Lei dos despejos
Um passo mais na liquidação de direitos e no empobrecimento dos portuguesesIntrodução
A proposta de alteração à Lei do Arrendamento Urbano apresentada pelo Governo PSD/CDS-PP, caso venha a ser aprovada e promulgada, altera profundamente o quadro legal existente.
A Proposta do Governo – de facto, e em rigor, uma Lei de despejo atendendo ao seu conteúdo e objectivos – constitui neste domínio a negação do direito à habitação tal como está consignado na Constituição da República Portuguesa. Assente na fragilização absoluta dos direitos dos inquilinos e arrendatários, a Proposta de Lei precariza o direito à habitação e elimina a sua estabilidade num processo que, destinado a favorecer a especulação imobiliária, ameaça conduzir ao despejo sumário milhares de famílias (particularmente nos estratos mais carenciados da população) e ao encerramento de inúmeros pequenos estabelecimentos e lojas, em particular as instaladas nos bairros antigos das cidades.
Ao contrário do que uma lei do arrendamento urbano, que o pretendesse ser, deveria dispor sobre condições de habitabilidade, regras do regime de arrendamento e sua regulação, combate ao mercado paralelo ou direitos e garantias das partes contratantes, o diploma agora apresentado visa exclusivamente operacionalizar as regras e procedimentos de despejo, fragilizar ou mesmo anular garantias de transmissibilidade e reduzir drasticamente a estabilidade de acesso ao direito à habitação.
Invocando falsos objectivos e pressupostos – “dinamização do arrendamento urbano”, “promoção da mobilidade das pessoas”, “redução do endividamento das famílias e do desemprego”, “requalificação das cidades e dinamização do sector da construção” – o que o governo PSD/CDS tem em vista é instituir um indisfarçável instrumento concebido para servir os interesses dos senhorios e do capital financeiro e da sua actividade especulativa no imobiliário.
Constituindo-se, de facto, num factor de instabilidade social e de precariedade do direito à habitação, esta proposta de lei traduzir-se-á no aumento da pobreza e do desemprego, no avolumar das carências e dificuldades de centenas de milhares de famílias, no aumento significativo de casos de exclusão extrema.
A luta contra este projecto exige uma acção alargada de esclarecimento sobre os seus reais objectivos e de desmascaramento dos falsos e até cínicos pressupostos com que tem sido apresentado.
Adiantam-se nesse sentido um conjunto de argumentos, elementos e outros esclarecimentos destinados a apoiar o debate, suportar a discussão e confronto de pontos de vista e dinamizar as acções de luta e oposição à sua aprovação.
Dados e elementos que, por si só, desmontam e desmentem errados pressupostos introduzidos pelo governo, evidenciam o conjunto de consequências que propositadamente são escondidos ou iludidos, revelam os reais propósitos e denunciam os interesses que se pretendem beneficiar à custa do direito à habitação dos portugueses.
Perguntas e Respostas
1. É verdade que o mercado de arrendamento está inoperante?
Não é verdade. O número de contratos de arrendamento entre 2001 e 2011 cresceu 46.479, totalizando agora 786.904 fogos arrendados. E, em 2011 de acordo com o último censo, era de 110.207 o número de fogos disponíveis no mercado para arrendar, dos quais 10.903 e 5.430 respectivamente em Lisboa e no Porto. (Censo de 2011).
Um dos principais motivos porque estes fogos não são arrendados tem a ver com a situação social das famílias que, mesmo carentes de habitação, não possuem meios para aceder ao mercado de arrendamento. Para além de que, nas últimas décadas, os incentivos por parte da banca e do Estado à aquisição de habitação conviveram com a inexistência de quaisquer incentivos ao arrendamento.
21. Qual o significado exacto do “congelamento” de rendas com que alguns se referem ao mercado de arrendamento? Significa que não há mercado de renda livre?
A ideia de que o regime de arrendamento urbano em vigor em Portugal seria sinónimo de rendas congeladas desde 1974 é uma imensa mentira.
