudos das consultoras Cambridge Economic Policy Associates (CEPA) e A.T. Kearney, veio quantificar um valor de 113M€/ano respeitante a rendas excessivas pagas à PRE. Deste montante, 54M€/ano dizem respeito às centrais eólicas e 42 M€/ano às centrais de cogeração. O documento contabiliza esta renda excessiva a partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio ponderado do capital (em inglês WACC) da atividade».
Outras RE (nalguns casos de facto RI) destacadas nas audições e nos trabalhos da CI são a consequência direta ou indireta dos processos atrás assinalados de privatização, desmembramento da EDP e liberalização do «mercado», muitas vezes medidas e alterações legislativas no falso pressuposto de colmatar falhas de mercado, desajustes legislativos, erros regulamentares e outros problemas decorrentes da complexidade da situação criada. Ou ainda de medidas avulsas governamentais correspondendo a solicitações e pressões dos principais operadores do SEN. Como resulta claro do simples enunciado das que foram referenciadas na CI, que se podem ver no quadro seguinte que apresenta um cálculo dos seus valores.
(FALTA QUADRO)
Notas:
(1) Valores expressos no Relatório
(2) Os valores de RE por CAE remanescentes (Turbogás – Tapada do Outeiro e Tejo Energia – Pego), verificados a partir do segundo semestre de 2007 (quando cessaram os CAE da CPPE e foram criados os CMEC), são estimados no contexto de pressuposto que se teria procedido a uma renegociação com as duas empresas beneficiárias e aplicando 30% de redução tal como foi feito em Espanha com os CTC. Deve notar-se que a ERSE considerou, desde 2004, que, do ponto de vista legal, a cessação dos CAE estava imposta “pela aprovação de uma diretiva europeia, evento alheio à vontade do Estado português. Ora, segundo a ERSE, esse facto altera as circunstâncias indemnizatórias previstas nos CAE e abre espaço ao governo para negociar outra solução com os produtores”.
(3) Valor indicado pela AdC na sua apresentação na Comissão de Inquérito a 13-02-2019.
(4) Valor calculado na base do relatório de Henrique Gomes referido no Relatório (ponto 2 do capítulo 5), valorizando em 54M€/ano as RE imputáveis às centrais de energia renovável (concretamente a eletricidade proveniente das centrais eólicas) durante os últimos 15 anos.
(5) Valor indicado no relatório da IGF “Dupla subsidiação aos produtores de eletricidade em regime especial”, novembro de 2018.
3. As «Rendas Excessivas» como resultado da política energética de sucessivos governos do PS, PSD e CDS
Todo os processos anteriormente referidos se iniciaram com os XI e XII Governos do PSD que produziram os DL 449/88, DL 7/91, DL 99/91, DL 100/91, DL 131/94, DL 182/95, DL 183/95, DL 184/95, que diziam ter como objetivo reorganizar/reestruturar a EDP-EP. De facto, abriu caminho ao seu desmembramento, nomeadamente a separação da REN em 1994, e à sua privatização total e liberalização neste sector.
Os XIII e XIV Governos Constitucionais (PS) prosseguiram a mesma estratégia e concluiu o trajeto iniciado pelos governos anteriores, nomeadamente realizando a 1ª fase da privatização de parte do capital da EDP.
O Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de julho, estabeleceu as bases da organização do Sistema Elétrico Nacional (SEN), prevendo no artigo 15.º a existência de contratos de aquisição de energia (PPA/CAE), designados no Diploma como «Contratos de Vinculação». Este tipo de contratos tiveram um papel fundamental nos processos de liberalização e privatização. Caracterizam-se por apontarem para o longo prazo e através deles os produtores privados vinculados ao serviço público da energia ganharam segurança para o negócio através de um compromisso em fornecerem, em exclusivo, toda a energia produzida à entidade concessionária da rede nacional de transporte (RNT), cabendo a esta a obrigação de os remunerar, assegurando-lhes as receitas que os próprios produtores, com o aval governativo, consideravam “adequadas”.
