Projecto de Lei N.º 1023/XIII

Lei de Bases da Habitação

Exposição de Motivos

A Habitação constitui a resposta à satisfação de uma das principais necessidades básicas dos seres humanos, de forma muito simplificada a necessidade de proteção face aos elementos e aos fatores do clima, necessidade que tem vindo a ser historicamente respondida pelas sociedades desde há milhares de anos, embora naturalmente de formas construtiva, social e espacialmente muito diversas e desiguais ao longo do tempo.

Na resposta a tal necessidade, em cada circunstância histórica, no quadro de economias e desenvolvimentos técnicos muito diferenciados, estiveram sempre presentes, sejam as últimas aquisições técnicas de cada época relativamente ao projeto e às técnicas arquitetónico-construtivas, designadamente no que aos materiais naturais concerne, sejam as diferentes classes em presença e a sua capacidade económica e financeira.

O fim último do bem habitação, que é o de responder à uma necessidade básica, transforma esta num bem muito singular, num bem objetivamente marcado pelo seu destino-objetivo dominantemente social, embora o condicionamento decorrente da sua vertente económica não deva ser desvalorizado.

Destas características, decorrem desde logo dois importantes aspetos. O primeiro, é que a moldura jurídica que deverá determinar as condições do uso da habitação no quadro do mercado e da propriedade privada do bem habitação, ou seja, no fundamental a legislação sobre arrendamento habitacional, deverá necessariamente de ter sempre em atenção tal caráter singular e constrangido. O segundo aspeto, decorrente também desse mesmo caráter, é que o Estado deverá ter sempre um papel único e determinante na resolução da questão habitação.

Terá no entendimento pleno destes factos e destas circunstâncias, que os constituintes de 1976 classificaram o direito à habitação, como um direito fundamental com a dignidade de um direito constitucional.

O Projeto de Lei de Bases da Habitação que o PCP apresenta, pretende constituir uma resposta para os graves, e mesmo nalgumas situações muito graves, problemas de Habitação, que se mantêm no país. A realidade é que, quase três décadas de um fortíssimo investimento na construção de habitação dirigida à aquisição de casa própria e consequente endividamento das famílias junto da banca, embora com variações conjunturais por vezes profundas, persiste em Portugal um problema da habitação, uma questão da habitação.

Esta aparente contradição, este aparente paradoxo, entre a continuação de um problema e a existência de condições para o resolver, radica, no fundamental, em duas tendências organicamente interligadas, como que as duas faces da mesma moeda, a saber, por um lado, a completa demissão do Estado português, ao longo de décadas, relativamente à criação de condições que possibilitassem o cumprimento do preceito constitucional, e, por outro lado, o diversificado e profundo apoio, seja por ação, seja por omissão, que o mesmo Estado vem dando aos diversos atores privados ligados ao imobiliário e à habitação.

A intervenção do Estado criou as condições para que, durante quase três décadas, as diversas vertentes do imobiliário, particularmente o relacionado com habitação, conduzissem a uma brutal sobreprodução de habitação para venda. Quadro este substituído, agora, ainda que com características naturalmente diferentes, por processos de revitalização urbana, centrados na reversão do arrendamento e conducentes à expulsão de milhares de famílias e de micro e pequenas empresas dos centros das grandes cidades.

Os processos em curso são, na generalidade, conduzidos por investidores, que pelo seu poder financeiro e pela escala em que intervêm, comandam completamente o mercado da habitação, particularmente na perspetiva dos preços e na vertente crítica que é a do arrendamento. Como é óbvio os objetivos destes investidores não são compatíveis com uma política de disponibilização de habitação para a larga maioria da população. Só a intervenção do Estado, condicionando e promovendo, a oferta de habitação, em termos de uso e de valor pode cumprir o preceito constitucional.

A intervenção do Estado deve ser determinante ao nível das políticas de solos, de edificabilidade, de regeneração urbana e de arrendamento.

Ao nível dos solos, é objetivo estratégico contrariar a especulação imobiliária e dar utilização e gestão pública às mais-valias decorrentes quer de intervenções sobre transformação de uso dos solos quer de planos de densificação e, ou, alteração qualitativa de uso do edificado.

Ao nível da reabilitação urbana, é necessário rentabilizar as políticas e os fundos públicos existentes, garantindo-lhes um papel determinante nas políticas públicas de reabilitação.

Ao nível do arrendamento, é necessária a mobilização do património habitacional público, para programas de renda apoiada ou de renda condicionada. E é essencial relançar programas quer de renda apoiada quer de renda condicionada, podendo estes derivar para situações de propriedade resolúvel.

Ao nível do combate à especulação, importa penalizar, indo até processos de declaração de posse administrativa ou mesmo de expropriação, em situações de catástrofes naturais, aqueles que mantêm habitações injustificadamente devolutas.

Para o desenvolvimento destas vertentes da intervenção do Estado é necessária uma vontade forte da Administração Central que, através de Instituto Público Central, defina e assuma políticas públicas de âmbito, responsabilidade e direção nacional. A insistência em passar estas responsabilidades para a Administração Local só conduzirá a uma desresponsabilização do Estado e ao incumprimento do caráter universal daquele que é um imperativo constitucional.

Todas estas políticas exigem um Estado interveniente como promotor imobiliário. Exigem um Estado que se assuma como promotor e como proprietário, em todos os níveis da criação de solo urbano, da edificação e da reabilitação do edificado. E, logicamente, também do arrendamento.

É neste sentido, de garantir o necessário papel de promoção pública de políticas de solos, de reabilitação urbana e de habitação destinada a largos setores da população, que o PCP propõe que a criação de uma Lei de Bases da Habitação, capaz de conduzir ao cumprimento do imperativo constitucional que coloca, como incumbência do Estado, garantir, a todos os cidadãos, uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Capítulo I

Disposições Gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece as bases do direito a uma habitação, consagrado no artigo 65.º da Constituição da República, privilegiando a função social da habitação e o papel do Estado na garantia desse direito para todos os cidadãos.

