A decisão do Tribunal Constitucional de considerar inconstitucional o corte dos subsídios de férias e de natal aos trabalhadores da administração pública, com diversos vínculos e estatutos jurídicos, bem como a todos os reformados e pensionistas, não pode deixar de ser considerada, apesar das discordâncias em relação a alguns dos seus fundamentos e conclusões, como um elemento relevante na vida política nacional.
Rejeitamos naturalmente qualquer legitimidade ao alargamento a todos os trabalhadores, do corte dos salários a trabalhadores da administração pública, reformados e pensionistas. Independentemente do distanciamento que temos em relação a algumas conceções aprovadas pelo Tribunal Constitucional, nada disso legitima que o Governo, como o primeiro-ministro já insinuou, venha a alargar o universo dos cortes salariais.
Não é entre trabalhadores do público e do privado que existe a injustiça na distribuição dos sacrifícios, é entre os trabalhadores em geral, os reformados e os aposentados, os pequenos empresários e os grandes grupos económicos, designadamente no setor financeiro.
Da mesma forma, nada impede (apesar da postergação dos efeitos anunciada pelo TC) que de imediato se remova a aplicação das medidas consideradas inconstitucionais, em concreto retomando o seu pagamento ainda em 2012. Essa é uma exigência não só do respeito pelos direitos dos trabalhadores, dos reformados e dos pensionistas, mas também da necessidade de aumentar o poder de compra de largos setores da população, com as consequências desejáveis quer na sua vida, quer na indispensável dinamização do mercado interno.
Pagar os subsídios, ainda em 2012 é uma exigência incontornável.
A ideia imediatamente avançada pelo Governo de que a resposta à ausência dos cortes dos subsídios a partir de 2013 passará por novos cortes, diretos ou indiretos, dos salários, ou noutras áreas de intervenção do Estado, é totalmente inaceitável.
Substituir o corte de subsídios até aqui em vigor, por um corte mais alargado mantém a injustiça e o desrespeito pelos direitos dos trabalhadores e dos reformados, bem como da Constituição.
É necessário adotar outra orientação política que desde logo rejeite o garrote antieconómico de uma diminuição acelerada e sem sustentação no crescimento económico do défice das contas públicas. Não rejeitamos a necessidade de progredir num maior equilíbrio das contas públicas, mas a partir de uma política que promova o crescimento económico e o emprego, que é aliás a única forma sustentada de o fazer.
Por outro lado é cada vez mais indispensável que, através designadamente de uma imediata renegociação da dívida – nos prazos, taxas e montantes – se possa estancar o insuportável sorvedouro de recursos é hoje o pagamento do seu serviço, que ascende em 2012 a 7330 milhões de euros.
Finalmente, mesmo no quadro orçamental atual, há várias opções de diminuição de despesa e aumento de receita que, por interferirem com os interesses dos grandes grupos económicos, são sucessivamente rejeitadas por este Governo, como foram pelos anteriores. Essas opções permitiriam até compensar em absoluto a despesa que o Governo pretendia diminuir com o corte dos subsídios programado.
O que é preciso é por isso uma política de justiça social e progresso económico, menos peso da dívida e da diminuição do défice na política orçamental e uma mais justa política de receitas e despesas pública.
Onde se pode gerar mais receita
O fator essencial para gerar mais receitas para o Estado é o crescimento económico. Para isso é decisiva a aposta no investimento público e na dinamização do consumo interno, para o que é essencial a valorização dos salários, reformas e pensões.
Nesse aspeto, poderia ter um efeito muito positivo para a economia portuguesa a concretização dos 2200 milhões de contrapartidas devidas a partir do processo de aquisição de equipamento militar e que aliás foram utilizadas para justificar uma boa parte das decisões de compra.
