Intervenção de Lino Paulo, Debate «Políticas para o território – desenvolvimento equilibrado, uma visão estratégica»

Ordenamento do território e Política de cidades

1.
O ordenamento do território não é matéria neutra. As políticas que ao território dizem respeito são determinadas pela correlação de forças presentes no quadro da luta de classes.

No Portugal de Abril, assistimos a políticas sobre o território e a cidade que, com grande participação popular, procuraram superar as gravíssimas carências de infraestruturas, equipamentos e serviços herdadas do fascismo.

No Portugal do processo contrarrevolucionário, respeitador de imposições, primeiro do FMI e depois da União Europeia, assistimos a políticas sobre o território e a cidade que levaram ao desmantelamento das grandes unidades produtivas, ao crescimento do número de pequenas e médias empresas, localizadas territorialmente de forma difusa, fazendo corresponder a flexibilização do emprego à anarquia da ocupação do território.

No mesmo período, na lógica “thatcheriana” de fazer de cada indivíduo um proprietário, assistimos ao crescimento de enormes áreas habitacionais suburbanas, no geral carentes de emprego e de serviços à população. Ao mesmo tempo, os centros históricos das principais cidades degradavam-se e as políticas públicas de habitação estiolavam. Era o período em que a renda fundiária era obtida, pelo capital financeiro, na transformação de uso do solo periférico de rural em urbano. Ao Estado era reservada a obrigação de garantir as grandes infraestruturas e os equipamentos.

Nos últimos anos, o capital financeiro, face à iminência do rebentar da bolha imobiliária que estava a ser criada nas expansões para as periferias, descobriu o investimento na reabilitação urbana dos degradados centros históricos como novo objeto de obtenção de elevada renda fundiária. Ao Estado é, agora, reservada a obrigação de tornar apetecíveis, para o imobiliário internacional, as zonas nobres das principais cidades.

Este é um quadro em que as políticas sobre o território e a cidade servem como mero mecanismo de despossessão da cidade por “pobres sem lugar”, num violentíssimo processo de gentrificação e de segregação social.

2.
O neoliberalismo dominante impõe a sua agenda social e política sobre o território, definindo políticas de competitividade entre territórios quer a nível regional quer a nível local.

Políticas neoliberais de desenvolvimento local obrigam territórios e populações a competir por nichos de mercado ou, no caso de cidades de maior escala, a tornarem-se objeto da financeirização que elege a propriedade imobiliária como uma das mais importantes alavancas da expansão do capital financeiro.
Situação que, extensível à habitação, desrespeita nesta a dignidade de direito constitucional.

O Estado, cumprindo a sua função de representante da classe dominante, oferece múltiplas e complexas engenharias financeiras, de captação de fundos e de beneficiação fiscal do investimento privado, a quem possibilita os negócios sobre infraestruturas e serviços que a ele, Estado, compete garantir.

A disciplina de mercado, que domina subliminarmente e constitui espinha dorsal da proposta do PNPOT, é naturalmente objeto de crescente contestação. Não obstante, o Governo do PS, como a direita obviamente, continua a prosseguir uma agenda em que o livre comércio, as privatizações, a financeirização, os mercados de trabalho flexíveis ombreiam com a exigência da competitividade urbana.

A competitividade atualmente vivida a nível dos municípios é um “jogo” em que alguns poderão ganhar mas muitos ficarão a perder. A verdade é que os territórios se apresentam à partida com realidades físicas e humanas muito diversas. Naturalmente que as áreas metropolitanas e as cidades de maior dimensão da rede urbana estarão em condições de, perante o mercado de capitais, captarem maiores investimentos públicos e privados, de sediar funções económicas e políticas de comando e controlo, de motivarem dinâmicas de consumo e fixação de novos habitantes.

Esta é uma lógica em que parece apostar a proposta de PNPOT, procurando inclusive apontar municípios que, em cada NUT III, possam ser os “ganhadores”, ficando uma legião de “ perdedores” a merecer talvez agregações que, para além da perda de representatividade política, conduziriam certamente a maior despovoamento, a maiores níveis de pobreza.
3.
A regionalização, ignorada na proposta de PNPOT, mantém-se como imperativo constitucional. Este é o poder local que falta concretizar na estrutura do Estado de Direito Democrático como definido constitucionalmente e, por absurdo, obrigado a ser aprovado em referendo que visa inviabilizar o cumprimento da própria Constituição.

É ao nível da região que, mesmo no quadro das relações de produção capitalista, se poderão procurar modelos de desenvolvimento menos competitivos, baseados em relações de produção mais cooperativas e com acrescida preocupação social.

Será no quadro da regionalização, respeitando logicamente o todo nacional, que importa definir as políticas de desenvolvimento regional integrado e equilibrado. Políticas que garantam uma integração no espaço europeu, valorizando o potencial de desenvolvimento nacional e dando solução aos constrangimentos estruturais que existem. Qualquer política de desenvolvimento terá de ser sempre uma política de desenvolvimento regional.

4.
O PNPOT, agora em discussão, é o instrumento de gestão do território que constitui quadro de referência para todos os restantes instrumentos que determinam da ocupação do território.

A versão em discussão não resulta de avaliação sustentada do PNPOT de 2007. A realidade é que inexiste o sistema de monitorização territorial, devidamente articulado aos diversos níveis de gestão e a uma matriz estável de indicadores, por incumprimento quer da Lei de Bases do Território e do Urbanismo, de 1998, quer do consequente Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, de 1999.

Se tal avaliação estivesse presente, verificar-se-ia que ficaram por executar as medidas explicitadas no PNPOT de 2007, relativamente a matérias tão estruturantes como as infraestruturas aeroportuárias ou ferroviárias. Talvez por isso, agora, na versão em apreciação, sejam omissas quaisquer propostas concretas nestes domínios, remetendo não de forma explícita para o Programa Nacional de Investimentos 2030.

O modelo territorial proposto no PNPOT estrutura-se a partir da centralidade da AML no todo nacional. Sendo inquestionável esta centralidade, importa contrariar as crescentes disparidades económicas entre áreas metropolitanas e regiões rurais e apostar no desenvolvimento policêntrico para cidades de média dimensão da nossa rede urbana.

Para a AML, assim para com a AMP, estarão considerados, no PNI 2030, vultuosos investimentos para as áreas da mobilidade e da habitação. Necessário é que estes investimentos, a serem concretizados, não coloquem o investimento público ao serviço de novos mecanismos de intervencionismo do mercado. Importa garantir que ao investimento público corresponda serviço público, prestado por entidades públicas, capaz de garantir ao Estado o desenho e a definição do território, da vida urbana coletiva e social.

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