Artigo 2.º

Âmbito

  1. A presente lei aplica-se a todo o território nacional estabelecendo os mecanismos adequados para que todos efetivem o direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
  2. Ao Estado incumbe definir programas e instrumentos operativos de promoção pública de solo urbanizado, de áreas de reabilitação urbana e de reabilitação do edificado e, ainda, de construção de habitação, sempre que o número de fogos a reabilitar não responda ao número de carências habitacionais a suprir.
  3. Sem prejuízo da responsabilidade constitucional cometida ao Estado, carência de habitação mobiliza quer o setor público quer misericórdias, instituições de solidariedade, cooperativas e outros promotores privados a quem interesse a promoção de habitação destinada aos regimes de renda apoiada ou de renda condicionada.
  4. Todas as entidades podem participar com terrenos para construção, ou edificado ainda que degradado ou necessitado de restauro ou remodelação.
  5. A participação prevista no número anterior é regulada por lei própria, quanto aos requisitos de candidaturas, tipo de carência, regime de atribuição, tipo de arrendamento, cálculo da renda e prazo de duração.
  6. A promoção de habitação é uma atividade específica de criação de riqueza e de emprego associada à instalação e desenvolvimento de fatores económicos que a sustentem.

Artigo 3.º

Definições

Para efeitos da presente lei entende-se por:

  1. Associações de Condomínios, as pessoas coletivas constituídas nos termos dos artigos 157.º a 184.º do Código Civil;
  2. Associações de Inquilinos, as pessoas coletivas constituídas nos termos dos artigos 157.º a 184.º do Código Civil;
  3. Associações de Moradores, as pessoas coletivas constituídas nos termos dos artigos 157.º a 184.º do Código Civil e legislação aplicável, sem fins lucrativos e de livre acesso a todos os moradores, proprietários ou não, da unidade urbanística ou administrativa definida como território de abrangência, podendo ter competências delegadas, pelo Estado ou pelas autarquias locais, na gestão do território comum desde que com a respetiva transferência de verba;
  4. Associações de Proprietários, as pessoas coletivas constituídas nos termos dos artigos 157.º a 184.º do Código Civil;
  5. Autoacabamento, a modalidade de promoção habitacional em que o titular da habitação é responsável pela conclusão da obra, respeitando o respetivo projeto e dentro do prazo indicado na licença provisória de utilização;
  6. Autoconstrução, a modalidade de promoção habitacional, no geral unifamiliar, em que é utilizada maioritariamente a mão-de-obra dos proprietários;
  7. Casas de renda acessível, o instrumento de arrendamento onde a renda seja limitada a 20% do valor mediano do mercado e o esforço dos inquilinos não pode ultrapassar 35% dos rendimentos do agregado familiar;
  8. Casas de renda limitada, o programa de construção privada de habitações de renda pré-estabelecida;
  9. Comissões de Moradores os grupos informais de moradores, criados nos termos dos artigos 263.º a 265.º da Constituição da República e que se regem pelos artigos 195.º a 201.º do Código Civil;
  10. Condomínios, as pessoas coletivas constituídas nos termos dos artigos 1420º a 1438º do Código Civil;
  11. Cooperativas de moradores, as pessoas coletivas que se regem pelo Código Cooperativo e legislação aplicável;
  12. Fundos Comunitários (Community Land Trust), o modelo de desenvolvimento liderado pela comunidade, onde organizações locais desenvolvem e gerenciam residências e outros bens importantes para suas comunidades;
  13. Habitação colaborativa (Cohousing), a solução habitacional coletiva onde o arranjo espacial permite utilização e gestão comum dos espaços comuns, entendidos como complementares das áreas habitacionais privadas;
  14. Habitat, a localização adequada para o desenvolvimento e a vida de um ser vivo;
  15. Morada postal, a localização completa de um destinatário de correio; 
  16. Renda apoiada, o regime de arrendamento onde é fixado o valor da renda através da aplicação de uma taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar, com limites mínimo e máximo;
  17. Renda condicionada, o valor da renda é fixado tendo em atenção fatores objetivos, tais como: área, preço por m2, estado de conservação, vetustez, valor do fogo. O valor do terreno é calculado através de uma percentagem do custo de construção, impedindo a especulação no custo do solo. Permite a atualização anual segundo coeficiente publicado pelo INE;
  18. Renda livre, o valor da renda resulta da livre negociação das partes;
  19. Renda resolúvel, mecanismo que corresponde a uma forma de aquisição da propriedade mediante o pagamento de uma renda durante o prazo contratado.

Capítulo II

Princípios Gerais e Direitos fundamentais

Artigo 4.º

Princípios gerais

São princípios fundamentais da política de habitação:

  1. O primado do papel do Estado na promoção de habitação;
  2. A prioridade de utilização do património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento;
  3. A utilização prioritária do parque habitacional devoluto, seja público ou privado.

Artigo 5.º

Direitos fundamentais

  1. O acesso à habitação constitui um direito dos cidadãos, independentemente da sua condição económica ou social, que se efetiva pela responsabilidade do Estado nos termos da Constituição e da lei.
  2. Incumbe ao Estado estabelecer a criação de um sistema de acesso à habitação com renda compatível com o rendimento familiar.
  3. As políticas de habitação respeitam os princípios da universalidade, da coesão territorial, da utilização eficiente do solo, da inclusão social, da eficácia económica e da proteção ambiental.
  4. O Estado apoia o uso efetivo dos recursos públicos para a habitação economicamente acessível e sustentável, incluindo terrenos em áreas centrais e consolidadas das cidades com infraestruturas adequadas, e o desenvolvimento de empreendimentos destinados a pessoas com diversos tipos de rendimentos para promover a inclusão e a coesão social.
  5. As políticas de habitação promovem abordagens integradas e locais de habitação, estabelecendo a relação com as temáticas do emprego, do urbanismo e dos transportes, da saúde, da educação e ação social, prevenção da exclusão e da segregação.

Artigo 6.º

Função Social da Habitação

  1. O proprietário de um prédio urbano ou de fração autónoma para fim habitacional deve assegurar a função social do seu património dando de arrendamento para habitação os fogos que já haviam sido arrendados ou que foram construídos ou destinados a esse fim.
  2. Sem prejuízo do direito à propriedade e à sua fruição, os titulares de imóveis ou frações autónomas para habitação que sejam detidos por entidades públicas ou privadas devem participar na prossecução do objetivo nacional de garantir a todos o direito a uma habitação condigna e de dimensão adequada.
  3. O proprietário de prédio ou fração autónoma para habitação devoluto, abandonado ou em degradação sem motivo justificado, incorre em sanções definidas por lei e fica sujeito a posse administrativa pelo Estado, regiões autónomas ou autarquias locais, com vista ao efetivo uso.