Uma política fiscal que procure efetivamente tributar quem mais tem, em vez de tributar sempre os trabalhadores, os reformados e os pequenos empresários. Isso seria possível com a tributação em sede de IRC das mais-valias mobiliárias das SGPS; uma tributação adequada dos grandes grupos económicos e financeiros; a taxação das transações bolsistas; a eliminação dos benefícios fiscais para o off-shore da Madeira; o acréscimo de tributação para os bens de luxo e o património imobiliário de elevado rendimento; uma adequada tributação sobre a repatriação dos capitais saídos do país por razões de evasão fiscal.
A transferência dos fundos de pensões da banca para o Estado foi feita em condições altamente vantajosas para as instituições bancárias e na mesma medida prejudiciais para as instituições públicas. Independentemente da questão do uso que está a ser dado às transferências de recursos efetuadas, o comprovadamente insuficiente provisionamento dos fundos de pensões transferidos, impõe que o Estado avalie e exija pelo menos a entrega das verbas em falta, bem como elimine os benefícios fiscais atribuídos à banca nesta operação já de si vantajosa para os seus interesses.
A privatização de importantes empresas públicas - para além do elevado prejuízo que constituem para a economia, o desenvolvimento do país e a qualidade e garantia dos serviços prestados às populações – deitou fora importantes recursos diretos para o Estado, quer através dos dividendos distribuídos, quer dos impostos que pagavam e que inexoravelmente diminuem com a passagem para mãos privadas.
Onde podemos ter menos despesa
PPP
As PPP têm em 2012 um custo líquido para os Estado de 1036 milhões de euros (900 em 2013, 1425 em 2014, etc). Admitindo ser possível quase de imediato uma redução de 1/3 dos custos já em 2012, isso permitiria libertar cerca de 350 milhões de euros (mais de 500 milhões de a poupança for de metade dos custos atuais).
Diminuição de juros com a dívida – exigência da renegociação.
Se aplicássemos em 2012 o critério teto máximo de serviço de dívida idêntico ao garantido à Alemanha após a II Guerra Mundial, 5% do total de exportações, isso daria um máximo de 2 160 milhões de euros (42 330 milhões de euros em 2011 + 2,1% previstos pelo Orçamento retificativo para 2012 = 43 219 milhões de euros, dos quais 5% = 2160 milhões) e não 7330 milhões como está previsto no orçamento. Isso poderia libertar 5170 milhões de euros para o orçamento do Estado, isto é mais do dobro da poupança líquida (2 mil milhões) prevista com o corte dos subsídios.
Rendas do setor da energia
Para além de se terem reduzido apenas uma parte das chamadas rendas excessivas, devem ser reavidos os 1500 milhões de euros cobrados abusivamente até 2011. Por outro lado, estando calculadas as rendas excessivas até 2020 em 2439 milhões de euros, o Governo prevê um corte global até àquele ano de 1800 milhões, deixando às operadoras 639 milhões de euros que poderiam ser poupados
Concurso nacional de medicamentos
É possível comprar de forma centralizada um conjunto significativo dos medicamentos mais usados no Serviço Nacional de Saúde, poupando assim muitos milhões de euros. Em 2011 os medicamentos em ambulatório custaram ao SNS 1326 milhões de euros, num mercado total de 2942 milhões. Nos primeiros quatro meses do ano os 50 medicamentos com maiores encargos para o Estado custaram ao SNS 156 milhões de euros, sendo que quase todos (exceto 4) têm uma comparticipação média de 70% ou superior. Mesmo estimando uma poupança muito moderada de cerca de um terço do valor, isso significaria, só nestes 50 medicamentos, uma poupança anual de mais de 150 milhões de euros.
Assim, o PCP recomenda ao Governo:
1-A imediata reposição do pagamento dos subsídios, a reformados, pensionistas e trabalhadores da administração pública;
2- A rejeição do caminho de redução acelerada do défice das contas públicas de forma insustentável e sem estar alicerçada no crescimento económico;
3- O pleno aproveitamento de possibilidades de aumento da receita e diminuição da despesa sem prejuízo da atividade económica, em particular das micro, pequenas e médias empresas, mas sim através da retirada de benefícios e privilégios dos grandes grupos económicos.
Assembleia da República, em 10 de Julho de 2012