Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados;
O direito à habitação, consagrado na Constituição da República, e a sua concretização através de adequadas políticas promovidas pelo Estado, assim como o apoio ao pequeno comércio tradicional e às coletividades de cultura e recreio, que desempenham uma importante função social e empregam centenas de milhares de trabalhadores, ocupam um lugar central nas preocupações do PCP em qualquer discussão sobre o arrendamento urbano.
O Governo e a maioria parlamentar que o suporta não partilham, contudo, desta preocupação. A sua intenção, declarada no preâmbulo da proposta de lei que revê o regime jurídico do arrendamento urbano, é a de criar, e cito “um verdadeiro mercado de arrendamento”, do qual resultará a negação do direito à habitação, o despejo sumário de milhares de famílias, particularmente as mais carenciadas, o despejo de centenas de coletividades e o encerramento de inúmeros pequenos estabelecimentos comerciais, especialmente aqueles localizados nos bairros antigos das cidades e vilas portuguesas.
Aplicando as medidas previstas no Pacto de Agressão, assinado pelo PS, PSD e CDS, e concretizando as suas próprias opções ideológicas, o Governo apresentou à Assembleia da República uma proposta que visa, de forma indisfarçável, servir os interesses dos senhorios e a atividade especulativa do capital financeiro no setor imobiliário, enquanto fragiliza, de forma inaceitável, os direitos dos inquilinos e arrendatários.
Nesta sua proposta, o Governo dedica uma grande atenção aos despejos, alargando as situações em que estes podem ser concretizados e criando um novo procedimento especial para acelerar todo o processo. Pretende-se, assim, que um inquilino possa ser
expulso da sua habitação de uma forma célere e eficaz, porque, por exemplo, o senhorio pretende fazer obras de remodelação ou porque o inquilino, encontrando-se numa situação de fragilidade económica, se atrasou oito dias no pagamento da renda, quatro vezes no decurso de um ano. Acresce ainda que o procedimento especial de despejo, decorrendo fora da esfera dos tribunais, coloca em risco a salvaguarda dos direitos e garantias da parte mais frágil num processo de despejo – o inquilino. É, pois, justo dizer que a proposta de lei do Governo, pelo seu objetivo e conteúdo, é uma verdadeira Lei do Despejo.
A proposta de lei do arrendamento urbano, a ser aprovada, constituirá um fator de instabilidade social, traduzindo-se no aumento da pobreza e do desemprego, no avolumar das carências e dificuldades de centenas de milhares de famílias, e no aumento significativo de casos de exclusão extrema.
Efetivamente, a aplicação deste novo regime jurídico do arrendamento urbano, levará a aumentos substanciais dos valores das rendas, especialmente daquelas respeitantes aos mais de 250.000 contratos de arrendamento anteriores a 1990. Esta circunstância, conjugada com o agravamento das condições de vida da esmagadora maioria dos portugueses, a redução dos salários e das pensões, o aumento do desemprego e a diminuição dos apoios sociais, criará uma dramática situação social, em que milhares e milhares de inquilinos serão incapazes de suportar as novas rendas, vendo-se privados, efetivamente, do seu direito à habitação.
A propaganda governamental esforça-se por fazer passar a ideia que os inquilinos mais idosos, com deficiência ou economicamente carenciados estão protegidos na presente proposta de lei. Esta propaganda não tem qualquer correspondência com a realidade, constituindo apenas um fator de diversão face à natureza desumana e brutal desta legislação. Na verdade, as regras estabelecidas pela proposta do Governo deixarão dezenas de milhares de inquilinos idosos, deficientes ou carenciados sem outra alternativa que não seja a de perder o seu contrato de arrendamento, situação que, na melhor das hipóteses, poderá ser adiada por cinco anos, ao fim dos quais perdem todos os direitos atuais e ficam sujeitos ao regime de renda livre, tendo que pagar renda cujos valores serão, em muitos casos, insuportáveis.
Também o pequeno comércio tradicional, que hoje dá vida aos bairros antigos das nossas cidades e vilas, será profundamente afetado, principalmente aquele cujos contratos de arrendamento são anteriores a 1995. Ignorando as especificidades do setor do pequeno comércio e serviços, a proposta do Governo agrava as condições em que se desenvolve o exercício da sua atividade, penalizando gravemente os arrendatários comerciais. De acordo com as associações representativas do setor, a aplicação do novo regime jurídico levaria ao encerramento, nos centros urbanos, de cerca de 80% das empresas de comércio tradicional, e lançaria no desemprego, num curto espaço de tempo, mais de 150.000 trabalhadores.
Também aqui, a propaganda do Governo pretende fazer crer que os pequenos estabelecimentos comerciais e de serviços estariam protegidos. As denominadas
microentidades terão um regime transitório durante cinco anos, em que o valor da renda não poderá ultrapassar, anualmente, 1/15 do valor patrimonial tributário atualizado nos termos do Código do IMI. Esta condição, por si só, representará um aumento incomportável para muitos estabelecimentos, os quais na situação atual já se debatem com enormes dificuldades. A aplicação da legislação proposta pelo Governo levaria, inevitavelmente, num curto prazo, ao encerramento ou falência de muitos destes pequenos estabelecimentos comerciais, situação que se agravaria ao fim de cinco anos, quando ficassem sujeitos ao regime de renda livre.
O caminho escolhido pelo Governo e pela maioria parlamentar que o suporta merece, da parte do PCP, a mais veemente rejeição. Na habitação, assim como em muitas outras áreas sociais, há um gravíssimo problema, decorrente claramente da origem de classe do poder e das políticas prosseguidas no sentido de acentuar as desigualdades na distribuição da riqueza e no acesso e usufruto dos bens, serviços e equipamentos.
Confiar a questão do arrendamento urbano e da reabilitação urbana a mercados totalmente liberalizados só agravará ainda mais os problemas. Para o PCP é necessário que o Estado assuma as suas responsabilidades, como interventor, e não como mero regulador ou mero observador, na condução das políticas de arrendamento urbano e reabilitação urbana.
Disse.