Artigo 7.º

Acesso a serviços públicos essenciais

O direito à habitação implica o acesso a serviços públicos essenciais, nos termos definidos na legislação em vigor.

Capítulo III

Gestão e Administração da habitação

Artigo 8.º

Gestão da habitação

  1. A gestão e garantia do direito à habitação é atribuição inalienável do Estado e é exercida através da administração pública no que respeita designadamente:
    1. Ao planeamento, administração, licenciamento e fiscalização do uso da habitação;
    2. Ao ordenamento da utilização pública e privada da habitação;
    3. À promoção e disponibilização de habitação, sempre que se registem situações de carência habitacional, não resolúveis no quadro da habitação existente;
    4. À construção de habitação nova que é limitada às estritas situações de total inexistência de habitações devolutas e mobilizáveis, carecendo ou não de reabilitação.
  2. A gestão prevista no número anterior é prosseguida através do desenvolvimento de políticas, instrumentos e financiamentos que promovam o acesso a diferentes opções habitacionais economicamente acessíveis e sustentáveis, incluindo:
    1. Regimes de arrendamento e outras opções de propriedade;
    2. Apoio a soluções cooperativas, à coabitação, à constituição de fundos comunitários, a soluções de habitação colaborativa, a concessões do direito real de utilização para habitação e outras formas de propriedade coletiva, partilhada ou comum;
    3. Apoio a programas de autoconstrução e de autoacabamento, designadamente programas de urbanização e requalificação de núcleos de alojamentos precários.
  3. Os tipos e instrumentos de gestão referidos no número anterior devem:
    1. Fornecer alojamento digno e adequado;
    2. Privilegiar as necessidades de evolução dos agregados familiares e das comunidades;
    3. Evitar a segregação, os despejos arbitrários ou forçados e as deslocações;
    4. Requalificar núcleos de alojamento precário.

Artigo 9.º

Administração

  1. A resposta à carência de habitação deve compatibilizar-se com o estabelecido nos planos territoriais municipais e com as características de cada município e das necessidades habitacionais tendo em atenção as ofertas pública e privada existentes.
  2. A administração institucional e os atos administrativos têm em conta os seguintes aspetos:
    1. A variabilidade da densidade populacional e das necessidades habitacionais, consoante o tipo de habitação;
    2. A defesa da qualidade do desenho urbano, da arquitetura e da construção;
    3. Um processo de licenciamento integrado considerando os usos habitacionais, o tecido social e demográfico e os instrumentos de gestão territorial aplicáveis;
    4. A obrigatoriedade de definição e regulamentação dos procedimentos administrativos e articulação de atribuições e competências das entidades com jurisdição relacionada com a ocupação do solo ou ordenamento do território;
    5. A informação e participação dos cidadãos no planeamento, na administração, na avaliação de projetos e na elaboração de legislação sobre a habitação;
    6. A responsabilização dos proprietários por efeitos decorrentes da função social da habitação.

Artigo 10.º

Princípio da proporcionalidade

  1. As opções sobre o acesso e uso da habitação respeitam a hierarquia de utilizações segundo a maior necessidade e o princípio da proporcionalidade:
    1. Na distribuição do uso da habitação;
    2. Na garantia de que as decisões sobre a habitação são do interesse comum;
    3. Na reserva de quotas por escalões de rendimento.
  2. Os órgãos de consulta e os processos de participação devem abranger todos os cidadãos.

Artigo 11.º

Direito à habitação e à produção social do habitat

  1. A concretização do direito à habitação respeita o direito a um nível de vida adequado, viabilizando a participação e o envolvimento de comunidades e atores relevantes no planeamento e na implementação destas políticas, incluindo apoiar a produção social do habitat.
  2. O Estado desenvolve políticas habitacionais transversais e integradas para todos os cidadãos em ligação aos setores do emprego, educação, saúde e integração social.
  3. O Estado garante o direito de todos a uma habitação adequada, económica e fisicamente acessível, eficiente, segura, resiliente, com especial atenção ao fator proximidade e ao reforço das relações espaciais em relação ao tecido urbano e às áreas funcionais adjacentes.
  4. O Estado estimula a oferta de variadas opções de habitação adequada que sejam seguras, económicas e fisicamente acessíveis a membros com diferentes níveis de rendimento, tendo em consideração a integração socioeconómica e cultural de comunidades marginalizadas, sem-abrigo, e os que se encontrem em situações vulneráveis, prevenindo a segregação.
  5. O Estado garante planos e medidas positivas para melhorar as condições de vida dos sem-abrigo tendo em vista facilitar a sua plena participação na sociedade, e para prevenir e eliminar a condição de sem-abrigo.
  6. O Estado e os municípios, no quadro das respetivas competências no domínio do ordenamento do território e do desenvolvimento urbano, promovem o acesso equitativo e viável às infraestruturas físicas e sociais básicas e sustentáveis, sem discriminação, incluindo solo urbanizado, habitação, energia moderna e renovável, água potável e saneamento, segurança, alimentação nutritiva e adequada, eliminação de resíduos, mobilidade sustentável, serviços de saúde e planeamento familiar, educação, cultura e tecnologias de informação e comunicação.
  7. O Estado e os municípios asseguram que as soluções de efetivação dos serviços referidos no número anterior salvaguardam uma adequada resposta aos direitos e necessidades das mulheres, crianças e jovens, idosos e pessoas com deficiência, migrantes, comunidades locais, quando aplicável, e outros em situações de vulnerabilidade.
  8. O Estado e os municípios promovem medidas adequadas, em cidades e aglomerados urbanos que facilitem o acesso, em situação de igualdade para a universalidade dos cidadãos, ao ambiente físico das cidades, em particular a espaços públicos, transporte público, habitação, educação e saúde, a informação e comunicação públicas, incluindo tecnologias e sistemas de informação e comunicação, e a outras instalações e serviços abertos ou prestados para o público, tanto em áreas urbanas como rurais.