A verdade é que desde 1981 vigora um regime de opção por renda livre ou condicionada para todos os novos contratos, ainda que sujeito a um regime de estabilidade que previa a renúncia contratual apenas nas situações de incumprimento por parte do inquilino ou de comprovada necessidade da habitação para o senhorio ou descendentes. E desde 1990, ou seja há mais de duas décadas, com o chamado regime de arrendamento urbano (RAU), que a liberalização das rendas é total quer quanto ao valor quer quanto à precarização dos contratos que passaram a ter um limite temporal definido em ciclos de cinco mais três anos.
3.É verdade que as rendas anteriores continuaram “congeladas”?
Não. As rendas “congeladas” pela legislação de 1974 foram objecto de uma actualização extraordinária em 1985. E, desde então, são todos os anos actualizadas de acordo com índices publicados em Portaria do Governo.
4.O número de rendas anteriores ao regime de arrendamento urbano, às quais se atribui a causa das dificuldades do “mercado de arrendamento” é significativo?
Estas rendas representam hoje cerca de 33% do mercado de arrendamento habitacional quando há 10 anos atrás representavam 58%. Em 2011, estavam recenseados 255.536 contratos de arrendamento anteriores a 1990, num universo nacional de 786.904 contratos, enquanto em 2001 eram cerca de 430 mil, num universo de 740425. Este número, que tem vindo a baixar todos os anos por motivos obviamente ligados à idade avançada dos arrendatários, corresponde apenas a 32,5% do total nacional, ainda que em determinados concelhos o seu valor seja mais expressivo (nos concelhos de Lisboa e Porto onde é maior em termos absolutos o número de contratos de arrendamento habitacional o peso destes contratos é respectivamente de 43,2% e 48,4%, quando há dez anos atrás era respectivamente 73,7% e 73,9%).
5.É verdade que o congelamento das rendas conduziu à degradação das cidades?
A degradação das zonas antigas da generalidade das cidades e vilas, tem causas muito mais profundas. Ela radica essencialmente num conjunto de políticas de solos que privilegiou a expansão urbana para as periferias proporcionando à banca, lucros especulativos assentes sobretudo nas mais-valias decorrentes da transformação de solo rural em solo urbano. Mais-valias essas que eram inexistentes, como é evidente, na mera “modernização” de tecido urbano já existente.
Acresce que este investimento da banca em novas urbanizações destinadas ao mercado de venda oferecia ainda os lucros ligados ao crédito a construção e à compra de casa, bem maiores e continuados no tempo do que os juros possíveis de serem cobrados pelos empréstimos para obras em fogos já existentes.
6.Mas os senhorios ao cobrarem rendas baixas ficaram impossibilitados de fazer obras…
Sendo verdade que existem senhorios com poucos recursos e sem possibilidade de realizar as obras, não é correcto imputar ao inquilino a responsabilidade pela degradação dos fogos. A verdade é que, à época em que foi negociada a renda ela o foi aos valores de mercado de então e os inquilinos têm vindo, desde 1985, a suportar as actualizações de renda legalmente estabelecidas.
Sendo que importa recordar que nos estudos e estimativas que recorrentemente se produzem para procurar provar o reduzido esforço financeiro dos inquilinos se omite, em regra, muitas das obras de restauro, muitas vezes, de melhoramento significativo, realizadas por um número significativo de inquilinos nos fogos arrendados (alguns dos quais já em estado medíocre de conservação e de condições higiénico-sanitárias aquando do arrendamento).
7.É verdade que, como cinicamente sustenta a ministra do CDS, esta Lei vai reduzir o endividamento das famílias?
É óbvio que não. É totalmente desprovido de sentido e demagógico afirmar pretender-se diminuir o endividamento das famílias através de uma medida que se traduzirá no aumento do custo da habitação para mais de 250 mil famílias, no geral das mais carentes. Só por cinismo se pode afirmar que os milhares de portugueses que verão as suas rendas aumentar significativamente se chegarem a acordo com o senhorio quanto aos valores das actualizações – ou, em alternativa, no caso provavelmente mais recorrente de despejo, que ficarão sujeitos aos valores mais elevados das rendas das novas habitações que tiverem de alugar (se tiverem condições para isso), – terão os seus rendimentos mais defendidos!
