Quando falamos da importância da educação no combate à pobreza duas interrogações podem ser legítimas:
A - Pode a educação ser determinante para a eliminação das assimetrias sociais e da pobreza?
B – Pode a educação contribuir para diminuir as assimetrias sociais e a pobreza?
À primeira questão, no meu entender, a resposta é negativa. Não, a educação não é o factor determinante no combate às assimetrias sociais e à pobreza.
Já quanto à segunda, a resposta parece ser evidentemente positiva. A educação é, porventura, um dos instrumentos mais fortes para consciencializar os indivíduos na luta contra as discriminações sociais e contra a pobreza.
No meu entender, é precisamente por isso que, tal como em Portugal, os actuais governantes desta Europa neo-liberal têm, para estas questões, as mesmas respostas, direccionadas para um feroz o ataque à escola pública e a forte ameaça de destruição de políticas sociais que, ao longo do século XX, foram desenvolvidas no contexto europeu.
Senão vejamos:
Se concordarmos, como em geral todos subscrevem, que a educação é um direito humano fundamental, que o seu objectivo central é o da formação de cidadãos livres, dotados de espírito crítico, autónomos e capazes de contribuir para o desenvolvimento da sociedade em que vivem, portadores de elevado nível de competências necessárias para fazer face aos novos desafios, em particular no mundo do trabalho, conscientes de partilharem valores e cultura, que abranja a necessidade de preservar o mundo para as gerações futuras, os meios e os recursos que deveriam ser colocados ao serviço deste objectivo teriam que ser compatíveis com tal desiderato. E, isso sim, seria um importante contributo para que a escola pública pudesse ser um instrumento capaz de contribuir para a diminuição das assimetrias, nas várias esferas da vida.
Qual é então a actual política seguida para a escola pública, quer a nível europeu quer a nível nacional?
A nível europeu, os representantes daqueles que hoje ocupam os países em dificuldades, exigem que estes cortem nas políticas sociais com o pretexto de que não há dinheiro. Como se não tivessem entregue a fundo perdido milhares de milhões para o regabofe da banca. A nível nacional, esta política vai no sentido de fazer o ajuste de contas com o 25 de Abril, pondo em causa os próprios fundamentos da democracia, conquistada com tantos sacrifícios pelo povo português.
Cortam-se nos orçamentos para a educação.
Diminui-se o número de professores (têm registados autênticos despedimentos colectivos, que hoje podem atingir os próprios professores do quadro), estimula-se a saída do ensino de muitos milhares de professores, que não aguentam mais as pressões a que estão a ser sujeitos e optam por aposentações com perdas enormes de direitos).
Trata-se como igual o que é diferente – imigrantes, crianças com dificuldades de aprendizagem, crianças com necessidades especiais.
Aumenta-se a carga burocrática dos professores.
Atribui-se à escola a responsabilidade de resolver todos os problemas que as sociedades modernas implicam: se a delinquência aumenta, se os acidentes rodoviários não diminuem, se o sistema de saúde não previne, se os incêndios são uma chaga, se não se vendem livros, se ninguém vai ao teatro…. A culpa é da escola e dos professores.
E no final fazem-se exames para seleccionar.
E mais ainda no final, mantêm-se os jovens no desemprego, aptos a aceitarem qualquer emprego sob não importa que condições e remunerações.
Claro que para os que podem, o recurso ao ensino privado, não o de vão de escada, mas o de qualidade, é a aposta de quem sabe que nesta sociedade quem não possui os instrumentos necessários não pode vingar. E é por isso que nestas, o ensino se centra nas aprendizagens reprodutoras das elites e as actividades extra-escolares são, no geral, a natação, o ballet ou a aprendizagem do mandarim…
A escola pública que eles querem deixar no final da linha assenta na ideia de que nem todos podem chegar lá acima e por isso tem de ser organizada para responder aos mínimos, dos mínimos. E sem o risco de errar muito, poderia afirmar que, pela primeira vez desde que a escola pública se tornou universal, ela deixou de ser um instrumento de ascensão social.
Como explicar de outro modo que os jovens hoje se quiserem ser independentes não consigam atingir sequer o mesmo nível de vida que possuíam quando viviam em casa dos pais, ou que se vejam obrigados a adiar sine die a sua independência? Ou porque estão desempregados, ou porque têm um emprego completamente precário ou auferem salários tão baixos que nem uma casa podem mesmo alugar! Os números obscenos de 60% de desemprego juvenil na Grécia, de 57% em Espanha ou de 42% em Portugal são uma realidade que confirmam esta análise. Ou que estejam a aumentar o número de trabalhadores pobres, cujo salário jamais permitirá a saída da pobreza! 80 milhões de pessoas vivem na pobreza e 8% dos trabalhadores são pobres, percentagem esta que varia entre os 4% na Bélgica e na Finlândia e os 14% na Grécia. Os trabalhadores pobres são aqueles que trabalham mas cujo rendimento familiar é inferior a 60% do rendimento nacional e que porque têm um emprego mal remunerado e, em geral precário, não conseguem sair da pobreza.
Mas respondendo à pergunta: pode a escola pública ser determinante no combate à pobreza? eu diria, como anteriormente, que a escola não pode, por si só, constituir-se como o elemento determinante capaz de eliminar a pobreza, mas é, ou deve ser, um instrumento de libertação individual e de consciencialização das injustiças, nomeadamente da que sustenta o fosse cada vez maior entre ricos e pobres, a degradação das condições de vida de cada vez mais cidadãos. Eu diria pois, que a escola é um instrumento de libertação e de desenvolvimento, desde que seja acompanhada por políticas económicas e sociais, essas sim determinantes, que invertam completamente o rumo que hoje conduz os países e os povos europeus, a uma autêntica calamidade social.