Artigo 12.º

Determinação dos usos

  1. Os municípios, através dos Instrumentos de Gestão do Território de âmbito municipal e demais instrumentos de política autárquica, determinam os usos do património edificado, garantindo percentagens mínimas de construção imobiliária habitacional para uso exclusivo como habitação permanente.
  2. Os municípios devem estabelecer quotas destinadas à ocupação obrigatória, em regime de arrendamento, em habitações em propriedade horizontal de agregados familiares com rendimento mensal inferior a duas vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais.
  3. Os municípios podem, nos termos de legislação específica, estabelecer quotas inclusive por freguesia, localidade ou bairro, para alojamento local.

Artigo 13.º

Direito à compensação

Todo aquele que for despejado, deslocado ou lesado por motivo de expropriação, não sendo proprietário, e resulte daí alteração do fim do locado para habitação, tem o direito de ser compensado pelos prejuízos diretos e indiretos causados, sem prejuízo da indemnização prevista no Código das Expropriações.

Artigo 14.º

Direito de participação

  1. Todos têm direito a ser consultados e a sua participação ser tida em conta, nas decisões sobre políticas, programas, projetos, medidas e legislação sobre a habitação.
  2. A participação e a informação devem ser acessíveis em todo o território nacional, designadamente ao nível dos municípios e das freguesias, não podendo ser exclusiva, nem limitada por critérios de acesso a tecnologias ou pelo grau de alfabetização.

Artigo 15.º

Direito de associação

  1. Todos têm o direito de constituir associações nos termos da lei, com vista à constituição de:
    1. Associações de Inquilinos;
    2. Associações de Proprietários;
    3. Condomínios;
    4. Associações de Condomínios;
    5. Associações de Moradores;
    6. Cooperativas de Moradores;
    7. Comissões de Moradores.
  2. Associações de Inquilinos são pessoas coletivas legalmente constituídas, com personalidade jurídica, sem fins lucrativos, nos termos do previsto no Código Civil.
  3. Associações de Proprietários são pessoas coletivas legalmente constituídas, com personalidade jurídica, sem fins lucrativos, nos termos do previsto no Código Civil.
  4. Condomínios são pessoas coletivas com personalidade jurídica de formação obrigatória, nos termos previstos no Código Civil e demais legislação aplicável, incluindo todos os proprietários titulares de frações autónomas constituídas em propriedade horizontal sempre que haja espaços comuns de carácter privado.
  5. Associações de Condomínios são pessoas coletivas legalmente constituídas, com personalidade jurídica, sem fins lucrativos, nos termos previstos no Código Civil.
  6. Associações de Moradores, são pessoas coletivas com personalidade jurídica, nos termos previstos no Código Civil, sem fins lucrativos e de livre acesso a todos os moradores, proprietários ou não, da unidade urbanística ou administrativa definida como território de abrangência, podendo ter competências delegadas, pelo Estado ou pelas autarquias locais, na gestão do território comum desde que com a respetiva transferência de verba.
  7. Cooperativas de Moradores, são pessoas coletivas com personalidade jurídica, que se regem pelo Código Cooperativo e demais legislação aplicável, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações de habitação permanente dos seus cooperantes.
  8. Comissões de Moradores são grupos informais de moradores sem personalidade jurídica, nos termos do previsto no Código Civil e demais legislação aplicável.
  9. Sempre que as Associações de Moradores o definam no seu estatuto, proprietários não residentes podem associar-se.

Artigo 16.º

Direito à Autoconstrução e ao Autoacabamento

  1. Nos termos da Constituição e da lei, ao Estado, às regiões autónomas e às autarquias locais, incumbe incentivar e apoiar processos de autoconstrução, devidamente considerados em instrumentos de gestão do território.
  2. Nos termos do número anterior devem ser perspetivados programas locais de autoacabamento de habitações.
  3. O apoio previsto no número anterior pode ser realizado por intermédio de programas de financiamento próprio, de cariz nacional, regional ou local, a associações ou cooperativas que o tenham no seu objeto social.
  4. Ao Estado compete prestar apoio técnico ou disponibilizar as condições para que gabinetes técnicos locais sem fins lucrativos se constituam, e apoiar iniciativas de autoconstrução individuais ou coletivas.

Artigo 17.º

Direito à formação de Cooperativas e de Cooperativas de Moradores

  1. O Estado, nos termos da Constituição, promove a criação de cooperativas de habitação e de moradores como parte integrante das políticas de habitação.
  2. As cooperativas de habitação ou de moradores podem assegurar, através de acordos de cooperação ou de contratos de concessão do domínio público estabelecidos com as autarquias, a manutenção das condições de habitabilidade dos seus edifícios bem como de toda a área envolvente da qual sejam responsáveis, incluindo equipamentos coletivos por si construídos.
  3. Às autarquias locais compete a inclusão das cooperativas de habitação e de moradores na decisão sobre a sua política de habitação.
  4. Compete às autarquias locais a promoção da participação das cooperativas de habitação e de moradores, nomeadamente, na cedência de terrenos com vista à autoconstrução, ou reabilitação do edificado, em conformidade com os planos urbanísticos.
  5. As cooperativas que tenham por objeto a construção ou reabilitação de fogos beneficiam de medidas positivas em sede de regime tributário, podendo ter apoios específicos a determinar pelo Estado e pelas autarquias locais.

Artigo 18.º

Direito de preferência

  1. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais têm o direito de preferência na compra e venda ou dação em operações de venda, dação em pagamento ou de transferência da propriedade.
  2. Caso as entidades referidas no número anterior não pretendam exercer o direito de preferência, o mesmo é concedido ao usufrutuário, morador permanente ou inquilino, em operações de venda ou transferência comercial da propriedade.
  3. O proprietário comunica ao eventual interessado a sua intenção de venda, o preço, a forma de pagamento, data da escritura, e demais elementos essenciais.
  4. O direito de preferência em edifícios de uso habitacional ou misto, no caso das entidades referidas no n.º 1, deverá ser exercido pelo valor patrimonial tributário do prédio constante da respetiva caderneta predial.
  5. O prazo para exercício do direito de preferência não poderá ser inferior a 30 dias para as entidades referidas no n.º 1, e de 90 dias para as entidades referidas no n.º 2.
  6. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo, sob pena de caducidade.
  7. No caso de edifício em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, o direito de preferência pode ser invocado pelo arrendatário relativamente ao locado arrendado.