Refira-se, a propósito, que as famílias portuguesas gastam já em habitação, e em média, 29,2% do seu rendimento (dados do Inquérito às Despesas Familiares em 2010/2011, do INE).
8.Vai esta Lei possibilitar uma maior mobilidade das pessoas?
Sempre que os promotores da política de direita pretendem facilitar os despejos afirmam fazê-lo para facilitar a mobilidade. Da mesma maneira, quando pretendem facilitar o desemprego ou a precariedade laboral, afirmam pretender criar emprego.
Desde sempre se assistiu a deslocalizações de habitação, até para o estrangeiro, em busca de trabalho, independentemente da renda paga na habitação de origem. Não são necessárias leis para, promovendo os despejos, obrigar os trabalhadores a ir procurar trabalho noutro local. Acresce que os visados por esta proposta de Lei são sobretudo famílias idosas, retiradas do mercado do trabalho, pelo que a afirmação do Governo se revela ainda mais falsa e sem fundamento.
9.Como é que esta Lei facilita os despejos?
Desde logo, pela criação de um procedimento extrajudicial capaz de conduzir à desocupação do imóvel de uma forma célere e eficaz, num prazo de três meses. Medida que é acompanhada, em paralelo, pela institucionalização de um serviço especial para agilizar os despejos e onde apenas é obrigatória a constituição de advogado para dedução de oposição ao requerimento de despejo. Como é óbvio, a não obrigatoriedade de constituição de mandatário judicial, no caso do requerente (proprietário), favorece-o unilateralmente no que toca às despesas com o acesso à justiça. Verifica-se ainda uma ampliação das possibilidades de denúncia dos contratos, por parte dos proprietários seja para efeitos de habitação própria dos senhorios, seja para a realização de obras.
O mecanismo especial de despejo aplicar-se-á, assim, a toda as situações : cessação de contrato por revogação; caducidade de contrato de arrendamento pelo decurso do prazo; cessação do contrato por oposição à renovação; cessação do contrato de arrendamento por denúncia livre pelo senhorio; cessação do contrato de arrendamento por denúncia para habitação do senhorio ou filhos ou para obras profundas; cessação do contrato de arrendamento por denúncia pelo arrendatário; resolução do contrato por incumprimento do pagamento de renda ou por oposição pelo arrendatário à realização de obras coercivas.
Tal como na legislação laboral na relação entre trabalhador e patrão, o argumento apresentado de assegurar um “equilíbrio” entre as partes – inquilino e senhorio - ditado apenas pela lei do mercado ignora deliberadamente a relação de domínio absoluto de uma das partes (senhorio) apenas possível de equilibrar pela consagração legal de um conjunto de garantias, sem as quais não é possível assegurar a defesa dos direitos da parte mais frágil (inquilino).
10.Que instrumentos são criados para operacionalizar os despejos e como funcionam?
É criado um novo Serviço, intitulado Balcão Nacional de Arrendamento, destinado, no texto da Proposta de Lei, a “assegurar a tramitação do procedimento especial de despejo”. Cria-se deste modo um procedimento à margem do normal funcionamento dos Tribunais, onde o recurso por parte dos inquilinos é fortemente limitado. Mesmo quando é possível o recurso, pagando o inquilino caução e rendas, este não é suspensivo, tendo o fogo de ser abandonado, num procedimento claramente intimidatório e dissuasivo para os inquilinos, até pelos custos que lhe são inerentes.
11.Como é facilitado o despejo motivado pela necessidade de habitação própria dos proprietários?
Para os proprietários desaparece o impedimento de possuir casa arrendada no concelho, ou limítrofes para os casos de Lisboa e Porto. A indemnização a pagar, que era correspondente a doze meses de renda passa a seis meses. E, basta que o senhorio seja proprietário do fogo há dois anos, quando, na actual Lei, esse prazo é de cinco anos. O facto de passarem a estar sujeitos obrigatoriamente ao aumento da renda significa, por si só, na generalidade das situações a inexistência de facto de qualquer salvaguarda.