É já o XIII Governo PS a concretizar os CAE. E através de um Contrato de Aquisição de Energia, CAE, celebrado sempre entre um produtor vinculado e a entidade concessionária da RNT, determina-se que o produtor se compromete a vender à entidade concessionária da RNT a capacidade total da instalação produtora de acordo com as condições técnicas e comerciais estabelecidas nos CAE.
Ou seja, sem os CAE não haveria privatização e, portanto, eles surgiram com esse objetivo, porque, num contexto integrado e público, não haveria necessidade do seu estabelecimento. O Eng.º Mira Amaral (que como ministro da economia concretizou a primeira legislação que deu origem à reorganização e reestruturação do SEM) escreveu: «suspeito que a verdadeira razão para os CAE da EDP foi o Governo Guterres querer começar a sua privatização» (Expresso, 22JUL17). CAE que, aliás, já eram supervalorizados, como também refere, a fim de facilitar uma privatização, “bem paga”. E sem CAE, não teriam acontecido os CMEC.
Foram os Governos seguintes (XV e XVI), governos PSD/CDS, que avançaram para essa transformação através da produção do Decreto-Lei 240/2004. E foi o XVII Governo (PS) que consolidou o sistema predatório do SEN, através de múltiplas alterações ao DL 240/2004. É também no período desses governos que avança a legislação e se tomam as medidas que vão engrossar as RE e os RI, como a legislação de promoção da PRE, particularmente a Eólica, se decide a prorrogação do prazo da Central de Sines e o estabelecimento de uma renda dos terrenos da REN, preparando uma privatização valorizada daquela empresa pública, se legisla sobre a Garantia de Potência e o Serviço de Interruptibilidade.
Em síntese. Os XI e XII Governos preparam a privatização da EDP e os CAE. Os XIII e XIV Governos iniciaram a privatização da EDP e REN e concretizaram os CAE. Os XV e XVI Governos fizeram avançar a passagem dos CAE a CMEC. O XVII Governo além de alterar legislação dos CMEC, avançou para a «extensão» do DPH com o DL 226-A/2007 e cedeu por Despacho a extensão do DPH à EDP, com prejuízo do Estado e sem o pagamento de Taxa de Recursos Hídricos enquanto tal.
As RE, qualquer que seja a sua origem e natureza não são fruto do acaso ou de simples ou complexas operações à margem das leis pela EDP e outros operadores do SEN. Sejam sobreremunerações de ativos/investimentos a taxas acima do que seria de esperar para o capital investido, sejam rendas decorrentes de preços de monopólio da EDP e outras empresas na produção e comercialização de energia, sejam uma herança indevida/ilegítima da privatização e segmentação da EDP pública, ou mesmo resultado da manipulação e aproveitamento oportunista do poder económico e político de grupos económicos monopolistas. De facto, resultaram de decisões políticas e administrativas do poder político, enquadradas por uma estratégia económica e energética bem definidas e conhecidas, traduzida em legislação e outros atos regulamentares do Estado, nomeadamente legislação regulatória permissiva e favorável aos interesses do capital privado. Acrescente-se, decisões e medidas, muitas vezes ao arrepio dos alertas e propostas das entidades reguladoras, como a ERSE e a AdC.
4. A grave violação do princípio constitucional de subordinação do poder económico ao poder político, a promiscuidade interesses públicos/interesses privados, as “portas giratórias” e os indícios de corrupção.
O processo de reorganização e reestruturação do sector elétrico nacional, o nome de batismo da privatização, desmembramento da EDP e liberalização, pelos interesses económicos que envolveu foi absolutamente capturado pelo poder económico dos grupos monopolistas e financeiros, nacionais e estrangeiros. E é esse poder económico que determinou o conteúdo e a forma, e o desenho final do processo, pelo condicionamento imposto às condições em que foram tomadas as sucessivas decisões governamentais que o impulsionaram. O que se tornou particularmente visível na proliferação de textos e diplomas, muitas vezes revendo, alterando, eliminando em curtos períodos de tempo comandos legais anteriores, quase sempre comprometendo a defesa do interesse público. O Estado foi profundamente lesado nos seus interesses e a população e a economia foram defraudadas nas promessas que lhes tinham sido feitas de redução dos custos da energia elétrica.