Artigo 19.º

Direito à morada

  1. O Estado garante, a todos os cidadãos, o direito a uma morada postal.
  2. As autarquias locais garantem a identificação toponímica de todas as habitações existentes na sua área.
  3. As organizações de moradores têm o direito de participar no processo de nomeação e identificação toponímica dos respetivos bairros ou zonas de intervenção.
  4. Desde que obtida a autorização do locado, as pessoas sem-abrigo têm o direito de indicar como morada postal um local de sua escolha, ainda que nele não pernoitem.

Artigo 20.º

Direito ao lugar

O Estado garante que todos os cidadãos possam exercer o direito de escolha sobre o lugar de residência, respeitando as suas necessidades e preferências, dentro do que são os condicionamentos urbanísticos, seja em contextos de realojamento promovido por entidades públicas ou de entidades privadas, da seguinte forma:

  1. Sempre que o realojamento é feito por entidades públicas, ficam as respetivas entidades obrigadas à auscultação dos agregados, assegurando o livre exercício do direito de escolha do lugar de residência, o que inclui, sempre que possível e desejado pelos próprios, que o realojamento seja feito nas imediações do lugar onde anteriormente residiam;
  2. Quando o realojamento é feito por entidades privadas, determinado por imperativo legal, o exercício do direito ao lugar é garantido com a permanência dos arrendatários ou cessionários de habitações na proximidade do lugar onde anteriormente residiam.

Artigo 21.º

Defesa dos interesses e direitos dos cidadãos

O Estado assegura a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos em relação à habitação, incluindo a defesa de interesses comuns e interesses difusos, através de processo judicial acessível, célere, simplificado e gratuito, em termos a regulamentar por diploma próprio.

Artigo 22.º

Direito à proteção e acompanhamento no despejo

  1. Os cidadãos gozam de proteção contra o despejo quando esteja em causa a sua habitação permanente.
  2. Considera-se que o despejo é forçado quando a privação da habitação habitual e permanente é devida a uma situação de insolvência ou insuficiência económica do indivíduo ou agregado familiar nela residente, ou ao facto de se tratar de uma habitação precária.
  3. Não pode ser promovido o despejo ou a demolição de habitação, ainda que a título precário, de agregados familiares vulneráveis sem que esteja garantido o alojamento.
  4. O despejo de primeira habitação de agregados a residir há mais de 1 ano de forma permanente no locado não se pode realizar entre outubro e abril nem, durante todo o ano, no período noturno, entre as 19 horas e as 9 horas, salvo em caso de emergência que ponha em risco a integridade física dos habitantes.
  5. Em situação de emergência que ponha em risco a vida ou a integridade física, as entidades públicas deverão prover ao realojamento desses agregados familiares, ainda que transitório e até que esteja garantido o realojamento definitivo.
  6. As entidades públicas não podem promover o despejo forçado ou a demolição de habitações precárias, desde que não exista uma situação de emergência que possa colocar em risco a integridade física dos habitantes, sem que antes tenha garantido soluções alternativas de alojamento.
  7. A ocupação de habitações públicas está sujeita a um processo previamente estabelecido, não caducando, por esse facto, os demais direitos que assistem todos os cidadãos.
  8. No âmbito do direito à proteção e acompanhamento no despejo são garantidas:
    1. A impenhorabilidade da casa de primeira habitação para satisfação de créditos fiscais ou contributivos, nos termos da lei;
    2. A extinção do empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente com a entrega da fração ou edifício.
  9. No âmbito do direito à proteção e acompanhamento no despejo, incumbe ao Estado:
    1. A obrigação de apresentar alternativa de habitação, com antecedência mínima de 90 dias sobre a data do despejo;
    2. A disponibilização de meios de ação e apoio legais necessários para o recurso aos tribunais;
    3. A constituição de serviços públicos de apoio e acompanhamento dos despejos, incumbindo-lhes a receção das comunicações das entidades promotoras do despejo, quer das situações de despejo forçado, quer a procura de soluções de realojamento ou de apoio de outra ordem, de forma a impedir a constituição da condição de sem abrigo;
    4. A proteção legal dos arrendatários com 65 ou mais anos de idade, com deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60% e de famílias monoparentais, garantindo a reocupação do locado após obras de remodelação ou restauro profundos, ou, no caso de impossibilidade, o realojamento em condições análogas às detidas anteriormente quer quanto ao lugar, quer quanto ao valor da renda e encargos.

Capítulo IV

Política Pública de Solos

Artigo 23.º

Política pública de solos

  1. O Estado promove uma política pública de solos que reforce a defesa e seja garante da função e suficiência do solo no presente e para as gerações vindouras.
  2. A inutilização da função natural do solo ou a sua transformação para a função de solo urbano assenta numa ponderação que assume a garantia de que o solo, enquanto bem de fruição finita, assegura a sustentabilidade presente e futura em toda a sua biodiversidade.

Artigo 24.º

Objetivos da política pública de solos

Constituem objetivos da política pública de solo:

  1. Limitar a expansão urbana através da definição de índices de ponderação, a definir bianualmente, pela Assembleia da República, atendendo a características, necessidades e especificidades locais, tendo em conta as necessidades de solo para as diversas atividades e fixando os limites mínimos de edificabilidade para construção de custos controlados;
  2. Garantir o direito constitucional à propriedade e, nos casos de não aproveitamento do solo pelo proprietário, a definição de formas de organização coletiva de uso e exploração, nos termos da legislação de direito de superfície, nos casos de utilização urbana;
  3. Garantir o respeito por todas a servidões e restrições de utilidade pública;
  4. Garantir a obrigação de reposição do solo no estado anterior ao do uso ilegal, sempre que este se haja verificado;
  5. Implementar a criação de áreas de prioridade para a execução de operações urbanísticas e de edificação sustentadas em procedimentos de planeamento e a expropriação, sempre para promoção de custos controlados, quando, nestas situações, se verificar o absentismo por parte do proprietário;
  6. Criar o conceito de créditos de edificabilidade, ligados à gestão de Unidades de Execução e com base em parâmetros urbanísticos definidos para o conjunto da Unidade, independentemente de se tratar ou não de zona de edificação;
  7. Intervir de forma que a desafetação de solo do domínio público e a sua integração no comércio jurídico só possa efetivar-se quando previsto por lei;
  8. Regular a repartição dos benefícios e encargos dos processos de edificação e de urbanização necessários à resolução das carências habitacionais e estabelecer os critérios de parametrização e de distribuição das mais-valias fundiárias.