12.Como são facilitados os despejos motivados pelo anúncio da demolição ou da realização de obras que obriguem à desocupação do fogo?
O proprietário pode em qualquer altura comunicar ao inquilino que necessita de fazer obras que obrigam à desocupação do local arrendado. Basta fazer acompanhar essa comunicação de uma declaração do Município. Este procedimento obriga ao despejo num prazo de sete meses. É despejado qualquer inquilino, ainda que idoso ou deficiente, sendo que nestes casos o proprietário é obrigado a realojar o arrendatário no mesmo concelho em condições análogas. Não existe qualquer garantia de que o prazo legal para início das obras seja cumprido. Trata-se da consagração de um mecanismo obviamente feito à medida da especulação imobiliária.
13.Como é facilitada a denúncia dos contratos e como são alteradas as indemnizações?
A denúncia dos contratos é facilitada, nos contratos de duração limitada, desde logo pelo menor período de renovação dos mesmos, o qual passa dos actuais três anos para dois anos. É ainda facilitada nos contratos sem duração limitada quando passa a ser possível a denúncia para habitação do proprietário ou seus descendentes mesmo nos casos em que o arrendatário ocupa o fogo há mais de trinta anos. E, nos contratos sem duração limitada é sempre possível ao proprietário denunciar o contrato mediante comunicação ao arrendatário feita com dois anos de antecedência (salvo casos de inquilinos com mais de 65 anos ou incapacidade superior a 60%).
As indemnizações baixam de valor (passam a metade) nas situações de despejo para alojamento do senhorio ou seus descendentes e ganham carácter claramente intimidatório nas situações de despejo por inexistência de acordo no valor da nova renda (o inquilino que limite a sua oferta a um valor mais baixo, ainda que de acordo com as suas reais disponibilidades ou estado de conservação do imóvel, está a baixar o valor da indemnização).
14.Os contratos de arrendamento não habitacionais, ou seja os estabelecimentos comerciais existentes, também serão abrangidos por esta proposta de lei?
Sim vai afectar profundamente muitos dos contratos de arrendamento não habitacional anteriores a 1990. A pequena mercearia de bairro, a padaria, o café, o pequeno restaurante familiar, que hoje dão vida aos nossos bairros antigos das cidades e cujos contratos de arrendamento se prolongam há décadas, vão ser directamente afectados por esta proposta de lei e correm sérios riscos de encerrar. Só no sector da restauração e similares, de acordo com as estatísticas das empresas de 2009, existiam neste ano 77 456 microempresas, que empregavam mais de 148 mil trabalhadores,muitas das quais poderão vir a ser potencialmente afectadas.
15.Estão salvaguardadas, como sustenta o Governo, a situação destes estabelecimentos?
Não. Esta proposta de lei permite aos senhorios propor aos arrendatários dos estabelecimentos comerciais com rendas anteriores a 1990, o novo valor da renda, o tipo e a duração dos contratos. A única excepção prevista a esta situação diz respeito aos contratos de arrendamento em vigor referentes a microentidades.
Nestes casos estabelece-se que transitoriamente durante cinco anos, o novo valor proposto para a renda não poderá exceder anualmente 1/15 do valor patrimonial actualizado do estabelecimento nos termos do Código do Imposto Municipal de Imóveis (CIMI). Condição que por si só representará um aumento em muitas situações insuportável para estabelecimentos que já na actual situação se encontram com dificuldades extremas de sobrevivência.
Tomando por exemplo uma situação em que a loja seja avaliada em 100 mil euros (caso que se tem de ter como provável desde logo pela reavaliação dos valores matriciais que estão previstas) a nova renda fixar-se-ia em 556 euros/mês! Sublinhe-se ainda que, findo este prazo o senhorio pode fixar livremente o valor da nova renda, o tipo e a duração do contrato, dado que essa condição não pode ser invocada uma segunda vez!