Foi gravemente subvertido, por opção política deliberada, o princípio constitucional de subordinação do poder económico ao poder político, antes se verificando precisamente o contrário, com o poder económico a determinar o que poder político deveria fazer. Tal ficou bem patente nos trabalhos da CI, que na feitura de muita legislação – decretos-leis, portarias, despachos e até resoluções do conselho de ministros – era preparada, formatada e em grande parte redigida pelos interesses económicos e grandes operadores do sector como a EDP, limitando-se o poder político a fazê-la sua, pela assinatura e publicação no Diário da República. Regista-se como o melhor exemplo, as declarações de Manso Neto, na sua Audição na CI. «O Governo decide» diz Manso Neto. E acrescenta: «Redigir uma proposta de decreto-lei, a pedido do Governo, que o Governo depois, pode emendar, cortar e decidir, não vejo sinceramente, onde está o crime.» É uma «interação» «normal.» «É uma grande empresa» Ou a referência ao papel de Rui Cartaxo feita no Relatório.
Facilitou, para não se dizer que promoveu, toda esta intervenção do poder económico nos processos decisórios do poder político a existência de um importante conjunto de quadros que circularam no conhecido sistema das portas giratórias entre posições e lugares no aparelho de Estado / administração pública (assessores e conselheiros de gabinetes governamentais), incluindo como Secretários de Estado e Diretores da DGEG ocupam lugares nas administrações e cargos técnicos superiores nos operadores privados. Quadros que assumiram um papel relevante nas delegações do poder político e do poder económico que negociaram diferendos e acertaram pontos de vista na preparação das decisões políticas e administrativas. Quadros em grande parte com percurso profissional na Boston Consulting Group (BCG) que funcionou como uma espécie de banco de quadros, como resulta do que se escreve no Relatório no Capítulo 14 “o papel dos consultores da Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em Portugal”.
Outra evidência forte das portas giratórias e da procura pelos operadores privados de passadeiras para o poder político é a presença, após a privatização total da EDP, no Conselho Geral e de Supervisão da EDP (CGS) de cinco ex-ministros mais um ex-Ministro como CEO. E quando se faz substituição do Presidente do CGS, é ainda um 6º ex-ministro que ocupa o lugar.
Tudo indicia a completa porosidade e indefinição da fronteira e uma intensa promiscuidade entre a parte pública e a parte privada, acabando mesmo por ofender direitos dos operadores privados do sector não chamados às mesas de negociação e afastados de qualquer intervenção na decisão pública.
Reproduza-se um pequeno texto, como exemplo, retirado do Relatório: «Rui Cartaxo, adjunto de Manuel Pinho, teve grande influência no processo de avaliação da extensão do domínio hídrico. Rui Cartaxo manteve um fluxo permanente de informação com a EDP, como ressalta das peças do processo judicial remetidas pela Procuradoria Geral da República à CPIPREPE, em que são reproduzidas comunicações que demonstram que Rui Cartaxo preparou diretamente com a cúpula da EDP os termos do aconselhamento desta empresa ao ministro Manuel Pinho, que Cartaxo assessorava, e que informou a EDP do andamento das diligências para a contratação das entidades bancárias a quem foram encomendadas pelo Estado avaliações do valor da extensão da utilização do domínio hídrico.» (último item das Conclusões do Capítulo 2 – O processo de concessão do domínio hídrico).
Não é assim difícil de aceitar que um tal grau de intenso, ambíguo e perverso relacionamento entre os agentes do Estado e os agentes dos operadores privados em negociações, consolidando mecanismos e operações político-administrativos, envolvendo muitas centenas de milhões de euros, constituem elementos propícios a situações de corrupção. São questões que cabem em última instância ser esclarecidos e decididos em definitivo pelo poder judicial, no apuramento final da investigação em curso Operação Ciclone.
Mas cabe registar em síntese que estes comportamentos de profunda promiscuidade e subordinação do poder político ao poder económico – bem evidenciadas em sucessivas audições na CI – se traduziram inevitavelmente em vultuosos prejuízos para o Estado e o interesse público.