Capítulo V

Política Pública de Reabilitação Urbana

Artigo 25.º

Política de habitação e política de regeneração urbana

  1. A política de habitação garante a articulação com os processos de reabilitação do edificado, particularmente no âmbito da implementação das operações de reabilitação urbana.
  2. Os instrumentos de planeamento e programação das operações de reabilitação urbana, sejam simples ou sistemáticas, inscrevem, sempre que adequado, objetivos específicos no domínio da promoção da habitação, designadamente, de acesso à habitação condigna para os regimes de renda apoiada ou de renda condicionada.

Capítulo VI

Regimes de Arrendamento

Artigo 26.º

Arrendamento

  1. O Estado promove uma política pública de arrendamento para habitação, de modo a suprir as necessidades habitacionais das pessoas e dos agregados familiares.
  2. A política pública do Estado, regiões autónomas, autarquias locais, organismos autónomos, institutos públicos, instituições de previdência ou misericórdias determina o apoio aos promotores públicos, cooperativas ou outros privados, para a promoção de habitação destinada aos regimes de renda apoiada ou de renda condicionada, através de:
    1. Empréstimos a juros bonificados;
    2. Cedência de terrenos ou de edifícios devolutos, abandonados ou degradados;
    3. Expropriações de áreas para fins coletivos, sejam a criação de infraestruturas, equipamentos ou áreas de verde;
    4. Isenções ou reduções de taxas para licenças de construção e de habitação, a serem definidas em regulamentos municipais;
    5. Benefícios fiscais a conceder em sede do respetivo regime.

Artigo 27.º

Regimes de Arrendamento

  1. O Estado estabelece regimes jurídicos de arrendamento e determinação de renda, fixa especialidades ou limitações de direitos e obrigações, condições de candidatura, estabilidade e manutenção no locado e os limites máximos da renda.
  2. O acesso ao arrendamento é garantido através dos seguintes regimes:
    1. Renda Apoiada: fixação do valor da renda através da aplicação de uma taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar, com limites mínimo e máximo;
    2. Renda Condicionada: fixação do valor da renda tendo em atenção fatores objetivos não determinados pelo mercado;
    3. Renda Resolúvel: forma de aquisição da propriedade mediante o pagamento de uma renda durante o prazo contratado;
    4. Renda Livre: valor da renda resultante da livre negociação das partes.

Artigo 28.º

Regime Jurídico do Arrendamento

1- Nos termos do artigo anterior o Governo apresenta à Assembleia da República, nos 90 dias após a publicação da presente Lei, proposta de lei do Regime Jurídico do Arrendamento.

2- O Regime Jurídico do Arrendamento incluirá, nos termos dos regimes definidos no n.º 3 do artigo anterior, os diversos instrumentos de apoio ao arrendamento existentes, designadamente, casas de renda limitada e casas de renda acessível.

Capítulo VII

Políticas públicas de habitação

Artigo 29.º

Intervenção do Estado

A intervenção do Estado é prosseguida em colaboração entre a Administração Central, as regiões autónomas, as regiões administrativas a criar, os municípios e as freguesias.

Artigo 30.º

Papel do Estado

  1. O Estado assume o desenvolvimento de políticas públicas de habitação.
  2. O Governo determina o organismo vocacionado para a gestão de um parque habitacional destinado a intervir no mercado de arrendamento, enquanto promotor imobiliário.

Artigo 31.º

Intervenção no mercado de arrendamento

  1. A intervenção do Estado no mercado de arrendamento, ocorre nos regimes de renda apoiada e de renda condicionada, a partir do atual património habitacional público, podendo ser alargado por incorporação de património privado nos termos a definir por lei.
  2. O parque habitacional do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais é considerado inalienável.
  3. Excetuam-se ao número anterior as habitações de património disperso ou situadas em condomínio de propriedade horizontal em que o Estado é apenas um dos proprietários.
  4. Nas habitações que venham a ser atribuídas no regime de renda resolúvel a propriedade a transferir para os arrendatários sê-lo-á sempre no regime de cedência de superfície.

Artigo 32.º

Administração Central

  1. O Governo, quaisquer que sejam as condições históricas, económicas e sociais, assume a intervenção na definição e desenvolvimento da política de habitação.
  2. A intervenção do Governo integra necessariamente as componentes estratégica e operativa.

Artigo 33.º

Regiões Autónomas

Na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira, a política de habitação obedece aos princípios estabelecidos pela Constituição da República e pela presente lei, bem como pela demais legislação aplicável no respeito pela autonomia regional, sendo definida e executada pelos seus órgãos de governo próprio e sujeita à aprovação das respetivas assembleias regionais.

Artigo 34.º

Regiões Administrativas

Até à institucionalização da regiões administrativas, as competências regionais no âmbito da habitação serão exercidas pelo Estado.

Artigo 35.º

Municípios e Freguesias

  1. Os municípios programam e executam políticas locais de habitação, no âmbito das suas atribuições e competências.
  2. As freguesias participam na definição e execução das políticas locais de habitação, no âmbito das suas atribuições e competências.