Refira-se que apenas são consideradas para este efeito na lei, as empresas que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapassem dois dos três limites seguintes: um total de balanço anual de 500 000 euros, um volume de negócios líquidos de 500 000 euros e um número médio anual de empregados, de cinco. Ou seja, a definição de microentidade inscrita nesta proposta de lei nem sequer respeita a recomendação da Comissão Europeia de 6 de Maio de 2003, que a define como a que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.
16.É verdade que na proposta do governo estão defendidos e garantidos direitos dos mais idosos e desfavorecidos?
A propaganda sobre uma alegada protecção que estaria considerada na proposta não tem correspondência com a realidade, constituindo sobretudo um factor de diversão face à natureza desumana e brutal desta legislação. Na verdade os valores e regras estabelecidas são, quando aplicados em concreto, a comprovação de um regime que deixará dezenas, se não centenas de milhar de famílias, sem outra alternativa que não seja a de perder o seu contrato de arrendamento. Para além de que no prazo de cinco anos, os inquilinos idosos e com mais de 60% de deficiência perdem todos os direitos actuais e ficam sujeitos ao regime de renda livre.
Três casos a tomar como exemplo sobre o possível impacto da lei dos despejos no valor mensal das rendas de vários agregados familiares.
Exemplo A
Um casal de idosos que tem como rendimento mensal duas pensões mínimas de velhice de 254 euros (valor actualizado em Janeiro do corrente ano) e que paga de renda mensal 20 euros, num bairro antigo da cidade de Lisboa. Que valor poderá atingir a renda actualizada de acordo com esta proposta de lei?
À luz desta proposta de lei o casal tem um rendimento mensal bruto corrigido superior a 500 €, pelo que a sua renda é actualizada para 25% do rendimento mensal. (Rendimento anual bruto corrigido (RABC) 254€x2x14= 7 122,0€ ; Rendimento mensal bruto corrigido (RMBC) 7 122,0€/12 = 592,7€; 592,7€x0,25= 148,2 € )
Ou seja, embora este casal de idosos tenha de rendimentos apenas uma pensão mínima de cada um, poderá passar a pagar 148,2€ de renda mensal. O valor actual da renda será neste caso multiplicado por sete. Mesmo que se recorra à disposição alternativa – que estabelece como limite 1/15 do valor matricial nos termos do CIMI – basta que o fogo tenha um valor matricial actualizado de 20 mil euros ( nada improvável em zonas centrais das cidades) para que o tecto para o novo valor de renda passe para 111,2 euros, isto é, a renda mais do que quadruplicará.
Exemplo B
Um casal de idosos que tem como rendimento mensal duas pensões sociais mínimas de 195,4 euros cada (valor actualizado em Janeiro do corrente ano) e que paga de renda mensal 20 euros, num bairro antigo da cidade de Lisboa. Que valor poderá atingir a renda actualizada de acordo com esta proposta de lei?
À luz desta proposta este casal tem um rendimento mensal bruto corrigido inferior a 500 €, logo a renda é actualizada para 10% do rendimento mensal.
(Rendimento anual bruto corrigido (RABC) 195,4€x2x14= 5 471,2€ ; rendimento mensal bruto corrigido (RMBC) 5 471€/12 = 455,9€; 455,9€x0,10=4 5,6 €).
Neste caso se a renda mensal for hoje de 20 euros, ela mais do que duplicará para 45,6 euros.
Exemplo C
Um casal com 2 filhos menores que paga hoje uma renda, com contrato anterior a 1990, no valor de 100 euros. O casal tem um salário mensal bruto de 800 euros cada. Que valor poderá atingir a renda actualizada de acordo com esta proposta de lei?
(Rendimento anual bruto corrigido = 800€x2x14-(485€x14)=15 610€; Rendimento mensal bruto corrigido = 15 610€/12=1300,8€)
Neste caso este casal poderá ver a sua renda actualizada para 25% do rendimento mensal, ou seja, 325 euros. Só não será assim se o valor matricial actualizado do fogo for inferior a 58 470 euros, neste caso o valor anual da renda não poderá ser superior a 1/15 do seu valor matricial.