Não pode a CIPREPE deixar de registar nesta matéria os processos de demissão de dois secretários de Estado da Energia: a demissão do Secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes do Governo PSD/CDS e do Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches do Governo PS. Só por ingenuidade se aceitará que tal foi obra do acaso, ou uma simples coincidência. Foi sim a consequência inevitável de cada um, à sua maneira, levar a cabo um processo de saneamento das «Rendas Excessivas», afrontando os interesses económicos poderosos do sector da energia. Resultado do poder político se demitir da sua supremacia institucional e constitucional, e se submeter às manifestações de desagrado e até ceder a operações de chantagem como o não pagamento da CESE, por parte dos operadores privados.
5. A responsabilidade das entidades reguladoras – ERSE e AdC
Um dos objetivos do mandato da CI foi a existência de omissões ou falha comportamental de relevo no cumprimento das obrigações dos serviços de energia e das entidades reguladoras, inclusive no tocante à atribuição legal à ERSE de proposta de alterações legislativas.
Da audição na CI de todos os ex-responsáveis e os atuais responsáveis das entidades reguladoras com intervenção estatutária no SEN, a ERSE, Entidade Reguladora dos Serviços de Energia e a AdC, Autoridade da Concorrência, duas conclusões são claras:
(i) As duas entidades conheciam e conhecem em todas as suas dimensões técnica, administrativas e legais, e em profundidade, os problemas do SEN que são objeto da CI. Logicamente, que pela especificidade do seu objeto, sendo que é criada e amadurece no próprio processo de reorganização e reestruturação do SEN a partir de 1995, a ERSE tem legalmente um mais largo espectro de intervenção regulatória e uma imposição legal de sistemática atenção ao sector. Mas quer a ERSE quer a AdC alertaram oportunamente sucessivos governos para os riscos e consequências de projetos legislativos e decisões administrativas regulatórias e outras. Assim aconteceu em particular com o processo de elaboração do DL 240/2004 de passagem dos CAE a CMEC, em que intervieram com relatórios de avaliação antecipando e indicando os problemas e indiciando os seus custos para o SEN. Não foram, no entanto, e em geral tão explícitos na abordagem de outras origens de RE ou RI, como a PRE.
(ii) As duas entidades não foram, contudo, suficientemente diligentes e persistentes na denúncia e na tomada e/ou proposta de medidas que atalhassem em particular os crescentes custos transferidos para as tarifas de energia elétrica pelas RE, após a consolidação dos sistemas CMEC e PRE e até 2012, quando a problemática das RE entra na agenda política. É assim que, por exemplo, não foram tão incisivas, nomeadamente a ERSE consultada para o efeito, na avaliação das alterações produzidas no DL 240/2004 a partir de 2005, apesar de se manterem todas razões para objeções que tinham levantado ao projeto do Decreto-lei ou sobre todo o processo da extensão do DPH.
Outras questões devem, todavia, ser assinaladas de forma crítica à intervenção das duas entidades reguladoras.
Os estatutos da ERSE, até à alteração de 2012, estabeleciam no Artigo 19.º, titulado “Competências Comuns”, no n.º 1: «A ERSE pronunciar-se-á sobre todos os assuntos da sua esfera de atribuições que lhe sejam submetidos pela Assembleia da República ou pelo Governo e pode, por sua iniciativa sugerir ou propor medidas de natureza política ou legislativa nas matérias atinentes às suas atribuições». Ora a ERSE nunca usou desta capacidade de iniciativa para propor ao governo ou à Assembleia da República alterações legislativas, nem sequer quando o documento da Cambridge Economic Policy Associates, realizado a pedido do Secretário de Estado Henrique Gomes, determinou que havia um valor de rendas excessivas de 3925 milhões de euros, provenientes dos CAE (271), CMEC (2133) e PRE (1521).
De acordo com o seu figurino institucional quer a ERSE quer a AdC para lá de audições extraordinárias solicitadas pelos Grupos Parlamentares, tiveram e têm presença anual regular para apresentação dos seus relatórios de contas e atividades e respetivo escrutínio parlamentar. A que acrescentaria a possibilidade de sempre puderem solicitar igualmente audições para fins que julgassem necessários ou convenientes às comissões parlamentares. Ora, estas são oportunidades que sempre foram desperdiçadas pelas entidades reguladoras para uma franca e séria informação de factos e problemas que julgassem oportuno colocar aos deputados. É uma evidência que a consulta dos relatórios entregues e o conhecimento das audições realizadas, pecaram sempre por uma certa opacidade e falta de clareza da abordagem destes temas, mesmo quando a subida das tarifas de energia elétrica foi o tema central da audição parlamentar.
