A presente iniciativa do PCP aponta inequivocamente para a necessidade de se começar a ter uma visão estratégica para o desenvolvimento do território, isto é, uma visão, e depois a consequente prática, que permitam atenuar e mesmo fazer desaparecer no médio/longo prazo, os profundos desequilíbrios existentes entre regiões, particularmente entre as regiões costeiras e o interior, designadamente em termos de desenvolvimento económico e social e de ocupação do território.
Desequilíbrios que pela sua duração no tempo já têm um caráter histórico, mas que tem sido claramente agravados pela política de direita da últimas décadas.
A presente intervenção pretende abordar, mesmo que de forma muito ligeira, uma questão específica da gestão do território, a saber, a interação do mar com a linha da costa a par da ocupação económica dos territórios costeiros.
De recordar desde já dois dados importantes relacionados com esta realidade específica, a saber, os quase mil Km da fronteira marítima de Portugal no Continente europeu, e a forte concentração humana e económica naquilo que poderemos designar por “Portugal oceânico”, em contra-ponto com o desertificado e deprimido “Portugal interior”.
Por razões completamente associadas à Natureza e aos seus fenómenos, sejam entendidos numa perspetiva de muito longo prazo, sejam as relacionadas com algumas alterações mais recentes, a orla costeira na sua margem ocidental continental, tem estado sujeita, aparentemente com maior intensidade nas últimas décadas, a uma ação do mar, por vezes violenta, particularmente no Inverno, no quadro da sua permanente interação com a linha de costa, com consequências por vezes muito significativas, nomeadamente económicas, sociais e urbanísticas.
A esta ação da natureza, acrescem fenómenos de exclusiva responsabilidade humana, que potenciam e agravam os primeiros.
Uns e outros devem ser prevenidos e sempre que possível estancados.
E tais ações de prevenção e gestão, devem ter naturalmente lugar no quadro de políticas de ordenamento e defesa da orla costeira, concebidas e concretizadas sempre em íntima ligação com políticas mais gerais de ordenamento do território.
A gestão deste território fronteira, prenhe de especificidades e de complexidades, designadamente no domínio da geologia e da engenharia, particularmente as associadas aos fenómenos naturais, deve debruçar-se, em íntima ligação orgânica, exatamente sobre essas duas vertentes, a saber:
- a natural, muito complexa e difícil, em que o Homem tem sempre um papel secundário, embora não desprezível;
- a humana, muito mais simples, face às características do tipo de intervenção sobre estes territórios.
A primeira vertente, tem particular mas não exclusivamente a ver com a componente “defesa da orla costeira” das políticas de ordenamento e defesa da orla costeira.
A relação entre o mar e a costa, foi desde sempre profundamente dinâmica, e mesmo já no tempo histórico, pelo menos desde a Alta Idade Média, tem ocorrido avanços e recuos da linha da costa a nível regional ou mesmo local, facto que desde logo determinou o tipo, a intensidade e as características da presença humana.
Recordemos, por exemplo, que os cordões dunares paralelos à costa, que serviram de base à formação da Ria de Aveiro ou da Ria Formosa (de facto uma laguna), não existiam no início da nacionalidade, ou que Peniche era uma ilha, pelo menos até ao século XVII.
Também, no mesmo quadro, o lento mas quase inexorável processo de assoreamento de estuários e rios.
Mais recentemente, fenómenos de sentido inverso, associados a grande erosão costeira, particularmente dos setores mais expostos na Costa Oeste, entre Espinho e a Leirosa, e, mais a Sul, na Costa da Caparica.
Embora o papel determinante caiba à Natureza, o Homem, usando conhecimentos científicos e técnicos, particularmente os adquiridos nas últimas décadas no domínio da engenharia hidráulica e de outras especialidades associadas, pode minorar ou mesmo obstaculizar algumas tendências naturais, através de intervenções dominantemente estratégicas, na linha de costa e mesmo nalguns estuários.
Existem em Portugal estudos de grande qualidade técnica sobre a defesa da linha da costa, alguns dos quais estiveram na base de políticas e programas públicos de ordenamento e defesa da orla costeira.
É o caso do Programa Litoral XXI-Governança e Programa de Ação, de Outubro de 2017, com origem na Agência Portuguesa de Ambiente.