Capítulo VIII

Programa Nacional de Habitação

Artigo 36.º

Programa Nacional da Habitação

  1. A Assembleia da República aprova o Programa Nacional de Habitação (PNH), elaborado pelo Governo, nos termos definidos no presente artigo.
  2. O PNH terá um horizonte de cinco anos, desdobrado em planos anuais.
  3. O PNH contém:
    1. A caraterização das carências, especificando-as por níveis de rendimentos que sejam adequados aos regimes de arrendamento, definidos no artigo 27.º ou à opção de aquisição de casa própria;
    2. A indicação das ofertas de habitação no mercado de arrendamento, no parque habitacional público, devoluta ou degradada, e do património edificado público mobilizável para programas públicos de criação de habitação;
    3. O levantamento de urbanizações ou edifícios com construção abandonada e o levantamento do solo urbanizado expectante, incluindo o das Áreas Urbanas de Génese Ilegal (AUGI) já infraestruturadas;
    4. A determinação das situações que importe corrigir em termos ambientais, incluindo a componente energética, em termos de acessibilidades, e de resiliência aos riscos;
    5. A informação estatística, organizada pela menor entidade estatística relevante, da evolução dos preços do solo urbanizado, do custo da construção habitacional nova e da reabilitada, dos valores praticados no mercado de arrendamento.
  4. Ao nível programático o PNH conterá:
    1. A proposta das medidas, programas e instrumentos, a desenvolver pelo Estado no sentido de garantir habitação, prioritariamente às camadas mais vulneráveis, a todos os que não encontram, no mercado, resposta à carência de habitação;
    2. A proposta de medidas, programas e instrumentos, que, através de processos de reabilitação do edificado e de renovação urbana, conduzam quer à melhoria das condições de habitabilidade e do “habitat”, quer à promoção da coesão social e territorial;
    3. A proposta de medidas que visem a correção dos problemas ambientais, de acessibilidades e de risco existentes, especialmente em habitações, edifícios ou urbanizações a reabilitar.
  5. O PNH fixa:
    1. O número de habitações a reabilitar ou a construir, por iniciativa pública ou com recurso a apoio público, com clara indicação quer dos programas ou instrumentos a utilizar quer dos regimes de renda a aplicar;
    2. O conjunto de outras intervenções que visem a melhoria do “habitat “e da coesão social e territorial;
    3. Os enquadramentos legislativo e orçamental, bem como a calendarização para a concretização das intervenções constantes das alíneas a) e b).
  6. São colocados à discussão e participação públicas, a versão plurianual e os desdobramentos anuais do PNH, por um período mínimo de 45 dias, cujo relatório será presente à Assembleia da República.
  7. O PNH articula-se com as Grandes Opções Plurianuais do Plano e com o Orçamento do Estado.
  8. O PNH terá necessariamente em atenção as Cartas Municipais de Habitação, estabelecidas no artigo 38º.
  9. O PNH é objeto de monitorização, nomeadamente através do Relatório Anual da Situação da Habitação (RASH) nos termos do artigo 37º.
  10. O Governo apresenta para aprovação, à Assembleia da República, uma proposta de Programa Nacional de Habitação, nos 180 dias após a publicação da presente lei.

Artigo 37.º

Relatório Anual da Situação da Habitação

  1. O Relatório Anual da Situação da Habitação (RASH) é apresentado pelo Governo à Assembleia da República no primeiro semestre de cada ano, relativo ao ano anterior.
  2. O RASH inclui:
    1. A avaliação detalhada da execução do PNH, a partir dos dados obtidos pelo organismo previsto no n.º 2 do artigo 30.º;
    2. Propostas e recomendações julgadas convenientes quer para a versão plurianual do PNH quer de revisão do Programa Nacional de Habitação.

Artigo 38.º

Carta Municipal de Habitação

  1. A Carta Municipal de Habitação (CMH) é o instrumento municipal de planeamento e ordenamento em matéria de habitação, no âmbito do qual se procede ao diagnóstico das carências de habitação e das potencialidades locais, em solo urbanizado expectante, em urbanizações ou edifícios abandonados, em fogos devolutos, degradados ou abandonados, na área de cada município.
  2. A CMH contém o planeamento e ordenamento prospetivo das carências criadas pela instalação e desenvolvimento de novas atividades económicas a instalar.
  3. A CMH é um instrumento programático de caráter estratégico a articular no quadro do Plano Diretor Municipal, com os restantes instrumentos de gestão do território e demais estratégias aprovadas ou previstas para o território municipal.
  4. A CMH é aprovada pela assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, auscultados os órgãos das freguesias e após consulta pública nos termos do Código do Procedimento Administrativo.
  5. A CMH define:
    1. As necessidades de solo urbanizado e de reabilitação do edificado que responde às carências habitacionais;
    2. As situações que exijam realojamento por degradação habitacional, a nível social ou urbanístico do aglomerado ou do edificado;
    3. Os agregados familiares em situação de manifesta carência de meios para acesso à habitação;
    4. As intervenções a desenvolver para inverter situações de perda populacional e processos de gentrificação;
    5. A identificação dos agentes, públicos ou privados, a quem compete a execução a concretização das intervenções a desenvolver;
    6. A identificação dos agentes do setor cooperativo, da rede social, das associações ou comissões de moradores, a serem chamadas a cooperar para a concretização das intervenções a desenvolver.
  6. No âmbito CMH, a assembleia municipal pode aprovar, sob proposta da câmara municipal, uma declaração fundamentada de carência habitacional conforme disposto no artigo 40º.
  7. A declaração fundamentada referida no número anterior habilita o município, através da câmara municipal, a recorrer aos seguintes instrumentos:
    1. Tomada de posse administrativa;
    2. Reforço das áreas destinadas a uso habitacional nos Planos Diretores Municipais (PDM) ou outros planos territoriais;
    3. Condicionamento das operações urbanísticas privadas ao cumprimento de metas habitacionais municipais definidas extraordinariamente como destinada a habitação permanente e a custos controlados;
    4. Exercício do direito de preferência, nos termos da presente lei e demais legislação aplicável.
  8. A declaração de Carência Habitacional será presente ao Governo para os fins inerentes às competências que lhe estão cometidas.

Capítulo IX

Intervenções Prioritárias

Artigo 39.º

Ações prioritárias

São ações prioritárias do Estado, regiões autónomas e autarquias locais, aquelas que tenham por objeto situações que exijam a imediata intervenção pública.

Artigo 40.º

Declaração de carência habitacional

  1. A declaração de carência habitacional, para a totalidade ou parte da área do município, com base na função social da habitação e nos termos da respetiva Carta Municipal de Habitação, assenta na incapacidade de resposta à carência de habitação existente.
  2. Os municípios com declaração de carência habitacional reconhecida, assumem prioridade na resolução e no investimento em habitação pública, a realizar pelo Estado.

Artigo 41.º

Posse administrativa

  1. O município com o reconhecimento da declaração de situação de carência habitacional pode proceder à posse administrativa de fogos com uso habitacional, devolutos ou sem utilização há mais de um ano, após a notificação.
  2. Cabe ao município designar um indivíduo ou agregado que se estabelecerá, com habitação própria permanente no locado, no regime de renda condicionada.
  3. O valor da renda prevista no número anterior reverte para o município, até que este seja ressarcido do valor despendido no processo e eventuais benfeitorias, findo o qual a posse administrativa municipal cessará.
  4. Finda a posse administrativa o proprietário assume o contrato de arrendamento estabelecido entre o município e o inquilino sendo que a sua duração não pode ser inferior a duas vezes o tempo em que esteve sob posse administrativa.