Outras situações
Nos casos em que os agregados familiares têm um rendimento anual bruto corrigido superior a 5 salários mínimos anuais, isto é 33 950 euros, e o contrato de arrendamento é anterior a 1990, o senhorio é livre de propor o valor da renda que entender e caso o inquilino não aceite, ou o indemniza em 60 vezes o valor médio da sua proposta e da contraproposta do inquilino e reassume a posse do imóvel, ou pode ainda fixar um novo valor anual para a renda, em 1/15 do valor matricial actual do fogo por um período de 5 anos, findo o qual poderá ser assinado contrato de arrendamento de acordo com o novo regime de arrendamento urbano, com novo prazo fixado pelo senhorio e em que o valor da renda será determinado por si livremente.
17.Está previsto algum regime de apoios para inquilinos mais carenciados?
Existem apenas declarações vagas quanto à possibilidade de algum apoio, mas nada está considerado na actual Proposta de Lei. Mesmo nas situações de excepção aos aumentos, para inquilinos com mais de 65 anos ou 60% de deficiência, a renda apenas não aumenta durante cinco anos. Decorrido esse período passa a vigorar o regime de renda livre aos valores de mercado.
18.É verdade que o capital financeiro está inibido, na actual situação, de investir no imobiliário?
É verdade que o capital financeiro mudou o seu paradigma de investimento no imobiliário, sobretudo porque o modelo assente na infraestruturação de enormes áreas das periferias atingiu a saturação e o aproximou perigosamente do cenário de bolha imobiliária. Hoje a banca e os especuladores ligados ao imobiliário procuram especialmente áreas de mercado com prestígio, destinadas a sectores da população, incluindo estrangeiros, com elevado poder de compra. Aí os centros históricos e outras zonas centrais das cidades oferecem óptimas perspectivas de negócio.
Convém, entretanto, lembrar que os Fundos de Fomento Imobiliário, criados em 1987, geriam em Setembro de 2011 uns significativos 11.972 milhões de euros. Isto quando a verba pública para renovação urbana e habitação,à responsabilidade do IHRU, se fica pelos 82 milhões de euros e quando a principal aposta do Governo para a reabilitação é um fundo imobiliário da EU, o chamado Jessica. Está bem evidente quem vai mandar na reabilitação e, com ela, lucrar.
19.É verdade, ou não, que existe no país um problema de habitação?
Falar-se em problema de habitação num país onde existem mais de setecentos mil fogos para alugar ou vender é caricato. Em Portugal existe, na habitação assim como em muitas outras áreas sociais, um gravíssimo problema, decorrente claramente da origem de classe do poder e das políticas prosseguidas no sentido de acentuar as desigualdades na distribuição da riqueza e no acesso e usufruto dos bens, serviços e equipamentos.
20.Mas que soluções para a habitação e a reabilitação urbana?
Antes de mais importa responsabilizar o Estado como interventor, ao contrário de mero regulador ou até como vem acontecendo mero observador, no mercado de solos e na condução de políticas de renovação urbana, conduzindo muitos dos fogos recuperados ou renovados para programas de custos controlados e de renda condicionada.
Urge terminar com a ideia de que as zonas antigas das nossas cidades e vilas apenas podem ser recuperadas como espécie de coutadas para estratos elevados da nossa sociedade ou para estrangeiros endinheirados. A cidade sempre foi e tem de continuar a ser local privilegiado de ocupação inter classista, com fortíssima componente de estratos populares. Acresce que, até pela tipologia urbana, só reduzidas áreas dos centros históricos permitem a renovação destinada a sectores de rendimentos elevados. E, nesses casos o capital sabe bem como intervir. Importa é, nas restantes e maioritárias situações, criar apoios, naturalmente aos proprietários ou na omissão destes aos arrendatários, para a reabilitação simples do edificado.
Estes apoios devem ir da simplificação administrativa e do apoio técnico, à criação de condições de financiamento e a medidas fiscais que podem passar pelo estabelecimento de Taxas liberatórias sobre os rendimentos obtidos pelos proprietários de fogos colocados no mercado de arrendamento e objecto de obras de reabilitação.