Se, por absurdo dentro de uma política neoliberal, a escola pública fosse dotada dos melhores meios capazes de promover um ensino de qualidade, a verdade é que se se não alterarem as condições sócio-económicas que permitem a continuação da acumulação de riqueza por uns em detrimento de outros, a pobreza continuaria a ser a marca essencial deste e de outros capitalismos. Até para alcançar plenamente os objetivos da Educação (o que nem significaria a alteração de paradigma da sociedade) o investimento neste sector deveria ser acompanhado de políticas laborais, sociais e económicas de apoio ao crescimento sustentável e ao bem-estar e da revisão de todas as políticas relativas ao emprego e a implementação de serviços públicos de qualidade, dando uma maior atenção a grupos específicos (crianças, pessoas com necessidades especiais, migrantes, etc.) e incluindo em todas essas políticas a perspetiva de género.
Mas o que vemos na realidade?
Todas as políticas europeias estão viradas para o que chamam política de rigor e de equilíbrio orçamental. Para isso cortam em tudo o que é sector social porque, no seu linguajar, não há dinheiro que sustente tanta proteção social. Este discurso assenta numa das maiores mentiras: há dinheiro e muito dinheiro. Há dinheiro nos off-shores, há milhares de milhões de euros para entrar à banca, há dinheiro que se poderia ir buscar com um simples e pequenino imposto sobre as transações financeiras.
Ora seria a alteração desta política que permitiria mudar radicalmente o rosto da pobreza e reforçaria o papel da escola pública na preparação das futuras gerações.
Para concluir gostaria de me referir a duas questões que estão hoje muito na moda e que precisamos de desmistificar. Refiro-me à noção de empregabilidade e ao novo instrumento comunitário chamado Garantia para a Juventude.
Perante o desastre, melhor dito catástrofe, que é o desemprego juvenil, os actuais detentores do poder na Europa decidiram que o responsável por esta situação é a escola, que não fornece aos jovens os instrumentos para que adquiram empregabilidade. Hoje não importa aquilo que praticamente todos os sistemas educativos têm inscrito, nas leis que definem os objectivos da educação (formação de cidadãos livres, dotados de espírito crítico, autónomos e capazes de contribuir para o desenvolvimento da sociedade em que vivem, etc.), o que importa é que os jovens desenvolvam competências que lhes aumente a empregabilidade. Ora, a verdade é que «empregabilidade» e «criação de emprego» são duas expressões que não significam o mesmo nem exprimem o mesmo conceito. Enquanto a criação de emprego exprime um fenómeno complexo, com responsabilidades partilhadas entre o Estado, os empregadores e os trabalhadores, que tornam necessário o diálogo social e a negociação, a «empregabilidade» remete para uma responsabilidade individual de quem procura trabalho.
Isto traduz-se da seguinte forma: está a destruir-se emprego, aumenta-se o desemprego, os países estão em recessão, logo não há criação de emprego, mas o responsável por estares desempregado és tu, que não és empregável porque não possuis empregabilidade. É preciso denunciar o conceito que está subjacente a esta palavra, empregabilidade, por ser uma agressão a todos os trabalhadores desempregados e, sobretudo, a todos os jovens que se encontram à beira do desespero.
A resposta que o Conselho Europeu decidiu dar a esta Juventude foi a criação de uma Garantia para a Juventude, a qual visa assegurar, a todos os jovens até aos 25 anos, uma oferta de trabalho condigna, ou uma educação contínua, ou um estágio profissional nos quatro meses subsequentes ao fim dos estudos, ou a ficarem desempregados. Não se lembraram de implementar políticas para a recuperação do crescimento e a criação de emprego de qualidade, estável e com as garantias e a protecção que historicamente contribuíram para a construção do modelo social europeu e a coesão social. Decidiram criar um instrumento que, como facilmente se verá, será mais um instrumento de propaganda que pouco ou quase nada resolverá.
Em primeiro lugar, porque esta Garantia só funcionará se existir um estímulo correspondente na vertente "procura do mercado de trabalho" (ou seja, se existir crescimento económico). Para além disto, a educação, os estágios profissionalizantes e a melhoria de competências de milhões de jovens, com poucas perspectivas de integração no mercado laboral, comportam, em si, enormes riscos.
Por outro lado, é necessário encontrarem-se respostas políticas coerentes e transversais para alguns temas fundamentais, designadamente a persistência de uma elevada taxa de abandono escolar na Europa, a baixa participação dos trabalhadores na aprendizagem ao longo da vida, os milhões de mulheres e homens ainda com baixos níveis de escolarização, o domínio insuficiente da leitura entre os menores de 15 anos, o desemprego juvenil maciço em alguns países da UE. Segundo a Comissão Europeia há 7.5 milhões de jovens Europeus que não trabalham nem estudam, o que representa 12,9% dos jovens europeus entre os 15 e os 24 anos. Muitos não completaram os estudos secundários e abandonaram precocemente a escola; muitos são imigrantes ou pertencem a sectores sociais mais desfavorecidos, mas em alguns países há uma deterioração da situação dos jovens de classe média (novos pobres) que ainda não completaram os estudos e se encontram ameaçados na sua continuidade.
Finalmente, porque os valores atribuídos a esta iniciativa (6.000 milhões de euros para 7 anos) é manifestamente insuficiente e não é compatível com a magnitude do problema. E se acrescentarmos que este valor não é um acrescento ao orçamento da União Europeia, mas uma afectação de recursos já ao Fundo Social Europeu e que irão faltar noutras partes, temos a verdadeira dimensão de quanto nos custa esta propaganda.