Outra questão a merecer reflexão foi a aparente reduzida articulação da ERSE e da AdC no respeitante ao tema das rendas excessivas. Como é possível que as avaliações bem fundamentadas, ao que hoje se conhece, das duas entidades reguladoras, não conseguissem alterar uma situação, com graves danos para a economia nacional e os consumidores? Por exemplo, terá a ERSE alguma vez concretizado as sugestões da AdC presentes nas cartas desta sobre as propostas de tarifas em 2006 e 2007 para se realizar «uma análise do impacte da regulação de preços finais no contexto do mercado liberalizado de eletricidade, nomeadamente do grau atingido de convergência; existência de tetos máximos ao crescimento de tarifas reguladas; existência e criação de défices tarifários e introdução dos CMEC»? Que se saiba, não.
A merecer também uma anotação é um quase funcionamento em circuito fechado das entidades reguladoras com o poder executivo, nem sequer compensado por outra relação com a Assembleia da República. O que não faz jus à sua natureza de órgãos dotados de autonomia e independência face aos governos, prosseguindo fins e missões especificas consignados nos respetivos estatutos.
E finalmente um registo para a longa e inaceitável duração dos processos de investigação e decisão final, nos procedimentos destas entidades contra os operadores económicos que acompanham no âmbito das suas funções. Detetada pela ERSE em 2011 uma «manipulação de mercado» e «abuso de posição dominante» pela EDP na Barragem do Picote/Douro, só em setembro de 2013 a AdC aprovou uma Recomendação ao Governo sobre o assunto, que apenas foi remetida ao Governo em novembro do mesmo ano, e que só em setembro de 2018 deu origem a uma Nota de Ilicitude pela AdC. Um processo que ainda não terminou, e já leva sete anos. Mas o sinal mais visível é mesmo o das RE atrás referido: decorrem sete anos, de 2004 a 2012, para que a ERSE e a AdC passem a uma outra atenção ao problema, que mesmo assim só se concretiza em resultados nos anos 2017/2018.
6. A responsabilidade da Comissão Europeia
A União Europeia através da Comissão Europeia, e em particular por via da sua Direcção-Geral da Concorrência acabou por assumir um papel negativo neste processo das RE, porque apesar de uma posição ziguezagueante na avaliação dos CAE/CMEC e extensão do regime do DPH, acabou por confortar e consolidar as decisões dos governos de Portugal favoráveis aos grandes operadores privados do SEN, e assim absolvê-las. Refiram-se as inúmeras vezes que os intervenientes diretos neste processo, quer do lado do Estado quer do lado do capital privado, invocaram como supremo argumento de autoridade e de verdade para as suas teses, as decisões da CE.
A primeira intervenção desastrosa da União Europeia faz-se pela imposição da Diretiva 2003/54/CE manifestamente incapaz de corresponder à diversidade física, orgânica e empresarial dos diversos sistemas elétricos nacionais, empurrando-os todos (embora alguns estados o não tivessem concretizado) para processos de privatização, segmentação de empresas com cadeia de valor integral e liberalização dos respetivos mercados e regulamentações. Em Portugal a Diretiva acaba por dar cobertura à extinção dos CAE, dita obrigatória. Uma leitura falsa, como rapidamente ficou demonstrado, pela manutenção, até hoje, de dois CAE, o do Pego e o da Tapada do Outeiro, da Tejo Energia e da Turbogás, respetivamente.
O segundo erro da CE acontece quando aprova sem objeções (Decisão da CE de 22 de setembro de 2004) os mecanismos do DL 240/2004 no âmbito da sua avaliação, a que tinha sido sujeito por solicitação do Governo português, como Auxílio de Estado.