Contudo, à semelhança do que ocorre noutras áreas, os problemas não radicam nos estudos nem nos programas.
O problema é o da sua concretização (ou melhor não concretização), particularmente numa perspetiva integrada e estratégica.
Nos últimos anos, na maior parte das vezes, o que tem ocorrido são intervenções avulsas e portanto inconsequentes, e que acabam por ser sumidouros de dinheiros públicos sem consequências relevantes e duradouras.
Mesmo o Programa Nacional de Investimentos 2030, na sua seção “Proteção do Litoral”, que tem uma dotação financeira muito interessante, designadamente para a componente “Proteção Costeira em Zonas de Risco”, mas que, ao prosseguir a discutível tese da “manutenção da linha de costa”, mesmo a ser realizada, pode comprometer uma intervenção realista e duradoura.
É por razões deste tipo, que o Partido, no seu Programa Eleitoral para as legislativas de 2015, avançou com a proposta de um “Programa Estratégico de Defesa da Orla Costeira”, isto é, um programa que dê integração e coerência estratégica aos investimentos realizados.
Entre outras coisas, tal significa uma intervenção com medidas criteriosamente selecionadas, de forte intensidade, e concretizadas num período de tempo muito curto, por forma a dar uma duradoura eficiência aos investimentos realizados.
Por outro lado, a componente políticas de ordenamento da orla costeira, dominantemente relacionadas com a atividade económica, com dominância para as atividades imobiliárias, a hotelaria e restauração, as pescas e a indústria de construção e reparação naval de pequeno porte e outras atividades a montante, localizadas em terra.
Somente como nota de curiosidade, o facto da conta satélite do INE sobre economia do mar, referir que o peso desta no PIB, ser em Portugal superior ao da França.
E o mistério prende-se, não com a existência de atividades marítimas propriamente ditas, a um nível relevante, antes pelo contrário, mas com o enorme peso da restauração e hotelaria situada junto ao mar.
Nesta nossa curta intervenção, recordaremos somente os efeitos nefastos, de todos conhecidos, filhos do poder económico e da sua promiscuidade com o poder político, e que conduziram ao desordenamento de muitas regiões de fronteira.
Duas atividades têm tido um papel dominante sobre a instabilidade adicional da linha da costa, agravando, por vezes criticamente, os efeitos da erosão natural provocada pelo mar, a que se adicionam os efeitos do Sol, da chuva e do vento, particularmente sobre arribas, na maior parte das vezes muito instáveis, porque constituídas por rochas frágeis e pouco coesas, como o são as de origem sedimentar.
E desde logo algum imobiliário, ilegal ou legal, mas sempre desordenado e seguramente sempre inadequado no quadro de uma verdadeira defesa da orla marítima.
E é também, a situação de muitos hotéis implantados em zonas inapropriadas,e, em muito menor escala, alguma restauração.
Como noutras situações, tem havido forte responsabilidade da Administração Central, mas também de algumas autarquias, na facilidade com que licenciam tais construções, em zonas que deveriam ser completamente interditas.
Evidentemente que muitos exemplos positivos e até relativamente baratos de intervenção, estão a ter lugar de Norte a Sul do país, designadamente na proteção de dunas primárias, seja pela construção de passadiços aéreos em madeira, seja pela instalação de dispositivos simples de retenção das areias, seja pela plantação de cobertos vegetais.
Neste breve enfoque sobre as políticas de ordenamento e defesa da orla costeira, é absolutamente imperativo recordar a necessidade de defesa e fortalecimento, sempre que necessário por via de apoios públicos, de duas atividades completamente esquecidas pelas sucessivas Estratégias para o Mar, e, em linha com estas, pelo Ministério do Mar.
Trata-se, como calcularão, das antiquíssimas mas não antiquadas, atividade piscatória, no caso em apreço a pequena pesca artesanal e de proximidade e a pequena construção e reparação naval.
A manutenção e proteção destas atividades e da comunidades humanas que as suportam são inequivocamente parte integrante de uma política de ordenamento e defesa da orla costeira.
Uma nota final: o escopo da presente intervenção corresponde a uma área ainda pouco amadurecida no Partido, pelo que temos a obrigação de prosseguir com o seu aprofundamento.