Artigo 42.º

Proteção em caso de emergência

  1. O Estado assegura proteção e respostas habitacionais de emergência em caso de grave e súbita carência habitacional designadamente em caso de catástrofes naturais ou acidentes.
  2. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais podem recorrer ao mecanismo de expropriação por declaração de utilidade pública de imóveis pertencentes a pessoas coletivas, entidades bancárias e, ou, financeiras que, destinados a habitação não estejam a uso ou estejam penhorados por essas entidades, com a exclusiva finalidade de garantir o direito à habitação nas situações previstas no número anterior.
  3. A expropriação realizada nos termos dos números anteriores, é efetuada nos termos do Código das Expropriações e pelo valor patrimonial do imóvel.

Artigo 43.º

Servidões administrativas

É condicionado o uso da propriedade privada nas zonas sujeitas às servidões administrativas e legais, designadamente no interesse geral de acesso ao domínio público habitacional.

Artigo 44.º

Restrições e condicionantes com expressão territorial

As condicionantes e restrições com expressão territorial serão mapeadas e explícitas à escala adequada nos instrumentos de planeamento territorial, designadamente nos planos diretores municipais.

Artigo 45.º

Exercício do direito de preferência sobre habitações devolutas ou degradadas

  1. Os prédios ou frações autónomas que se encontrem devolutas, total ou parcialmente, ou em estado de degradação há cinco ou mais anos por razões sucessórias, com ou sem processo judicial pendente, podem ser objeto de decisão administrativa de exercício do direito de preferência pelo Estado, regiões autónomas ou autarquias locais.
  2. O processo administrativo referido no número anterior é regulado por lei especial, nos termos do Código do Procedimento Administrativo.

Capítulo X

Financiamento das políticas de habitação

Artigo 46.º

Instrumentos de financiamento da política de regeneração urbana

  1. Os instrumentos de financiamento da política de habitação e da política de reabilitação e regeneração urbana têm como prioridade a promoção da habitação condigna e acessível e o desenvolvimento do setor das micro, pequenas e médias empresas nas áreas de reabilitação urbana.
  2. Os instrumentos de financiamento devem ser modelados no sentido de combater os processos de valorização especulativa dos preços imobiliários.

Artigo 47.º

Recursos financeiros públicos

  1. O Estado assegura dotações públicas adequadas à concretização da Política Nacional de Habitação.
  2. As despesas públicas com habitação a cargo do Estado e das regiões autónomas devem ser refletidas nos respetivos orçamentos anuais e programas de investimento plurianuais.
  3. O Estado estimula o acesso das entidades públicas e privadas, e em especial das regiões autónomas e dos municípios, a financiamentos comunitários na área da habitação, da reabilitação urbana e da sustentabilidade ambiental, económica e social dos aglomerados.
  4. O Estado garante a prestação de informação consolidada sobre as dotações públicas destinadas em cada ano às políticas públicas de habitação a nível nacional, regional e local e sobre a respetiva taxa de execução no ano anterior, através da sua inclusão no Relatório Anual da Habitação.

Artigo 48.º

Fundos de Habitação e Reabilitação

  1. O Estado garante a existência de um Fundo Nacional de Habitação e Reabilitação Urbana para apoio das respetivas políticas públicas.
  2. As regiões autónomas podem criar fundos regionais ou locais de habitação e reabilitação urbana à escala dos seus territórios.
  3. Os Fundos de Habitação e Reabilitação devem incorporar património imobiliário público e receitas resultantes de empréstimos e financiamentos destinadas a financiar as políticas públicas de habitação e reabilitação.
  4. Os Fundos a que se refere este artigo estão sujeitos às regras de funcionamento e supervisão definidas por lei.

Capítulo XI

Da participação

Artigo 49.º

Participação

  1. As decisões sobre a habitação são do interesse comum, pelo que os órgãos de consulta e os processos de participação devem respeitar o princípio da universalidade e o princípio da proporcionalidade na divulgação da informação, na orientação das consultas e na ponderação das contribuições, tendo em conta:
    1. A participação dos cidadãos na preparação, alteração ou revisão dos planos e programas que definam as políticas de utilização e proteção da habitação;
    2. A informação sobre quaisquer propostas de planos ou programas, ou da sua alteração ou revisão sobre o direito de participar nas tomadas de decisão e a identificação das autoridades competentes;
    3. A informação sobre as decisões tomadas e respetiva fundamentação, incluindo a informação sobre o processo de participação do pública.
  2. A participação pública obedece aos princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade.

Artigo 50.º

Legislação Complementar

A participação, informação e responsabilização dos cidadãos são definidas por decreto-lei, incluindo os processos de consulta pública, as iniciativas de participação, a proteção dos interesses difusos, a atuação dos cidadãos na defesa do ambiente, a garantia do acesso ao direito e dos direitos de utilização da habitação, e os processos de fiscalização da Administração do domínio público da habitação.

CAPÍTULO XII

Das infrações e sanções

Artigo 51.º

Ações constitutivas de infração

A Assembleia da República aprova, mediante proposta do Governo, o regime especial de contraordenações, embargos administrativos e sanções acessórias pelas infrações às normas da presente lei e dos diplomas nelas previstos e as sanções pecuniárias compulsórias, sem prejuízo da responsabilidade criminal.

Capítulo XIII

Disposições finais e transitórias

Artigo 52.º

Adaptação do quadro legal

  1. O Governo, no prazo de 90 dias após a publicação da presente lei, apresenta à Assembleia da República as propostas necessárias à adaptação do quadro legal vigente.
  2. No prazo estabelecido no número anterior, os órgãos de governo próprio das regiões autónomas e os órgãos competentes das autarquias locais, procedem à adaptação legal e regulamentar no âmbito das respetivas competências.

Artigo 53.º

Regulamentação e legislação complementar

A presente lei é regulada por legislação complementar e regulamentar prevista na presente lei, no prazo de seis meses, quando outro prazo não esteja indicado.

Artigo 54.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, salvo as disposições com impacto orçamental que entram em vigor, respetivamente, com o Orçamento do Estado, orçamento regional ou orçamento municipal, posteriores à sua publicação.

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