Como é posto em evidência no Relatório (Ponto 2.5), conformadas pelas considerações de Abel Mateus e Manuel Sebastião, ex-presidentes da AdC, a CE com essa Decisão, tropeça em profunda contradição com a sua própria teorização sobre os CAE e os CMEC, até face a decisões noutros Estados-membros. A Comissão desenvolve, entre muitos lapsos, a consideração notável da «classificação das centrais hídricas da EDP abrangidas por CAE como centrais ineficientes» (in Documento Anexo à Recomendação o Governo da AdC de 13 de setembro de 2013).
O mesmo comportamento errático acontece em torno da intervenção da CE no processo da extensão do regime do DPH. Até hoje não está clara qual a posição definitiva da CE, dada a recente notícia de que a CE iria abrir um processo a Portugal decorrente desse processo.
A forma como a Comissão Europeia decidiu impulsionar o desenvolvimento das energias renováveis, sem avaliação nem medida, teve custos muito elevados para o SEN em Portugal.
Ao fixar metas gerais e iguais para todos os estados-membros sem qualquer consideração das particularidades dos respetivos sistemas electroprodutores e dos próprios recursos naturais de energias endógenas renováveis, sem ter em conta os sobrecustos decorrentes da exigência de centrais de backup para as energias renováveis intermitentes, a CE acabou por incentivar para lá do necessário a produção de sobrecustos no SEN, que foram depois transferidos para consumidores domésticos e empresas. Esta consideração não anula a responsabilidade primeira dos governos de Portugal nos problemas ocorridos, antes devem ser penalizados politicamente pelo seu seguidismo face às decisões de Bruxelas.
7. A responsabilidade da Assembleia da República
A Assembleia da República no âmbito das suas atribuições e competências constitucionais (alínea a) do Artigo 162 da CRP) tem responsabilidades no acompanhamento e fiscalização dos atos do Governo e da Administração Pública. As preocupações manifestadas por diversos grupos parlamentares ao longo dos anos pelos elevados preços da energia elétrica, traduzidas em iniciativas diversas, não obstam a que a CI reconheça que deveria ter havido outra atenção e escrutínio aos atos dos governos e das entidades reguladoras respeitantes à reorganização e reestruturação do SEN, a partir de 1995 pelos seus impactes no valor das tarifas. A reconfiguração estrutural do SEN traduzida em inúmeros diplomas produzidos pelos governos, caso paradigmático das PPL 141/X (2004) e PPL 112/XI (2007), que poderiam ter tido uma apreciação e escrutínio mais profundos.
Esta avaliação crítica da intervenção parlamentar está atenuada pelo registo de um insuficiente, deficiente ou mesmo inaceitável comportamento do poder executivo, e também, em muito menor grau, das entidades reguladoras, nas suas relações com a Assembleia da República. É nomeadamente o caso da PPL 141/X, aprovada como Lei 52/2004, viabilizando a Autorização Legislativa para o DL 240/2004 – diploma central na questão dos CMEC – cujo debate no Parlamento foi prejudicado pela sonegação pelo XVI Governo dos pareceres (muito críticos e negativos) da ERSE e AdC sobre o projeto de Decreto-Lei. Foi também o caso do debate da PPL 112/XI, aprovada como a Lei 13/2007, viabilizando o DL 216-A/2007 – que consagrava a possibilidade de uma extensão do período de utilização do Domínio Público Hídrico – prejudicado pela sonegação do XVII Governo do Parecer fortemente negativo do INAG sobre o Projeto de Decreto-Lei.
No caso das entidades reguladoras tenha-se em conta o que já se referiu da sua subestimação e relutância a um outro relacionamento, mais transparente, com a Assembleia da República para o bom desempenho das suas funções. Tal relacionamento manifestamente não se verificou em toda a abordagem das RE. Registe-se, para memória futura, que o importante Parecer da ERSE de 2004, sobre o DL 240/2004, só foi do conhecimento da Assembleia da República em Março de 2018, após Requerimento do GP do PCP. E que as opiniões da AdC sobre o mesmo Projeto de Decreto-Lei só foram conhecidas no âmbito das solicitações da CI, igualmente em 2018.
Estas «atenuantes» não eximem nem desculpam a Assembleia da República de outra exigência, profundidade e rigor na abordagem futura de situações semelhantes.
Lisboa, 14 de abril de 2019